PSD: Dilma Rousseff e Gilberto Kassab na convenção do partido em junho de 2014, que definiu apoio nas eleições presidenciais; bancada na Câmara votou em peso pelo impeachment /
Raphael Martins
Publicado em 5 de novembro de 2016 às 06h56.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h44.
Quem é o maior vencedor das eleições? De bate-pronto, a tentação é apontar o PSDB. Visto pelo eleitorado como alternativa “antipetista”, o partido registrou crescimento de 17% nas cadeiras de prefeito ocupadas pelo país, com controle sobre 34,4 milhões de votantes. Há, porém, outro destaque talvez mais significativo para a mudança no jogo político dos próximos anos. Em sua segunda eleição, o PSD, partido criado em 2011 pelo ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, foi um fenômeno eleitoral.
O partido saiu das urnas com 540 prefeitos (9% a mais que em 2012), ocupando o lugar que era do PT como terceiro maior em número de prefeituras (atrás de PMDB e PSDB). Foram eleitos também 4.617 vereadores. Levam do pleito também duas capitais: Marquinhos Trad venceu a eleição em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e Luciano Cartaxo, em João Pessoa, na Paraíba — no quesito, também ultrapassa o PT, que só terá prefeito em Rio Branco, no Acre.
Em 2012, o desempenho já havia sido espetacular: 495 prefeitos. A boa estreia foi puxada por representação em nove estados do país desde o berço, com cabos eleitorais já conhecidos, como o então o governador do Amazonas, Omar Aziz, o vice-governador da Bahia, Otto Alencar, e o deputado federal Índio da Costa, no Rio de Janeiro, entre outros. Em suma, um time de políticos profissionais com raízes municipais devidamente fincadas.
“Para fazer um bom número de prefeitos é preciso ter nomes que tenham base regional e consigam mobilizar os diretórios municipais na hora da campanha. Apresentar nomes conhecidos em seus quadros antes do pleito é fundamental para novatos”, diz David Fleischer, cientista político e professor do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB).
Parte do crescimento se explica também pela queda do PT, que figurava como um dos grandes. Com 60% menos prefeituras, o partido de Luiz Inácio Lula da Silva perdeu postos não só para tucanos, mas também para pequenos e médios. Além do PSD, cresceram acima dos dois dígitos percentuais o PDT (10%) e PRB (33%), por exemplo. PHS e PMN, dois nanicos, fizeram base em Belo Horizonte, com Alexandre Kalil, e Curitiba, com Rafael Greca.
Os resultados do PSD em 2016 prometem ainda mais influência do partido na política nacional a partir de 2018. É uma tendência que repete 2014, quando o partido, já estabelecido, tinha capacidade de mobilização os diretórios municipais também na campanha dos federais. Foram eleitos 36 deputados, tornando-se assim o sexto maior partido na Câmara em 2015.
“A origem parece muito com a do PSDB. Foi o primeiro partido a aproveitar a brecha da lei em que é possível criar uma bancada com a filiação a um novo partido sem acusação de infidelidade partidária”, afirma Sérgio Praça, cientista político e professor da FGV/CPDOC. “Por agora, é um partido sem pretensão de ocupar uma presidência, vai se capitalizar com o enfraquecimento dos outros. Um parlamento mais fragmentado fortalece partidos médios”.
Saber lidar com o poder de barganha é arma antiga do partido. O líder Kassab pulou de oposição para situação, onde transitou enquanto Dilma foi forte — na eleição para presidente da Câmara que elegeu Eduardo Cunha, o partido apoiou Arlindo Chinaglia. Depois, com Cunha poderoso, membros do partido trabalharam para que ele não perdesse o mandato no Conselho de Ética, substituindo parlamentares que votariam contra por suplente aliado ao agora ex-deputado (confusão que culminou na saída do presidente do Conselho, José Carlos Araújo, do partido, que retornou ao PR).
Nos dias de hoje, segundo analistas, o PSD atua como um “novo PMDB”, legenda com substância numérica para ser valorizada na Câmara e que dançou conforme a música de acordo com seus interesses políticos.
“Nos dois momentos marcantes dessa legislatura, o impeachment e a cassação de Eduardo Cunha, tentamos manter coerência política, jurídica e técnica, com uma ação transparente e propositiva”, afirma em explicação o líder do partido na Câmara, Rogério Rosso. “A ampla maioria da bancada, depois de muito debate, posicionou-se pela admissibilidade do impeachment e pela cassação. O partido acompanhou a vontade majoritária”.
O ministro Gilberto Kassab não atendeu aos pedidos de entrevista de EXAME Hoje.
Velha novidade
O desempenho recente nas urnas e a atuação dúbia se explicam pelo uso de técnicas das mais tradicionais da velha política, que vem de nascença. A articulação para formar o partido de Kassab começou quando o então prefeito de São Paulo vislumbrava um sucessor para o fim de mandato em 2012 que lhe desse cacife para lançar candidatura ao Governo do Estado. Ou seja, a ideia era criar base, com aliados poderosos, que o apoiassem e buscassem alianças para sua chapa.
Com tais pretensões, Kassab tentou pressionar seu partido a trocar o comando por desgastes com o então presidente da sigla, Rodrigo Maia, por conta da política de alianças do DEM, que ia em direção ao tradicional aliado PSDB, de Geraldo Alckmin. Sem espaço diante do tucano, Kassab foi em busca de outros rumos. Chegou a negociar uma migração para o PMDB, mas preferiu articular a nova legenda.
Desembarcou do DEM em março de 2011, de mãos dadas com o vice-governador Guilherme Afif Domingos e o secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura, Cláudio Lembo. Orquestrou uma fusão com o PSB, entregando ao menos 20 cadeiras na Câmara dos Deputados, com parlamentares do DEM e também de siglas como PTB, PP, PR e PSDB. A junção não saiu, mas o PSD sozinho, devido o assédio a políticos já empossados, chegou a cerca de 50 cadeiras logo de início.
Por sua vez, o DEM se tornou um dos denunciantes da suspeita de fraude de assinaturas pela qual o PSD passou na sua regularização. A principal acusação era de que a Prefeitura de São Paulo teria usado a máquina pública para angariar assinaturas na cidade, tornando-as irregulares. Até mesmo falecidos teriam assinado parte das quase 500.000 assinaturas pedidas para registro, segundo a acusação.
Todo o mal-estar com seu antigo partido durante o processo empurrou Kassab para alianças com o governo federal do PT. Julgada no Tribunal Superior Eleitoral, a ação terminou favorável ao novo partido, chancelando em setembro de 2011 a aptidão para disputar eleições municipais em 2012.
Dali em diante, a bancada se alinhou de vez ao governo de Dilma Rousseff, que chegou a apoiar a criação da sigla como forma de enfraquecer a oposição e alas mais insatisfeitas do PMDB. O único descompasso evidente entre eles foi o apoio a Paulo Skaf (PMDB) na disputa para o Governo do Estado de São Paulo, em vez de Alexandre Padilha (PT). No fim, naquela eleição, Kassab tentou uma vaga no Senado. Adiante, pelo apoio no primeiro, Kassab foi premiado no segundo mandato da petista com o Ministério das Cidades.
O alinhamento ia tão bem que o ministro tentou repetir a jogada de criar um novo partido para desidratar a oposição em setembro de 2015. A ideia era desenterrar o Partido Liberal (PL) para captar dissidentes contrários ao processo de impeachment de Dilma, que já havia chegado às mãos de Eduardo Cunha na Câmara. Kassab sempre negou, mas a nova sigla tinha a pretensão de anexar 28 deputados federais para depois fundi-los ao PSD. A saga das assinaturas, desta vez, não deu certo.
Ao longo do processo de impeachment, com o enfraquecimento de Dilma e seu descolamento com o Congresso, a legenda foi gradualmente mudando de lado. O relator da comissão especial na Câmara foi o líder do partido Rogério Rosso, que votou contra o PT. Já com articulações de Michel Temer nos bastidores, partidos médios foram abandonando a situação até o desembarque do PSD, que alegou comum acordo na bancada.
Kassab entregou o cargo quase às vésperas da votação na Câmara, dizendo que deixava o ministério em respeito à “posição de seu partido”. Os 36 deputados que o PSD levou consigo para a oposição foi um golpe mortal para que o impeachment fosse aprovado na Câmara, que teve placar final de 367 a 137 votos contra a presidente. Fechada a questão no impeachment e dando apoio ao novo governo desde o início, Kassab acabou se tornando ministro de Temer.
Comparação inevitável
O comportamento político é o que hoje separa o PSD de outros partidos recentes, como o PSOL, que teve origem em um grupo de dissidentes do PT em 2004, e a Rede Sustentabilidade, nascida oficialmente em 2015. O PSOL, que tem linha programática mais rígida com os conceitos da esquerda (que sofre momento de retração por insatisfação dos eleitores com a política econômica tocada pelo PT), teve dois prefeitos eleitos, dentre os 430 candidatos (0,004%), e 53 vencedores entre os 4.643 candidatos a vereador.
Oficializada em 2015, portanto com mesmo prazo de preparação para a primeira eleição que o PSD, o partido de Marina Silva venceu a cadeira de prefeito em apenas sete municípios. Foram 154 candidaturas lançadas, com aproveitamento de 4,5%. Dos 3.449 postulantes a vereador lançados, apenas 180 se elegeram.
“No geral, estamos felizes com o resultado final. Temos conteúdos muito bons, mas precisamos alcançar mais pessoas com propostas viáveis. Queremos um viés à frente, pensando novas formas na sociedade”, diz o porta-voz da Rede, Zé Gustavo.
A Executiva Nacional do partido diz que o resultado esteve dentro do esperado, já que não apelariam para quadros políticos já conhecidos do eleitorado, em busca de uma “nova forma” de fazer política. Mas, de acordo com cientistas políticos, a Rede enfrentou problemas justamente por falta das “raízes municipais” às quais o PSD recorreu.
Ainda que nenhum dos dois almeje um modelo ao estilo do PSD, está provado que há um caminho mais curto para vingar. O problema é que envolve certo fisiologismo político antigo de negociações, que a população tende a refutar. Esse recado só não chegou às urnas — por ora.