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Novo ensino médio pode inviabilizar ensino técnico, diz secretário de educação do Paraná

Em entrevista exclusiva à EXAME, Roni Miranda afirma que, com esse desenho, só restará ofertar cursos profissionais na área de gestão. 'É pouco para os estudantes', diz

Roni Miranda: Secretário tem o desafio de manter a educação do estado no topo (Leandro Fonseca/Exame)

Roni Miranda: Secretário tem o desafio de manter a educação do estado no topo (Leandro Fonseca/Exame)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 15 de novembro de 2023 às 09h04.

A proposta do novo ensino médio apresentada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em agosto pode cercear o ensino técnico. Quem afirma isso é o secretário de educação do Paraná, Roni Miranda, em entrevista exclusiva à EXAME.

O secretário diz que a proposta de retomar a carga horário mínima de 2.400 horas para todos os estudantes no ensino médio vai limitar a oferta de ensino técnico. "O artigo que define que a carga horária do ensino médio obrigatório de 2.400 horas para 2.100 horas inviabiliza a oferta de ensino profissional", afirma Miranda. "Com esse desenho, só vai me restar a oferta de curso profissional na área de gestão."

Miranda tem algum lugar de fala na questão: a rede estadual de ensino no Paraná deu um salto nos últimos anos e atingiu o topo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2021 no ensino médio, divulgado no ano passado. As escolas públicas do estado alcançaram a nota 4,6, ultrapassando Goiás e Espírito Santo. O índice subiu 0,2 pontos em relação ao Ideb 2019, divulgado em 2020, quando o Paraná estava em 3º, com 4,4.

Professor da rede estadual do Paraná desde 2003, o atual secretário foi diretor de escola, posição em que trabalhou por quatro anos, e gerente de educação básica na secretária de educação do Paraná a partir de 2020. Em 2023, com a ida de Renato Feder para a secretária de educação de São Paulo, Miranda foi convidado pelo governador Ratinho Jr. para assumir o cargo.

Na entrevista, além de falar sobre o novo ensino médio, Miranda detalhou os principais projetos da secretaria para manter a educação do estado entre as melhores do país, os planos das escolas cívicos militares no Paraná, os desafios da educação pública no Brasil e suas perspectivas para o futuro.

Veja a entrevista completa de Roni Miranda, secretário de educação do Paraná

Sobre o PL do novo ensino médio apresentado pelo MEC, qual a avaliação que o senhor faz? E qual a sua articulação com o ministério? 

Não posso reclamar [da abertura com o Ministério]. A minha relação, principalmente, com a secretária executiva Izolda Cela, que é muito boa, além de ter uma admiração gigante por ela por todo o trabalho que ela fez no Ceará. Tenho uma admiração por toda essa trajetória construída dentro da educação. É uma pessoa que tenho maior afinidade em trocar sobre educação. Porém, ela faz parte de um governo que tem várias correntes e pensa um pouco diferente de mim. 

Sobre o PL do ensino médio, sou convergente na maioria da redação, principalmente no ponto de aumentar a formação geral básica. Tem que ter mais aula de matemática, história, geografia, química e física, que são as disciplinas tradicionais. Mas, ao mesmo tempo, tem o cerceamento da educação profissional

Como assim?

O artigo que define que a carga horária do ensino médio obrigatório deve ser de 2.400 horas a 2.100 horas inviabiliza a oferta de ensino profissional. Com esse desenho, só vai me restar a oferta de curso profissional na área de gestão, que é logística e administração. É pouco para os estudantes. Por causa da carga horário obrigatória, não vou poder ofertar um curso de enfermagem, de desenvolvimento de sistemas, formação docente ou magistério. Um governo que se diz progressista, que está pelos mais pobres e carentes, quando cria essa trava está fechando portas. E a justificava é que para induzir a criação de escola integral. Não concordo com isso. É uma questão muito mais corporativista do que para atender o estudante de escola pública. Então, isso me causa bastante indignação. 

Mas qual seria o desenho ideal?

O ideal é que fosse flexível, conforme a caga horária de cada curso, que é desenhada pelo próprio MEC. Por exemplo, quando o curso técnico for de 1.200 horas, que a formação básica seja de 1.800 horas. Inclusive, escrevemos uma proposição de substituição desse artigo colocando que o mínimo que o estado deveria ofertar 1.800 horas na formação básica com cursos profissionais. Então, o próprio Presidente da República fala de cursos técnicos. Ele fala de uma coisa e faz outra, é estranho. Vamos atuar no Congresso para tentar mudar esse trecho.

E pela composição do Congresso é possível conseguir essa flexibilização...

Sim, porque todos são a favor. O ministro fala de educação profissional, assim como o presidente, mas chega no projeto e temos isso. Espero que, inclusive, isso tenha sido colocado para ser negociado no Congresso. Porque no Paraná nós temos hoje 77.000 alunos fazendo educação profissional. No ano que vem queremos chegar a 112.000 estudantes. Os próprios jovens disseram em uma consulta do MEC que querem fazer um curso técnico. Tenho conversado com vários deputados que defendem a bandeira da educação, como a Tabata Amaral, e vamos tentar uma reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Precisamos esperar também para saber quem será o relator.

Sobre a questão das escolas cívico-militares. O governo federal decidiu descontinuar o projeto e o Paraná decidiu seguir. Alguns especialistas questionam a efetividade pedagógica desse modelo. Como você é alguém bem técnico, queria entender o que baseou a decisão do Paraná, apesar da orientação do MEC? 

O Paraná é o estado com maior número de escolas cívico-militares do Brasil. São 206, 194 do programa estadual e 12 do governo federal. Decidimos manter porque deu resultado. Você olha e 84% das escolas militares melhoraram o seu Ideb. Além disso, tem uma grande aprovação da sociedade, os pais aprovam muito bem. Você vai me perguntar, isso vai dar resultado pedagógico diferente? Não, mas vai dar resultado na disciplina, porque esse é o grande diferencial em comparação com as escolas convencionais. É o foco, a organização o cumprimento de horários, é o estudante não ficar vagando pelo pátio da escola em horário de aula. É uma coisa tão simples, tão singela, mas que tem uma efetividade tão grande porque possibilita que o professor desenvolva o seu trabalho na sala sem precisar ficar chamando atenção de aluno.

Mas não é possível aplicar esse conceito de disciplina sem necessariamente ser uma escola militar? 

Um estudante só quer ser atendido. Ele quer ser ouvido, quer ser notado dentro da escola. Não quero que passe como se o estudante fosse um ser invisível dentro da sala de aula ou dentro da escola, e ninguém lembra seu nome, não sabe quem ele é. E é o que a cívico faz. O monitor militar chama pelo nome, o aluno tem o nome dele, ele se torna monitor de turma. No mínimo, ele vai ser representante da turma, vai falar diretamente com o coordenador pedagógico e o diretor. Então, ele se torna o protagonista do processo.

Não temos só escolas cívicos militares no Paraná. Temos um bom exemplo que são as integrais. Vamos chegar agora em janeiro do ano que vem em 400 escolas desse modelo, o maior salto da história de um estado desde 2019. Ela também tem em sua concepção alguns componentes para estimular a organização e disciplina do aluno. Tem a figura do jovem protagonista, onde o estudante estabelece a rotina, aprende a se organizar para receber orientação de um professor. Também criamos a sala temática, que é parecido com o modelo americano no qual o aluno vai até as salas. Diziam que não ia funcionar, que ia virar uma bagunça, mas se você falar com diretores e professores, vão te contar que foi um sucesso. O aluno agora tem um senso de organização, responsabilidade, comprometimento.

Na escola regular, também temos trabalhado para isso. Criamos a figura do aluno monitor, nós temos hoje quase 14.000. Ele ajuda os colegas em uma disciplina que tem mais facilidade. A gente dá um certificado de 40 horas por trimestre, e no ano fecha 120 horas. Ele vai usar um currículo dele, além de receber um ponto de bônus para ingressar no programa de intercâmbio de estudantes para outros países. São mil estudantes que vão para cinco países de língua inglesa. São alguns exemplos de outros estados que nos inspiramos, como é o caso de Pernambuco e Ceará. 

Vocês vão incorporar as 12 escolas que eram do programa federal? Terá novas escolas militares no estado? 

Vamos incorporar essas doze e temos um plano para ampliar. Mas para isso precisamos de policiais e bombeiros da reserva, estamos no processo seletivo. A ideia é chegar em mais 100 escolas mais ou menos até o começo do próximo ano.

Quais foram os principais projetos que você liderou na Secretaria de Educação do Paraná?

Liderei dois grandes projetos na secretária antes mesmo de assumir como secretário. O primeiro foi o de teoria pedagógica, que visava acompanhar a gestão escolar com foco em resultados. O projeto utiliza indicadores para avaliar o desempenho das escolas, e fornece orientações para os gestores escolares melhorarem os resultados. E outro foi o Presente na Escola, que tinha como objetivo reduzir a evasão escolar. Criamos mecanismos para que a escola fosse mais atrativa aos estudantes. Tivemos mais de 50 mil estudantes incluídos na rotina da escola.

O Paraná se destacou no último Ideb e tem o melhor ensino médio do Brasil. Como foi o trabalho de vocês durante a pandemia de covid-19? 

Quando as aulas presenciais foram suspensas em março de 2020, as pessoas que estavam colocando o projeto Aula Paraná, que iria oferecer aulas remotas para os alunos da rede estadual, de pé ficaram doentes e foram internadas. O secretário Renato me chamou e pediu para assumir a gestão do projeto.

Consegui montar toda parte pedagógica em apenas uma semana, depois a própria FGV e outros estados replicaram as nossas boas práticas. Fiz a concepção de como se fosse uma escola dentro do EAD. Tinha turmas, horário de aula, conteúdo e planejamento e coordenador pedagógico para acompanhar. Foram gravadas 37 por dia. Colocamos tudo de pé em duas semanas.

Criamos várias frentes, porque educação pública não pode se limitar em uma única frente, então abrimos cinco. Forma três canais de TV 24 horas, canal do Youtube, aplicativo para o estudante com isenção de dados e o Google Sala de Aula com todo o repositório de aula, além do material impresso para o estudante que não tinha acesso à internet.

Fizemos um acompanhamento para saber quais eram os estudantes que acessavam e quais exercícios respondeu, além do nível de acerto. Isso foi um grande diferencial. Porque a questão não era só produzir conteúdo, mas sim acompanhar e cobrar o estudante.

E quais foram os resultados do seu trabalho no enfrentamento da pandemia na Educação? 

Toda essa energia que tivemos para colocar o Aula Paraná de pé foi para que caiássemos o menos possível nos indicadores de educação. E foi o que aconteceu, tivemos queda de dois a três pontos, enquanto outros estados caíram 20 pontos. Então, mantivemos o nível de aprendizagem dos alunos em um patamar relativamente estável. A frequência dos alunos foi de 70%, e o material didático foi acessado por mais de 90% dos estudantes.

Esse é o principal mérito de todo esse trabalho, principalmente olhando para uma educação básica à distância. A criança e adolescente ainda está em fase de desenvolvimento e não tem maturidade organizacional de rotina de estudo e por isso que nesse processo o professor em sala de aula é fundamental nessa construção. Ficou evidente com a pandemia que o professor na educação básica é essencial.

Além disso, oferecemos apoio aos alunos e às famílias para que eles permanecessem na escola. Distribuímos alimentos e materiais escolares para as famílias, e disponibilizamos atendimento psicológico para os alunos.

A sua experiência como professor e diretor de escola faz diferença na gestão da secretaria? 

Principalmente a de diretor. Inclusive, acho que todos os gestores de secretarias municipais ou estaduais deveriam passar por essa fase de ser diretor de uma escola pública. Porque é um nível de aprendizado gigantesco pelo bombardeio de desafios que acontece, não uma vez por mês, mas todos os dias. Desde a ordem pedagógica, administrativa, gestão de conflitos, até o lado financeiro. Você faz uma gestão gigante. Eu me desenvolvi muito com essa prática.

Você entende que está fazendo uma gestão de continuidade de um trabalho que deu certo? Qual você quer que seja a sua marca na secretaria? 

Olha, fui eu que criei o material digital na pandemia, mas como o secretario era o Renato o crédito fica com ele [risos]. O que penso para o futuro é como posso ajudar o professor. Porque eles tem uma rotina muito intensa, muitas vezes trabalham em três ou quatro escolhas com várias turmas. São em média uns 300 estudantes nesse cenário para você corrigir prova, trabalho e etc. Então, a minha luta como secretário é sempre pensar como posso apoiar ainda mais o professor. Estamos oferecendo tecnologia, sistemas e material de uso em sala de aula para auxiliar o professor nesse processo, além de oferecer uma formação continuada.

E como é a articulação do senhor com a câmara legislativa do Paraná para aprovar projetos de interesse da pasta? 

Não sou um político. Nunca fui candidato de nada disso, mas fui chefe de regional que era tipo uma subsecretaria que você também se desenvolve na prática porque você começa interagir com alguns atores políticos, como vereadores, prefeitos e deputados, em um número menor que hoje. Consegui interagir bem e atender as demandas, além de conseguir dizer não de uma forma que as pessoas entendessem. 

Então, quando fui para secretaria, vi que os deputados são seres políticos, recebem votos e representam uma parcela da sociedade e muitas vezes cada um tem o seu segmento. Entendo que cada um tem sua representatividade. O que tento fazer no Paraná é congregar com esse pessoal. Conseguimos aprovar três projetos de lei sem muitos problemas neste ano.

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