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Análise: Nova temporada de "O Mecanismo" não poupa ninguém

Produção de José Padilha na Netflix transforma discurso adotado na primeira temporada e mostra descrença em todo o sistema brasileiro

O Mecanismo: organização da corrupção no Brasil é descrita como sistemica (Netflix/Reprodução)

O Mecanismo: organização da corrupção no Brasil é descrita como sistemica (Netflix/Reprodução)

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Clara Cerioni

Publicado em 18 de maio de 2019 às 08h00.

Última atualização em 18 de maio de 2019 às 08h00.

São Paulo — No ano passado, a primeira temporada da série "O Mecanismo", dirigida por José Padilha, se transformou em um símbolo do heroísmo da Operação Lava Jato para o Brasil, ao mesmo tempo em que foi acusada de distorcer os fatos e criar uma produção antipetista.

De lá para cá, muitos acontecimentos tomaram conta da política brasileira e a série chega em sua segunda temporada, que estreou na Netflix no último dia 17, com um tom completamente diferente. Dessa vez, a mensagem é clara: a política brasileira é irreparável, independente de quem a faz.

"Sempre deixei claro que o mecanismo são todos eles: PT, PMDB, PSDB. O mecanismo não tem ideologia. Entre as condições necessárias para alguém concorrer à Presidência da República no Brasil, está a participação no Mecanismo", comentou o diretor durante o lançamento da série, em março.

De fato, durante os oito novos capítulos, todos estão na mira do roteiro, desde os empreiteiros, os doleiros e, principalmente, os partidos, os políticos e os ministros do Supremo.

Isso fica claro na abertura da série, que ao som do samba de Bezerra da Silva "Reunião de Bacana", mais conhecido pelo refrão "se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão", há várias imagens dos mais diversos políticos que estiveram no poder no país desde a redemocratização.

Na primeira temporada, por exemplo, o juiz Paulo Rigo (referência ao ex-juiz da Lava Jato e hoje ministro do governo Bolsonaro, Sérgio Moro) foi retratado como o "herói" da nação. Nesta segunda parte ele é descrito como "vaidoso e cabeça dura".

Já o MDB, partido do vice-presidente Samuel Thames (alusão a Michel Temer), é elencado como o partido-base de toda a corrupção sistêmica no Brasil a partir de 1987, a volta da democracia pós o regime militar.

"O partido do vice é a base estrutural de todos os últimos governos, a quadrilha do vice-vampirão está na base de tudo, de todos os governos. É a sustentação de todos eles", diz Marco Ruffo, o delegado federal que começou toda a investigação da Lava Jato na série.

Apesar de ser baseada no livro "Lava Jato", de Vladimir Netto, a produção mistura ficção e realidade — o que ficou muito mais evidente nesta segunda parte, que traz inúmeras situações inventadas para garantir drama e agilidade à produção.

Por conta disso, algumas das expectativas para entender como funcionou, em ordem cronológica, toda a investigação no Brasil podem ser frustadas.

Na nova temporada, os primeiros cinco episódios mostram a relação das investigações com os empreiteiros e foca principalmente na obsessão da policial Verena Cardoni em prender o Ricardo Bretch (Marcelo Odebrecht, na vida real).

O roteiro mostra como o rumo das apurações deixaram a Miller & Bretch sem saída, com a única alternativa de fazer uma delação premiada para salvar a empresa.

Há, ainda, perseguição de doleiro no Paraguai, morte de agente da Polícia Federativa (referência à Polícia Federal), traição de casal dentro do Ministério Público, todos esses eventos que nunca foram à público pela Lava Jato verdadeira.

Depois, a partir do sexto episódio começam as negociações políticas para derrubar a presidente Janete Ruscov (alusão à ex-presidente Dilma Rousseff), que se transformam no núcleo central da narrativa.

Há diversas reuniões para organizar o impeachment entre ministros do Supremo, com o então presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Penha (Eduardo Cunha), Samuel Thamis (Michel Temer) e Lúcio Lemes (Aécio Neves), que só aparece bebendo whisky ou fazendo uso de cocaína.

A partir deste momento, a série começa a retratar o processo como um complô de políticos corruptos para tirar o PT do poder e, assim, frear a Lava Jato. Janete é retratada como uma vítima, que não cometeu crime de responsabilidade e se recusou a entrar no esquema de corrupção.

Já João Higino (Lula), que não aparece com frequência nesta temporada, ganha ares generosos. Há uma cena em que ele é levado coercitivamente para depor (o que de fato aconteceu) e se diz perseguido por causa dos avanços sociais alcançados em seu governo. Nessa hora, os investigadores ouvem calados.

Para responder às críticas dos espectadores, que consideraram a primeira temporada partidária, Padilha usa Ruffo como seu interlocutor: "O Brasil é muito estranho: se eu digo que um político de esquerda é um bandido, eu sou fascista. Se eu aponto um larápio safado da direita eu sou chamado de esquerda caviar".

Apostas para a 3ª temporada

Na última cena, durante a votação do impeachment, o roteiro acrescenta um personagem que pode ser o alvo da próxima temporada.

Seu nome ainda não foi revelado pelos roteiristas, mas ele diz: “perderam em 1964 e perderam agora”, diz o deputado ao votar. “Pelo Brasil acima de tudo, e por Deus acima de todos, o meu voto é sim", sem deixar dúvidas sobre quem ele é.

Além disso, há alguns sinais de que o papel de Rigo (Moro) pode ser mais explorado — com tons negativos. Na cena em que o juiz decide divulgar um grampo ilegal do ex-presidente Gino com a presidente Janete, a situação é descrita como "uma pitada de cinismo". "Eu não sei se um crime justifica o outro”, diz Ruffo sobre a situação.

Depois, ele aparece sorrindo ao ver a repercussão do caso, além de ficar contente com o resultado do impeachment. "O que eu sei é que o Rigo pôs os fins na frente dos meios e incendiou o país", segue Ruffo.

Por fim, quando a filha pergunta ao juiz se pretende entrar na política como dizem os críticos, Rigo se assusta e responde: “Não, filha. Nunca".

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