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Impeachment ajuda Brasil mas piora democracia, diz Cristovam

Em entrevista a EXAME.com, o senador Cristovam Buarque (PPS) sugere que caminho para o impeachment não tem volta

O senador Cristovam Buarque (PPS) ao anunciar desligamento do PDT, em fevereiro de 2016 (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

O senador Cristovam Buarque (PPS) ao anunciar desligamento do PDT, em fevereiro de 2016 (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 5 de maio de 2016 às 12h27.

São Paulo – Ex-ministro do governo Lula e ex-membro de um partido da base aliada da presidente Dilma Rousseff (PT), o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) ainda não decidiu se a petista deve ter seu mandato abreviado, mas admite que a abertura do julgamento do processo de impeachment contra a presidente no Senado é mais do que necessária.

Em entrevista a EXAME.com, ele afirma que a continuidade do governo Dilma até 2018 é insustentável. Mas pondera que, hoje, o impedimento do mandato pode fragilizar a democracia. 

"Um dos grandes problemas do Congresso vai ser como, depois de tudo isso, dizer que a Dilma é uma grande presidente, que vamos ficar mais dois anos com ela só porque a pedalada aconteceu no meio do ano e não no final. O povo não vai entender", afirmou.

No mês passado, junto com outros senadores, Cristovam apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pedindo a antecipação do pleito presidencial para este ano. Segundo ele, apenas as urnas uniriam novamente a população brasileira que hoje está rachada em torno de seitas políticas.

Cristovam Buarque foi governador do Distrito Federal entre 1995 e 1998. Foi ministro da Educação durante o início do governo Lula. Em 2006, disputou as eleições presidenciais e arrematou 2% dos votos no primeiro turno. Senador desde 2010, faz parte da comissão especial de impeachment. Na semana passada, ele entrou para a lista de possíveis ministros em um eventual governo Temer - ele nega que irá aceitar qualquer convite. 

Veja, a seguir, trechos da entrevista que ele concedeu por telefone para EXAME.com na última terça-feira - um dia antes da apresentação do relatório da comissão de impeachment. 

EXAME.com: O texto da PEC sobre a antecipação das eleições presidenciais advoga que o impeachment não solucionará os problemas do país. A convocação de um novo pleito vai resolver alguma coisa de fato?

Cristovam Buarque: As urnas unem o povo. Nós fizemos manifestações positivas que dividiram o Brasil em dois lados. O governo Lula mais a Dilma são governos que tendem a dividir a população: a ideia de vocês e nós, pobres e ricos.

Se houver um impeachment e o Temer assumir, esta será a principal tarefa dele ao lado da estabilidade monetária: fazer com que adversários voltem a apertar as mãos.

Além disso, qualquer dos dois [Dilma Rousseff ou Michel Temer] terá falta de credibilidade plena. Uma eleição direta daria credibilidade e legitimidade plena a um novo governo: mesmo quem não vota nele tende a apoiar nos primeiros dias.

Essa divisão do país não vem de hoje. Desde as eleições de 2014, foi possível perceber tal polarização. Antecipar a eleição não agravaria mais isso?

Até o dia das eleições. Mas é uma disputa eleitoral muito mais tranquila do que o que nós vivemos hoje. Durante um processo eleitoral, você discorda, mas ninguém chama o outro de golpista, ninguém chama o outro de traidor. Você chama o outro de adversário. Eu acho que tenderia à uma radicalização de debate, mas não de agressões. Passada a eleição, tende a haver um acomodamento.

Por que isso não ocorreu com Dilma?

Por duas razões. Primeiro porque ela já estava havia quatro anos no governo, na verdade, a Dilma já estava havia12 anos. Aliás, esse foi o grande erro do Lula, que não percebeu a importância da alternância no poder. Segundo, no dia seguinte à eleição, ela traiu o que dizia na campanha. Ela chegou se desgastando.

Nem Dilma nem Temer: para senador, só as urnas uniriam novamente o Brasil (REUTERS/Ueslei Marcelino)

Alguns juristas – entre eles, o próprio ministro Gilmar Mendes (STF) - afirmam que a proposta é inconstitucional. Quais são seus argumentos contra essa tese?

Por isso mesmo a gente está propondo uma reforma da Constituição. Se, além do artigo que convoca, for preciso mudar o artigo que define que não pode haver eleição no ano da mudança, que se mude isso também.

Quando há uma crise muito séria, surgem soluções diferentes das normais. Quem tem que encontrar uma saída anormal somos nós, políticos civis, para que não sejam os militares.

Há uma expectativa de que a presidente Dilma apoie publicamente a proposta. Se assim fizer, como fica a situação de Temer?

Ele vai ter que pensar se apoia ou não. Se não apoiar, eu não vejo como superarmos o problema. Neste caso específico, é preciso um grande entendimento nacional. Se a Dilma e o Temer não quiserem, mesmo que a gente faça a reforma, ela dificilmente teria validade porque eles poderiam entrar na Justiça alegando que é cláusula pétrea que mantém o mandato deles.

Eu defendo que seria uma solução melhor do que o impeachment, mas sinceramente acho muito difícil que a gente consiga.

Quando há uma crise muito séria, surgem soluções diferentes das normais. Quem tem que encontrar uma saída anormal somos nós, políticos civis, para que não sejam os militares. Cristovam Buarque Em dezembro, o senhor apresentou uma PEC propondo a instituição do recall – em que as assinaturas de 5% dos eleitores pedindo pela abreviação de um mandato de cargo eletivo seriam suficientes para abrir uma consulta popular sobre a continuidade ou não de um político no cargo. Por que, na sua opinião, essa proposta é melhor do que o impeachment?

Ela é feita dentro da normalidade. É um impeachment em que quem vota é o povo e não o parlamentar. Segundo, já é uma coisa prevista sem a necessidade desse sofrimento que estamos fazendo em comissões, debates e procura de provas e crime.

Veja bem, um presidente que não tem a confiança de dois terços dos parlamentares levará o Brasil para situações muito difíceis. O Brasil fica ingovernável. Eu tenho defendido que, mesmo no presidencialismo, quando dois terços dos parlamentares se unem contra o presidente, a gente tem que fazer o impeachment mesmo sem crime por falta de base de apoio.

O que é melhor para o Brasil no longo prazo é a presidente Dilma ser substituída. Mas, hoje, o melhor para consolidar a democracia é não ter impeachment. Cristovam Buarque Na prática, a impressão que se tem, no processo atual, é exatamente essa: não importa tanto se é crime de responsabilidade ou não. O que importa é que hoje a presidente Dilma não tem apoio político. O senhor concorda com essa visão?

Só se fizer alguma mudança nela. Deixa eu lhe dizer qual. Dilma está sofrendo isso porque cometeu não um, não dois, não três, mas muitos crimes que não são previstos na Constituição como razão para impeachment.

Ela cometeu crime de fazer uma eleição mentindo para a opinião pública, mas aparentemente a Constituição acha que isso faz parte do jogo eleitoral. Ela cometeu atos de grande irresponsabilidade na administração da economia brasileira. Isso foi corroendo o apoio popular. Aí, a população foi para rua. Junta-se a isso a Lava Jato. Tudo isso criou caldo de que o governo precisava parar.

Qual o efeito de um impeachment para uma democracia jovem como a brasileira?

Parar um governo em um regime presidencialista é coisa muito séria. Gera um efeito pedagógico negativo na população e no eleitor. O Brasil vai ser, provavelmente, um recordista de impeachment: em cada quatro presidentes, dois sofrem impeachment desde a redemocratização para cá. Isso gera uma sensação no eleitor de “não tem problema escolher alguém ruim” porque podemos tirar no meio do mandato. Isso é péssimo.

Mas a sua proposta de instituir o recall prevê exatamente isso ...

O recall prevê sabendo que o povo vai participar disso. O problema maior do impeachment hoje que [faz com que] as pessoas o chamem de golpe é o peçonhento Eduardo Cunha. Se ele não fosse o presidente [da Câmara] não tinha esse clima de que é golpe. Ainda menos: se não fossem os parlamentares que estivessem pedindo isso, se fosse o povo ...

Onde o Brasil errou como democracia?

Vão dizer que sou maníaco, mas foi não ter feito a educação como deveria. Nosso erro foi não fazer as reformas de que o Brasil precisa. Todas as reformas, mas sobretudo não ter feito a reforma educacional que garantisse ao Brasil ser um país educado. Para mim, esse é o grande problema.

Como isso se reflete na crise política?

Se reflete no processo eleitoral lá atrás em que 70% da população não tem uma base educacional, não lê o jornal todos os dias, não acompanha o noticiário com cuidado, e vai votar de uma maneira menos rigorosa. Em que a população por falta de educação tem grandes dificuldades de ter um bom emprego que gere uma boa renda e que tende a ficar dependente do que os políticos oferecem, por exemplo.

O senhor tem afirmado que a admissibilidade do processo de impeachment no Senado é certa  ...

É certa e necessária. A população brasileira tem o direito de querer saber se houve realmente crime ou não, tem o direito de avaliar o governo Dilma. Isso só será possível com um processo.

O que Temer deveria priorizar durante o período em que terá para governar o país caso o processo contra a presidente Dilma seja aberto no Senado?

O mais urgente é fazer a economia voltar a funcionar, [conquistar a] credibilidade da Presidência que ele não tem, e, finalmente, alguns gestos que tentem diminuir a radicalização que o Brasil está sofrendo. Eu acho que o Temer deveria lançar uma campanha “Aperte a mão do seu adversário”.

Na sexta, o senhor disse que, até aquele momento, não estava convencido de que a presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade. Depois de três sessões na Comissão [a entrevista foi feita na manhã do dia 3], o senhor já chegou a alguma conclusão?

Sinceramente, não deu. Porque são coisas muito sutis. Para mim o mais grave, que não está claro, é se as contas devem ser analisadas anualmente ou a cada três meses. Mas não dá para votar só nisso.

Um dos grandes problemas do Congresso vai ser como, depois de tudo isso, dizer que a Dilma é uma grande presidente, que vamos ficar mais dois anos com ela só porque a pedalada aconteceu no meio do ano e não no final. O povo não vai entender.

Por isso, eu continuo dizendo: votarei sim pela admissibilidade para continuar esse debate, essa avaliação do governo. Mas não sei ainda como vou votar no mérito.

Janaína Paschoal em sessão de comissão especial: senador ainda não decidiu se Dilma cometeu crime de responsabilidade (Agência Brasil)

Nos últimos dias, o senhor tem sido alvo de protestos pró e contra impeachment – e chegou a ser chamado de traidor por movimentos favoráveis ao governo. A pressão das ruas vai influenciar seu voto?

Ficarei frustrado comigo mesmo se na hora de votar eu pensar nisso. Eu não vou pensar no que é melhor para o eleitor ou para meus amigos.

No meu caso, por exemplo, os eleitores de Brasília querem impeachment – 80% deles. Das pessoas próximas a mim, professores universitários e alunos da universidade, eles não estão querendo o impeachment.

Não vou pensar nem no primeiro, nem no segundo, nem mesmo se vou perder amizade ou não. Nem mesmo vou pensar se os historiadores vão fazer um artigo me criticando ou não. Eu vou pensar no que é melhor para o Brasil.

O que é melhor para o Brasil?

O que é melhor para o Brasil no longo prazo, não tenho a menor dúvida, é a presidente Dilma ser substituída. Se ela ficar mais dois anos e meio vai comprometer o futuro do Brasil lá adiante.

Mas, hoje, o melhor para consolidar a democracia, para a população aprender como votar, para fazer uma pedagogia do processo eleitoral é não ter impeachment.

Às vezes, eu tenho inveja das pessoas que têm uma simplicidade do pensar tão grande que decidem fácil.

Supondo que o Congresso aprovasse a PEC que antecipa as eleições presidenciais, o senhor se candidataria?

Não me candidataria. Neste processo, eu não sei se a Dilma vai sofrer impeachment, mas muitos políticos estão sofrendo. Eu acho que sou um deles. Essa contradição entre o eleitor e minha base faz com que eu pense em não ser candidato nem a senador mais.

Entramos em um processo político de seitas. Hoje, nós temos uma seita ao redor do PT e uma seita anti-PT. Eu não consigo me encontrar em seitas. Eu tenho dúvidas se serei candidato em 2018, mas eu tenho certeza que não serei agora se vier.

E aceitaria um ministério em um eventual governo Temer?

Não serei ministro de um governo Temer. Como você quer um ministério de um governo que no fim saiu de uma decisão minha? Se fosse um voto meu entre 120 milhões, mas é um voto meu entre 81. 

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