Mulheres assassinadas: é essencial garantir a funcionalidade das políticas públicas de proteção às mulheres (NurPhoto / Contributor/Getty Images)
Clara Cerioni
Publicado em 8 de junho de 2019 às 08h00.
Última atualização em 8 de junho de 2019 às 08h00.
São Paulo — Entre 2007 e 2017, 619 mil brasileiros e brasileiras foram vítimas de homicídios de acordo com a nova edição do Atlas da Violência, divulgada nesta semana.
Os homens foram as maiores vítimas, representando 91,8% de todos os casos, enquanto as mulheres representaram apenas 8% dos assassinatos. Os 0,2% restantes não tiveram gênero identificado no registro da morte.
No entanto, o perfil dos assassinatos femininos mostra que elas estão particularmente vulneráveis a serem mortas dentro das suas próprias casas.
Ao longo da década, 39,2% dos assassinatos femininos foram praticados em domicílio, contra 15,9% dos masculinos. O maior local de morte dos homens (68,2%) é em ruas ou estradas.
Segundo o Atlas da Violência, produzido com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, ainda que não seja possível fazer uma conclusão definitiva, os dados indicam que há "grandes chandes de se relacionarem com casos de feminicídio".
Como a Lei do Feminicídio (nº 13.104) é de 2015, não há registros comparáveis sobre homicídios motivados pelo fato da vítima ser mulher. Contudo, o Atlas nota que "há reconhecimento na literatura internacional de que a significativa maioria das mortes violentas intencionais que ocorrem dentro das residências são perpetradas por conhecidos ou íntimos das vítimas".
A diferença entre as mortes violentas de homens e mulheres não se dá apenas pelo local, mas também em relação às armas usadas. Apesar de a arma de fogo ser utilizada com maior frequência nos assassinatos, os registros femininos apresentam taxas proporcionais mais elevadas de enforcamento, objeto cortante e objeto contundente.
O entendimento do perfil da violência feminina ajuda a garantir que as políticas públicas voltadas para a proteção dessa população sejam efetivas.
"A maior parte das políticas de segurança ficam restritas a regiões metropolitanas e capitais, desprotegendo as mulheres vítimas em regiões mais afastadas", explica Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que participou da formulação do Atlas.
A especialista alerta, ainda, que não se deve negligenciar a participação das armas de fogo nos homicídios das mulheres brasileiras e que a flexibilização da posse e do porte de armas, encaminhada pelo governo Bolsonaro, pode impactar os números nos próximos anos.
Em janeiro deste ano, em entrevista a EXAME, Maria da Penha, vítima de dupla tentativa de feminicídio nos anos 70, afirmou que há décadas luta contra a presença de armas de fogo em casa, porque sabe o potencial ofensivo do armamento. "A mulher não vai se beneficiar diretamente da arma, ela só está lutando pela sua vida", afirmou.
No ano retrasado, foram registradas treze mortes femininas por dia no país, totalizando 4.936 vítimas. O número foi o maior registrado desde 2007, na mesma tendência de alta dos números masculinos.
Também como no caso dos homens, há uma diferença racial ampla. Em 2017, a taxa de homicídios de mulheres não negras foi de 3,2 a cada 100 mil mulheres deste grupo, ao passo que entre as mulheres negras a taxa foi de 5,6 para cada 100 mil mulheres do grupo.