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Mensalão: chegou a vez da compra de votos

Supremo Tribunal Federal começa a julgar nesta segunda-feira o objeto principal da denúncia do mensalão. Quatro partidos estarão na mira

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 16 de setembro de 2012 às 11h32.

Era tarde de terça-feira, 14 de junho de 2005, sob os holofotes de toda a imprensa nacional, quando o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) entrou no Congresso Nacional escoltado por dois advogados, arrastando uma mala vermelha com rodinhas, recheada de papéis que, segundo ele, derrubariam a República. Em seis horas e 35 minutos de depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, ele listou pela primeira vez os nomes dos parlamentares que venderam votos ao governo Lula, a elite do esquema que ficaria eternizado como mensalão.

Presidente do extinto PL (hoje PR), o deputado federal Valdemar Costa Neto (SP), um dos cabeças da base parlamentar do governo montada - hoje, sabe-se como - por José Dirceu, insurgiu-se contra Jefferson, dedo em riste, com ares de desespero e ira. “Nós no PL só temos bons deputados. Diga o nome de quem recebe. Caso o PL tenha parlamentares envolvidos, quero que o senhor dê o nome, para nós investigarmos",afirmou. O discurso desmoronou em segundos. Jefferson olhou fixamente para o desafeto e fuzilou: "Eu afirmo que Vossa Excelência recebe".

O deputado do ex-PL era um dos nomes de uma lista que o petebista havia apontado minutos antes: Bispo Rodrigues (PL-RJ), Sandro Mabel (PL-GO) - não é réu na ação penal -, Pedro Corrêa (PP-PE), José Janene (PP-PR) - morreu em 2010 - e Pedro Henry (PP-MT). “Não são todos os deputados que recebem mensalão. Mas deputado Valdemar Costa Neto, deputado José Janene, Pedro Corrêa, Sandro Mabel, Bispo Rodrigues, Pedro Henry, me perdoem, de coração, não posso ser cúmplice de vocês", disse. O Congresso entrou em alvoroço. E o governo Lula, em convulsão.

Depois de 23 sessões de julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciará nesta segunda-feira uma etapa crucial do julgamento do mensalão. É o capítulo mais longo do voto do relator, Joaquim Barbosa, e também um dos mais importantes: chegou a vez da compra de parlamentares no governo Lula. O roteiro do voto de Barbosa começa pelos partidos que vitaminaram a base, PTB, PMDB, PL (agora PR) e PP. Em seguida, será a vez do próprio PT, até chegar à aquele que, segundo a Procuradoria-Geral da República, chefiava a quadrilha: José Dirceu.

Condenações

O STF já condenou João Paulo Cunha por ter fraudado uma licitação na Câmara em favorecimento a Marcos Valério de Souza, o "carequinha", operador do esquema. Valério foi considerado culpado por ter integrado um engenhoso sistema de lavagem de dinheiro. Condenou ex-dirigentes do Banco Rural e do Banco do Brasil por repasses dissimulados ao esquema.

Só agora, entretanto, o julgamento se voltará ao centro da denúncia, o motivo pelo qual o mensalão constituiu a maior ameaça às instituições democráticas desde a redemocratização do país: a negociação de apoio político no Congresso Nacional.


A primeira fase do julgamento não foi dos melhores para os réus. A confirmação do Supremo de que o grupo criminoso se valeu de empréstimos fraudulentos e usou um ardiloso esquema de lavagem de dinheiro ameaça os mensaleiros. Ao atestar que crimes deram início à liberação de dinheiro a parlamentares e confirmar que houve intenção em dissimular a origem e os reais beneficiários do esquema, os ministros colocam os acusados do PP, PMDB, PR e PTB à beira do cadafalso da condenação por corrupção passiva.

Os magistrados foram taxativos ao atestar que não importa o destino que cada parlamentar deu aos recursos desviados. Chegaram a afirmar que, mesmo se a propina tivesse sido destinada à caridade, ainda assim haveria o crime de corrupção.

Com esse entendimento e sob a condução de Joaquim Barbosa, devem ser anunciadas nesta semana as primeiras condenações de deputados e ex-deputados que traíram seu eleitorado e se corromperam no exercício parlamentar. A tese da compra de votos para a aprovação de projetos de interesse do Palácio do Planalto é a base da denúncia do Ministério Público contra o maior escândalo político da Era Lula.

Negacionismo

A sequência de condenações (dez até agora) tirou o ânimo de mensaleiros e calou os negacionistas porque, ao que tudo indica, os principais pilares da acusação serão aceitos pelo Supremo ainda que petistas e defesa tentem desmentir os fatos. Na semana passada, um trecho da fala do ministro José Dias Toffoli, ex-advogado de petistas, surpreendeu até mesmo seus colegas da corte: "A denúncia conseguiu comprovar o valerioduto. Aquilo que a imprensa chamou de mensalão são cenas que assistiremos no próximo capitulo".

Dos mensaleiros enquadrados nesse trecho da denúncia, dois têm mandato na Câmara: Pedro Henry e Valdemar Costa Neto. Alguns refizeram a trajetória política fora do Congresso: José Borba, na época do PMDB (hoje no PP), virou prefeito do município de Jandaia do Sul, no Paraná. Roberto Jefferson, impedido de concorrer a cargos públicos por ter sido cassado pela Câmara, faz política por meio da presidência do PTB.

Teses

Ao todo, 23 réus entre políticos, parlamentares e ex-funcionários de partidos começarão a ser julgados por corrupção e lavagem de dinheiro. Os chefes do chamado núcleo político – José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares – também terão suas teses de defesa colocadas pela primeira vez à prova no julgamento da ação penal do mensalão. Neste capítulo de análise da denúncia, os ministros do STF devem confirmar que, para serem condenados por corrupção, não é preciso que a ação, alvo do achaque, tenha sequer sido completada.

Para os réus serem apenados no Supremo, o plenário também deve atestar que os parlamentares lavaram os recursos do valerioduto ao simular que o dinheiro serviria para a quitação de despesas eleitorais. A corte tende a confirmar não ser preciso nem que o processo de lavagem se complete ou que a propina seja incorporada ao patrimônio de cada um.

Ao analisar as acusações de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo políticos, o Supremo terá a oportunidade de ratificar as palavras ditas por Roberto Jefferson naquela tarde de 2005, que ecoam até hoje pelos corredores do Congresso. "Tudo o que eu disse aqui é de conhecimento do ministro José Dirceu. Tudo!".

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