Redação Exame
Publicado em 14 de novembro de 2025 às 10h30.
Última atualização em 14 de novembro de 2025 às 15h19.
A Corte Superior de Londres decidiu nesta sexta-feira, 14, que a mineradora BHP é legalmente responsável pelo colapso da barragem de Fundão, ocorrido em 2015 em Mariana, Minas Gerais.
A estrutura era operada pela joint venture Samarco, formada por BHP e Vale. O desastre, considerado o pior da história ambiental do Brasil, deixou 19 mortos, milhares de desalojados e contaminou toda a extensão do Rio Doce.
A ação coletiva no Reino Unido foi movida por centenas de milhares de brasileiros, cerca de 2.000 empresas e dezenas de governos locais. Segundo os advogados dos demandantes, o valor da causa pode chegar a 36 bilhões de libras, cerca de R$ 230 bilhões
Em nota enviada à EXAME, a BHP informou que pretende recorrer da decisão da corte britânica e reforçou o compromisso da BHP Brasil com o processo de reparação no Brasil e com a implementação do Novo Acordo do Rio Doce.
Na nota, a empresa destacou que, junto à Vale e à Samarco, segue empenhada na execução do acordo firmado em outubro de 2024, que destinou R$ 170 bilhões para ações de compensação e reparação em curso no país.
A BHP afirmou ainda que mais de 610 mil pessoas já foram indenizadas, incluindo cerca de 240 mil autores da ação no Reino Unido que firmaram acordos de quitação total, reconhecidos pela própria corte britânica.
Para a companhia, esse reconhecimento deve reduzir de forma significativa o tamanho e o valor da ação coletiva em Londres. A BHP reiterou que continuará sua defesa no processo britânico, acreditando que as medidas adotadas no Brasil representam o caminho mais eficaz para a reparação integral das pessoas atingidas e do meio ambiente.
Uma nova fase do julgamento, para apurar o valor de eventuais indenizações, está prevista para começar em outubro de 2026.
O julgamento da BHP pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), tramita em Londres exclusivamente por razões jurídicas relacionadas à estrutura da empresa no momento do colapso, em 2015.
A BHP possuía, à época, uma de suas principais entidades jurídicas sediada no Reino Unido e era listada na Bolsa de Valores de Londres.
Essa presença societária permitiu que os atingidos recorressem ao sistema judicial britânico, uma vez que a legislação do país autoriza ações coletivas contra companhias registradas em seu território, mesmo quando o dano ocorre no exterior.
O foro inglês também foi aceito porque os autores — mais de 600 mil reclamantes — argumentaram que o acesso à Justiça seria mais efetivo no Reino Unido, dada a dimensão e a complexidade do caso.
No Brasil, em 2024, as mineradoras e o poder público fecharam o acordo para a reparação dos danos causados pelo desastre, no valor de R$ 170 bilhões.
Do total de recursos, R$ 100 milhões serão repassados para a União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, além dos municípios afetados pelos rejeitos. O dinheiro deverá ser aplicado em programas ambientais e de transferência de renda.
O restante deverá ser aplicado na recuperação de áreas degradadas, reassentamento de comunidades e no pagamento de indenizações às famílias atingida.
Thomas Goodhead, advogado e autor da tese que levou o caso de Mariana à corte inglesa, soltou uma nota à imprensa sobre o caso:
NOTA À IMPRENSA
Corte de Londres condena BHP pelo caso de Mariana
Hoje é um dia histórico para as vítimas de Mariana, para a responsabilização de empresas mineradoras em todo o mundo e para o Judiciário. Há oito anos, após frustradas tentativas de conseguir a reparação devida às vítimas do crime ocorrido em 2015, decidi levar o caso da responsabilização da BHP e da Vale para fora do Brasil, já que uma das empresas responsáveis pelo crime é anglo-australiana e poderia responder por seus atos frente à Justiça da Inglaterra, justamente como forma de garantir uma indenização justa às vítimas e uma punição exemplar às empresas.
Com a decisão de hoje, as mineradoras agora vão ter que começar a pagar pelo que sempre fizeram: destruir a vida das comunidades locais e seguir em frente até a próxima “tragédia”. Agora, no caso de Mariana, fica claro que não haverá impunidade.
Esse caso abre um precedente internacional e vai balizar outras ações semelhantes que já estão em curso – como outras com que ingressei, como o caso de Brumadinho, que corre na Alemanha, e o de Alagoas, que tramita na Justiça da Holanda – ou que venham a existir em futuros crimes ambientais e contra populações locais provocados por ações ilegais de grandes empresas mineradoras.
O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, matou 19 pessoas e destruiu oito de cada dez edificações em Bento Rodrigues. A vida de toda uma comunidade foi transformada, para pior. Rejeitos percorreram, pelo Rio Doce, cerca de 600 km até alcançar o mar, no Espírito Santo. Nesse caminho, impactou a vida de mais de 600 mil pessoas, que integram nossa ação julgada hoje, na Inglaterra.
O resultado de hoje significa que, pela primeira vez, a BHP foi considerada culpada pela Justiça pelo colapso da barragem de Fundão. Mesmo agora, mais de dez anos depois, ninguém foi condenado em uma corte criminal, e isso torna a decisão de hoje sobre responsabilidade ainda mais importante. A decisão também abre a possibilidade para que centenas de milhares de pessoas avancem na busca por uma compensação justa por suas perdas. Como autor da tese, estou extremamente orgulhoso por ter lutado nesse caso durante oito anos em nome das vítimas — e os resultados começam a aparecer.
Trata-se, é claro, de um marco na história do Direito Ambiental do planeta. Multinacionais se aproveitam de um mercado globalizado para maximizar lucros, mas devem também ser responsabilizadas de forma global – sobretudo quando não encontram a devida reparação no país do crime, como foi o caso de Mariana. Como autor da tese de processar a BHP e a Vale na Inglaterra, fizemos um trabalho árduo de garantir às vítimas o amplo acesso à Justiça, o que nesse caso incluiu a corte britânica, que tem mecanismos de indenização coletiva avançados. A decisão de hoje é um passo relevante para fazer Justiça às vítimas e mostra a efetividade da litigância transnacional.