Infectologista critica abertura de shoppings: "Desconheço a razão técnica"
Reabertura teve filas de dobrar esquina e aglomeração; integrantes do comitê científico da prefeitura consideraram precipitada a medida de relaxamento
Agência O Globo
Publicado em 12 de junho de 2020 às 07h42.
Última atualização em 12 de junho de 2020 às 14h39.
Meia hora antes da reabertura dos shoppings da cidade — autorizados pelo prefeito Marcelo Crivella a voltar a funcionar depois de 90 dias fechados —, já havia aglomerações diante de alguns deles, nesta quinta-feira pela manhã. No entorno do Botafogo Praia Shopping, do Tijuca Shopping e do Madureira Shopping, filas dobravam esquinas.
Os centros comerciais ficaram abertos do meio-dia às 20h, e, à noite, a Secretaria estadual de Saúde divulgou um boletim no qual contabilizou 225 mortes por coronavírus em 24 horas, o maior número em cinco dias. O Rio de Janeiro chegou à marca de 7.363 óbitos por Covid-19, com 75.775 casos confirmados da doença.
As últimas medidas de relaxamento da prefeitura — a reabertura dos shoppings e a liberação dos camelôs — foram consideradas precipitadas por dois médicos que integram o comitê científico do município, formado para o enfrentamento da pandemia. Em entrevista ao “RJ TV”, da Rede Globo, o infectologista Celso Ramos Filho, da UFRJ, disse ter ficado surpreso com essas decisões, tomadas durante uma reunião da qual não participou.
— Desconheço a razão técnica pela qual estamos abrindo shoppings em comemoração ao Dia dos Namorados — afirmou Ramos, lembrando que o município do Rio ainda tem uma taxa alta de ocupação de leitos (89%).
O virologista Amilcar Tanuri, também da UFRJ, disse que a superlotação dos transportes é o que mais o preocupa, porém destacou que também não aconselhou ao município permitir a reabertura dos shoppings.
Cuidados na entrada
Na reabertura, cuidados foram tomados pelas administrações dos centros comerciais. Ao meio-dia em ponto, apenas a porta principal do Botafogo Praia Shopping foi aberta. Com máscaras, seguranças controlavam o acesso e só permitiam a entrada de pessoas que tinham a temperatura verificada. Além disso, todas eram orientadas a passar álcool em gel nas mãos.
Mesmo dizendo ser contrário à reabertura, o pensionista José Veiga, de 58 anos, ficou quase 15 minutos na fila para poder fazer compras no shopping de Botafogo:
— Acho que shopping é lazer, bem-estar, conforto e segurança. Vim, mas entendo que não é o momento adequado para a reabertura. Estamos em uma situação crítica, o número de casos de coronavírus vem aumentando. Mas, quando os shoppings reabrem, ficamos tentados a ir às compras.
Do lado de fora, vendo a aglomeração que se formou na porta do shopping, a tradutora Maria Almeida, de 75 anos, lamentava a decisão da prefeitura:
— Não é o momento de abrir shopping. De terça para quarta-feira, mais de mil pessoas morreram no país.
No Tijuca Shopping e no Madureira Shopping, também houve aglomeração nas entradas. Para acessar o Madureira Shopping, clientes tinham a temperatura medida por funcionários. Na Estrada do Portela, apesar da proibição, lojas de roupas funcionavam normalmente enquanto a fila para o centro comercial dobrava duas esquinas.
Ainda na Zona Norte, no Nova América, em Del Castilho, os clientes foram recebidos por funcionários equipados com máscaras, termômetros e macacões especiais. Na entrada, os consumidores passavam por um tapete de limpeza dos calçados e higienizavam as mãos.
Para a médica Gulnar Azevedo, professora de epidemiologia da Uerj e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a decisão de Crivella de autorizar a reabertura dos shoppings é “muito arriscada” e pode intensificar a circulação pelas ruas da cidade, aumentando o número de casos da Covid-19:
— Não era o momento de fazer isso. Para liberar, precisávamos ter mais estabilidade, a segurança de que a curva está caindo. Há necessidade de um amplo planejamento. Ônibus, metrô e trens estão capacitados para um aumento de passageiros agora?
Como no Rio, São Paulo reabriu nesta quinta seus shoppings, e vários ficaram lotados. Lojas de celulares foram as mais procuradas. Clientes também enfrentaram filas nas portas dos estabelecimentos.
Na Ponte Rio-Niterói, a concessionária Ecoponte registrou, às 18h, congestionamento no sentido Niterói. A travessia chegou a durar 44 minutos — sem trânsito, não costuma passar de 13.