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Gleisi, do PT: a crise não é nossa culpa

A senadora falou a EXAME Hoje sobre a crise econômica, o futuro do PT, e também sobre corrupção

GLEISI HOFFMANN: “Quem fez superávit primário por 10 anos consecutivos não pode ser acusado de deixar rombo nas finanças” / Divulgação

GLEISI HOFFMANN: “Quem fez superávit primário por 10 anos consecutivos não pode ser acusado de deixar rombo nas finanças” / Divulgação

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 15 de março de 2017 às 16h21.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h17.

Grave crise de imagem, rachas internos no Congresso e acachapante derrota nas eleições municipais de 2016. Restou ao Partido dos Trabalhadores tentar se manter como protagonista da oposição. A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) foi escolhida para liderar o embate com o governo de Michel Temer.

Enquanto algumas alas tentam reconhecer erros cometidos durante o tempo de governo, como a do ex-líder Humberto Costa (PT-PE), Gleisi defende intensificar a receita econômica heterodoxa do partido: estimular o crédito para movimentar a economia e fazer o país voltar a crescer. Claro: com Lula na presidência.

A senadora falou a EXAME Hoje sobre a crise econômica, o futuro do PT, e também sobre corrupção – ela é ré na Lava-Jato por suspeitas de ter recebido de forma ilegal, junto com seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, 1 milhão de reais para a campanha ao Senado em 2010 vindos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.

A senhora assume o partido em um momento delicado, em que se discute renovação e há um racha nas bancadas da Câmara e Senado. Por que quis assumir a liderança agora?
O racha interno do PT é histórico, vem desde a década de 1980. Milito no partido desde 1989 e nunca vi uma harmonia total e plena. Sempre tivemos tendências diferentes e muito debate. Mas não temos dúvida sobre o projeto de nação que queremos, com desenvolvimento inclusivo e justiça social. Passamos por um momento muito difícil de desgaste em razão de termos sido governo por tantos anos e das denúncias [de corrupção]. Mas isso não quer dizer que o partido está desestruturado. Quem aposta no fim do PT não vai ficar feliz. Somos o maior partido de esquerda da América Latina, temos enraizamento social, conhecemos o Brasil. Estamos renovando as direções, então é natural que haja disputa entre os que têm posições mais ou menos radicais. O momento propicia esse debate e isso se reflete dentro das bancadas do Congresso. Deputados e senadores têm suas tendências partidárias. Passada a eleição municipal, em que se definiu um pouco melhor o tamanho de cada tendência, teremos mais equilíbrio e melhor clima interno daqui para frente.

É um momento mais difícil de encontrar o consenso tendo em vista o que o PT passou de desgaste e tendo que se recompor para o ano que vem?
Não vejo dificuldade a mais. Já passamos por momentos piores internamente. O ataque político que está sendo feito ao PT, uma tentativa de criminalizar e desconstruir a sigla, acabou unificado ações dentro do partido, independente da corrente. Está trazendo para dentro a visão de que é preciso ter resistência e união.

Mas dá para ter consenso daqui em diante?
Consenso é uma coisa difícil, não só no PT, mas em qualquer organização humana. Temos mediações e tiramos posições da maioria. Penso que as pautas que teremos que enfrentar daqui para frente são unificadoras do partido. A reforma da Previdência, a trabalhista e a terceirização vêm contra o pensamento do eleitorado que representamos e contra o projeto de país que construímos. Isso nos dá unidade de ação.

Para reverter o resultado eleitoral que o PT teve, de redução bastante drástica da presença nos municípios, há algum plano?
Passamos por desgaste muito grande, então é natural que a reconstrução não seja tão rápida. Mas vai acontecer. As pessoas estão vendo a realidade depois da saída de Dilma. Primeiro, prometeram que os problemas estariam resolvidos e que a economia, como num passe de mágica, voltaria a crescer. Já se vão alguns meses e a perspectiva de melhora vai ficando para trás. Segundo, desgastaram o PT com as denúncias de corrupção, como se os problemas nessas áreas tivessem nascido com o partido. Agora, todos os partidos aparecem em situações até mais graves do que as que envolveram o PT. Então, quem foi para as ruas de verde e amarelo achando que, ao tirar a Dilma, acabaria com a corrupção descobriu que Temer está rodeado de pessoas mais envolvidas que os petistas em qualquer ação ilícita. As pessoas estão menos radicais em relação à cobrança com o PT. E as propostas que surgiram do governo, do pessoal que tomou o poder, são impopulares e afetam a população mais pobre do país. Ver que as pessoas estão questionando isso não basta para o PT, mas nos dá oportunidade de interlocução com a sociedade e de mostrar quais as nossas propostas para sair da crise econômica medonha que vivemos.

Há um programa nesse sentido? Percebe-se nos discursos do PT uma isenção, como se suas políticas não tivessem sido responsáveis por causar a maior recessão da história.
Por partes: o PT não causou o problema. Não deixamos um rombo nas contas. Quem fez superávit primário por 10 anos consecutivos, derrubando juros, economizando e reduzindo a relação dívida/PIB não pode ser acusado de deixar rombo nas finanças. Tivemos um problema conjuntural da economia mundial, somados a erros cometidos no último ano do governo Dilma, em 2015, sob Joaquim Levy [então ministro da Fazenda]. Tínhamos uma crise e, em vez de colocar uma proposta para manter a economia brasileira com perspectiva de crescimento, as medidas adotadas ajudaram a levar a economia para o chão, como corte de despesas, restrição de gastos, mudanças em programas sociais, paralisação de investimentos. Temer entrou e aprofundou a política de Levy ao máximo. Tirou dinheiro de circulação da economia. Se famílias não gastam, as empresas não gastam. Quando empresas estão sem dinheiro e não querem investir, quem tem que entrar gastando é o Estado. Foi o que o Lula fez em 2008 e 2009. No final de março ou início de abril, as bancadas do PT no Senado e na Câmara vão apresentar à sociedade um plano emergencial para saída da crise.

O que estará no documento?
Uma das ideias é seguir a lógica de 2008 e 2009. Tem que pôr dinheiro em circulação. Não pode deixar um país com 12 milhões de desempregados com um modelo de seguro-desemprego igual ao da época de pleno emprego. Tem que aumentar as parcelas, o valor, não pode cortar Bolsa Família em período de crise. Tem que estender benefícios, dar aumento real de salário mínimo.

O cenário econômico é bem diferente daquela época. De onde tirar o dinheiro para isso?
Uma saída é formar fundos. Vamos apresentar uma maneira. E não há nenhum problema em ter uma variação positiva da sua dívida para recuperar a economia e, depois do crescimento, voltar com a arrecadação. Sem crescimento, não arrecada. Sem arrecadação, fica com déficit. O que vivemos é um círculo vicioso. Nas propostas, não ficaremos restritos ao consumo. Vamos estruturar uma política de crédito para a nossa indústria. O BNDES, com 100 bilhões de reais em caixa, não estabelece uma política de fomento. Devolveram recursos para o tesouro no fim de 2016. Quem gera emprego é a indústria nacional.

Essas medidas não caem novamente na crítica de gastos excessivos e irresponsabilidade fiscal?
Temos um problema conjuntural, que por 10 anos consecutivos não tivemos. De 2003 a 2014, não tivemos problema com déficits fiscais ou previdenciários. O que temos agora é uma situação de economia no chão, recessão econômica. Temos que fazer gastos para a economia girar e arrecadar mais. Quando a crise internacional nos atingiu, em vez de fazer o que deveríamos, fizemos o contrário.

Alguns quadros do partido falam que este é um momento de reconhecer de erros do PT, rever os conceitos e trazer uma nova narrativa para 2018. Reinserir uma política de crédito e emplacar Lula como candidato à Presidência não é a negação disso?
O Lula simboliza o melhor momento da economia e de desenvolvimento social que o pais já teve. As pesquisas dizem. Bate-se no Lula todos os dias, colocando-o como inimigo número um da moralidade brasileira. Tentam destruir sua pessoa. Mas a população lhe dá 31% das intenções de voto [no cenário de primeiro turno na pesquisa estimulada CNT/MDA de fevereiro]. Não sou eu que digo. O Lula é maior que o PT. O povo quer Lula de volta, mesmo em um quadro de destruição do partido. Nenhuma outra liderança surgiu a não ser o Bolsonaro, que tem 12% e muito nos assusta com os posicionamentos que tem. O Brasil quer ter o Bolsonaro? De outros quadros da política, ninguém surgiu com essa força. 

Durante a eleição da Mesa Diretora do Senado, se tornou público um embate entre senadores do PT, que discutiam entre o “não-diálogo” com o governo ou a manutenção de portas abertas para ser mais ativo politicamente na Casa. O segundo grupo era maioria, e a senhora estava no primeiro. Dá para manter controle da bancada sendo da parte minoritária?
A bancada não queria composição na Mesa, só fomos minoria na discussão sobre fechar questão. Mas sãoáguas passadas. A bancada tem se reunido e tem visão clara de seu papel aqui dentro — que é um papel de oposição forte, sendo o canal de movimentos sociais no Congresso. Nossa postura será de resistência ao desmonte à Constituição Federal e aos direitos conquistados.

O que esperar do Congresso Nacional do PT, que acontece em junho? Haverá mudanças de direção na atuação do partido?
É um momento importante, onde começamos um processo de recuperação. Serão debatidos a conjuntura política, o futuro de médio prazo do partido e a forma como trabalharemos no Brasil. Também falaremos sobre como recuperar nossa imagem, como resgatar a esperança que a população colocou no PT e como se reafirmar como partido de esquerda. O Congresso servirá de palco para debate das ideias, dos próximos passos e desafios que teremos para chegar a esse objetivo.

A senhora teme a partidarização de seu julgamento no Supremo [por suspeitas de ter recebido de forma ilegal, junto com seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, 1 milhão de reais para a campanha ao Senado em 2010], por conta da nomeação de Alexandre de Moraes, que pertencia ao PSDB?
Deixei muito claras as minhas posições na sabatina. Fiz uma série de perguntas sobre tópicos que nos incomodavam, não pelo meu caso apenas, mas por uma série de circunstâncias. Moraes vai julgar o recurso do impeachment, e foi opositor ferrenho de Dilma. Vai ocupar cadeira no Tribunal Superior Eleitoral. Como vai se portar nesses casos? Consideramos que ele é alguém muito envolvido partidariamente. Mas perdemos esse debate.

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