Imagem postada por filho de Bolsonaro no Instagram pode ter ferido a lei?
Vereador postou nos stories de Instagram uma imagem de simulação de tortura com frase alusiva aos pais de LGBTs
João Pedro Caleiro
Publicado em 28 de setembro de 2018 às 20h52.
Última atualização em 14 de fevereiro de 2019 às 11h09.
São Paulo – Na tarde da última quarta-feira (26), Carlos Bolsonaro , vereador pelo Rio de Janeiro e filho do candidato à Presidência, Jair Bolsonaro (PSL), postou uma foto no stories da sua conta de Instagram.
Stories são imagens que duram apenas 24 horas e somem automaticamente se não forem destacadas; Carlos tem 544 mil seguidores na rede social.
A imagem em questão mostra um homem branco, com manchas vermelhas no corpo, um saco plástico na cabeça, expressão de dor e #elenão escrito no seu corpo; é o grito de ordem da oposição à candidatura de Bolsonaro.
A imagem havia sido publicada originalmente por outro perfil, como uma manifestação artística de protesto ao candidato.
"Novamente inventam como se eu tivesse divulgado uma foto dizendo que quem escreve a hashtag #elenao mereceria alguma maldade. Não, canalhas! Foi apenas a replicação da foto de alguém que considera isso uma arte. Me agradeçam por divulgar e não mintam como sempre", escreveu Carlos no Facebook.
No entanto, a foto não apenas reproduziu a imagem original e sim uma versão, inicialmente publicada pelo grupo@direitapvh, coma inclusão da frase: “sobre pais que choram no chuveiro”.
Ela é usada em ambientes virtuais como uma alusão a pais com vergonha de filhos LGBT; segundo Carlos, "é relativa a vergonha que um pai deve sentir ao ver um filho postar uma merda de imagem dessas e achar que é arte ou o que é pior, relacionar com a imagem do candidato".
EXAME enviou e-mail para o gabinete de Carlos e não obteve resposta até a conclusão desta publicação.
Lei
O código penal brasileiro trata da incitação ao crime (Artigo 286: Incitar, publicamente, a prática de crime) e da apologia ao crime (Artigo 287: Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime). Ambos têm pena de detenção de três a seis meses ou multa, e prescrevem em 3 anos.
Em tese, qualquer pessoa pode fazer uma denúncia ao Ministério Público, que então julgaria se há elementos para seguir com o processo. Parlamentares de oposição já acionaram o vereador na Comissão de Ética da Câmara do Rio sob acusação de apologia à tortura.
EXAME procurou advogados criminalistas e da área de direitos humanos para saber se o compartilhamento da imagem poderia ser enquadrado no código penal.
"A divulgação de uma imagem nitidamente atribuída à tortura e ligando com as pessoas que estão protestando contra ele me parece uma apologia de um crime", opina Rafael Custódio, coordenador de violência institucional da Conectas, organização de defesa dos direitos humanos.
O advogado criminalista José Roberto Coelho discorda: "Para ser crime tem que fazer apologia e incentivo de um fato criminoso, e o fato da foto não é criminoso, é uma representação artística. Não vejo a inclusão da frase como de relevância penal. É muito mal gosto, mas não crime de jeito nenhum".
Todos apontam a dificuldade que é, no direito, equilibrar princípios muitas vezes conflitantes. Para Hugo Leonardo, vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), enquadrar a foto como apologia não seria censura pois o contexto aponta uma diferença com a expressão artística original.
"O contexto importa porque é também com base no contexto que você vai conseguir examinar a informação que se quis passar", aponta.
Histórico
A associação entre tortura e a família Bolsonaro é antiga. Em entrevista à rádio Jovem Pan em junho de 2016, o candidato à Presidência disse que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”.
No impeachment, ele dedicou seu voto à “memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”. Ustra liderou o DOI-Codi, um órgão de repressão política, e é reconhecido pela Justiça brasileira como torturador.
"Não me parece razoável e nem saudável discutir a possibilidade de legitimar a prática de tortura. É tratado como uma opção política e argumentativa, mas é um crime violentíssimo e que não pode ser tratado como uma política a ser debatida", diz Hugo Leonardo.
Advogados apontam que apesar da agressividade das declarações, elas causaram menos risco jurídico pois não se referiam a um fato específico; em última análise, Bolsonaro poderia alegar estar se referindo a outros aspectos da pessoa pública de Ustra, por exemplo.
"Se eu falar genericamente a favor da sonegação fiscal, eu não estou cometendo instigação ao crime. Se eu der um tutorial de como sonegar, aí sim", diz o advogado criminalista Gustavo Turbiani.
Imunidade parlamentar
Outro aspecto é o da imunidade parlamentar. Além de foro privilegiado, o representante eleito tem certas prerrogativas que garantem sua atuação.
"No exercício do mandato, ele tem de certa forma uma liberdade ainda maior. Enxergar criminalização em alguém eleito democraticamente pode ser danoso, é questão de pesar princípios", diz Coelho.
Outros especialistas apontam que mesmo a imunidade está ligada ao exercício da função, tem limites e não pode ser usada como subterfúgio para discursos de ódio.
"Imunidade parlamentar não é um cheque em branco para cometer crimes", diz Rafael Custódio, coordenador de violência institucional da Conectas, organização de defesa dos direitos humanos. "Na minha avaliação, o Judiciário e o MP tem sido lenientes com esse tipo de postura".
A questão vai além do âmbito jurídico: apesar de ter mantido a liderança nas últimas pesquisas, Bolsonaro precisa diminuir sua rejeição, a maior entre todos os candidatos e proibitiva entre o eleitorado feminino, para ter chance em um eventual segundo turno.
Mensagens de eleitores na postagem de Flávio destacam que o foco em questões como esta neste estágio da campanha pode ser contraproducente.
“A base dele está mobilizada e [a foto] não deve subtrair eleitores, mas é mais um evento em contexto de uma campanha negativa forte contra ele. A somatória tende a ter um impacto, mais no segundo do que no primeiro turno”, escreve Christopher Garman, diretor para as Américas da consultoria Eurasia.