Andrade Gutierrez: ao todo, a empresa venceu três lotes da Norte-Sul em 2004 e outros dois em 2007, além de ter vencido um lote da Leste-Oeste (Divulgação/Eletronuclear)
Estadão Conteúdo
Publicado em 18 de outubro de 2016 às 18h23.
São Paulo - Em delação premiada, o ex-presidente da área de Construção da Andrade Gutierrez Rogério Nora de Sá relatou novos detalhes do esquema de corrupção envolvendo as principais obras ferroviárias do País, a Ferrovia Norte-Sul e a Interligação Leste-Oeste.
Já investigadas pela Procuradoria da República em Goiás, as obras tinham um acerto, segundo o delator, de cerca de 5% do valor dos contratos em propinas ao ex-presidente da Valec, João Francisco das Neves, conhecido como Juquinha, ao PR e ao ex-deputado Valdemar Costa Neto.
Além de confirmar o cartel das empreiteiras nas obras, revelado pelas investigações da Procuradoria da República em Goiás em conjunto com a Polícia Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o delator revelou, pela primeira vez, qual o partido político que teria se beneficiado do esquema na estatal de transportes ferroviários.
Atualmente, Juquinha já responde a uma ação penal na Justiça Federal de Goiás acusado de receber R$ 2,24 milhões em propinas para beneficiar empreiteiras nas obras da Valec.
"Que logo após a publicação do edital (das obras da Norte-Sul em 2004), a Andrade Gutierrez e outras empresas iniciaram as tratativas para se cartelizar; que segundo Rodrigo Lopes (executivo da Andrade que atuava nas obras da Valec) a Valec era controlada pelo PR, o qual também tinha ascendência muito grande sobre o Ministério dos Transportes", disse Rogério em sua delação.
Nomes do PR ocupam a pasta dos Transportes desde o primeiro mandato do ex-presidente Lula (2003-2010), passando pelos governos Dilma Rousseff e até hoje, no governo Michel Temer (PMDB), o titular dos Transportes, Maurício Quintella, pertence à sigla.
Em sua delação, Rogério Nora não citou valores, nem detalhou como era repassada a propina, o que segundo ele era função de outros executivos subordinados a ele na empresa. O delator, contudo, confirmou que todos os acertos de propina foram autorizados por ele, tanto nas obras da Norte-Sul, quanto nas da Ligação Leste-Oeste que a Andrade participou e que o ex-deputado federal Valdemar Costa Neto foi um dos nomes do PR que teria se beneficiado do esquema.
Ao todo, a Andrade venceu três lotes da Norte-Sul em 2004 e outros dois em 2007, além de ter vencido um lote da Leste-Oeste.
Condenado a sete anos e dez meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão, Costa Neto foi beneficiado no ano passado com um indulto natalino decretado pela então presidente Dilma Rousseff e teve sua pena perdoada. Atualmente ele está em liberdade.
Investigações
Investigadas desde 2009, as irregularidades nas obras das ferrovias Norte-Sul e Leste Oeste renderam, somente neste ano, duas operações policiais (O Recebedor e Tabela Periódica) que já identificaram a atuação de um cartel de 37 empreiteiras no setor de 2000 a 2010. Somente no Estado de Goiás, foram identificados prejuízos de ao menos R$ 630 milhões, segundo a Procuradoria da República.
Até o momento, a investigação utilizou um acordo de leniência da Camargo Corrêa firmado graças aos desdobramentos da Lava Jato, para avançar nas apurações. Os depoimentos da Andrade, que também confirmou a existência do esquema ilícito, ainda não foram utilizados nas operações deflagradas até hoje contra o esquema na Valec e poderão embasar ainda novas investigações e denúncias contra eventuais suspeitos.
Deflagrada em fevereiro, com apoio da leniência da Camargo Corrêa, a Operação O Recebedor já deu origem a uma ação penal contra Juquinha e outros sete réus acusados de participar do esquema. A ação tramita na Justiça Federal em Goiás e pede que eles devolvam R$ 237 milhões que teriam sido superfaturados somente em um dos trechos das ferrovias Norte-Sul e Leste-Oeste que passam por Goiás. Ao todo, as duas obras passam por dez Estados.
Defesa
Desde que as operações foram deflagradas, a Valec reitera que os crimes ocorreram na gestão anterior (Juquinha comandou a estatal até 2011) e que instaurou uma Comissão interna para apurar as irregularidades e colaborar com as investigações. A reportagem tentou contato com a defesa de Juquinha, mas os advogados não foram localizados.
"A direção nacional do Partido da República e o ex-deputado Valdemar Costa Neto, como é do conhecimento público, adotam a norma de não comentar conteúdos submetidos ao exame do Poder Judiciário brasileiro", afirmou, em nota, o PR.