O relato de uma família que adotou uma criança com microcefalia
Karen conta a história de como adotou Moisés, o bebê com microcefalia que foi encontrado em uma caixa de sapato
Adoção de crianças com deficiência: para 66% dos brasileiros essa realidade não existe (Nacho Doce/Reuters)
Valéria Bretas
Publicado em 19 de junho de 2017 às 06h00.
Última atualização em 19 de junho de 2017 às 17h12.
São Paulo – Para 66% das pessoas que estão na lista de espera para adotar uma criança no Brasil, ter um filho adotivo com doença ou deficiência está fora de cogitação.
A dona de casa Karen Isler, de 29 anos, faz parte do grupo que não responde a essa estatística.
Em 2010, ela e o marido, Alessandro Isler, que já tinham uma menina de quatro anos, decidiram adotar um bebê de quatro meses com microcefalia, que fora abandonado ainda recém-nascido dentro de uma caixa de sapato em uma rua no Rio de Janeiro (RJ) e, posteriormente, rejeitado pela primeira família adotiva assim que a deficiência foi diagnosticada.
“Assim que me mostraram a primeira foto dele, eu senti como se eu estivesse grávida e acabasse de descobrir que eu teria um filho com necessidades especiais. A partir daquele momento não consegui fingir que ele não existia, ele já era meu”, afirma Karen em relato a EXAME.com.
De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), para cada menor de idade disponível para adoção, há quase oito famílias pretendentes. Mesmo assim, essa fila está longe de ser zerada por que, na maioria dos casos, o perfil de criança não se encaixa naquele desejado por quem pretende adotar um filho.
Veja o relato de Karen a EXAME.com:
No início, por medo, o meu marido foi contra.
O nosso primeiro contato com o Moisés foi por meio de fotos. Nas duas imagens que recebemos ele estava sorrindo, e foi com aquele sorriso que ele encorajou o meu marido. Foi um momento muito especial. Nós choramos muito e o Alessandro me disse em seguida: "Ele é o nosso filho e nós vamos buscá-lo".
O casal que estava com o Moisés morava na cidade do Rio de Janeiro e nós, em Rio Claro, no interior de São Paulo. Uma semana depois, na madrugada do dia 16 de novembro de 2010, nós saímos de Rio Claro e percorremos mais de 550 quilômetros até o Rio.
Quando chegamos na sala da assistente social, o Moisés já estava no colo da profissional. Nos aproximamos e ele começou a pular e sorrir muito, foi uma mistura de alegria com um toque de "será que nós vamos dar conta?" — foi mágico.
Saímos daquela sala já com a guarda dele.
Nas oito horas de viagem até a nossa casa, nós tivemos que parar o carro várias vezes. Ele chorava desesperadamente e eu não sabia o que fazer. Ele ainda não nos reconhecia como pais e passou mais ou menos dez dias chorando até se acostumar. Foi um processo de adaptação bem estressante para ele e para todos nós.
Desde o início, a relação dele com a nossa outra filha, a Kariely, que estava para completar seus quatro anos de idade, foi muito boa. Além de ficar encantada com o irmãozinho, ela não o via como deficiente e ajudava nos cuidados dele.
Moisés era super esperto e se desenvolveu praticamente como um bebê normal. Até o primeiro ano de vida.
Quando ele completou um ano começaram as crises convulsivas - eram mais de 50 por dia. Mesmo tratando com anticonvulsivos, o desenvolvimento dele estacionou ali. Hoje, com quase 7 anos, ele tem a idade mental de uma criança de um ano.
Há seis meses, descobrimos uma dieta alimentar que tem potencial para ajudar no tratamento da epilepsia. Fisicamente, o Moisés já apresentou algumas melhoras.
A nossa despesa especial com o Moisés inclui 200 fraldas geriátricas, plano de saúde e duas latas de um suplemento especial que, juntas, custam 600 reais.
Ele é uma criança cheia de vida e potencial, e vai se desenvolver.
Depois do Moisés eu ainda tive mais dois filhos: Josué, que hoje tem dois anos, e o Izaac, de dez meses.
Foi ele [Moisés] que ensinou o Josué a falar sua primeira palavra: gol. E foi Josué que ensinou Moisés a chutar uma bola. Eles vão crescer, e tenho certeza que sempre vão se apoiar uns nos outros, especialmente no Moisés.
Eu e o Alessandro estudamos muito para ajudar a descobrir novos tratamentos para o nosso filho, e incluímos em nossa rotina um programa de estímulos para praticarmos com ele. Estou cheia de esperanças.
Karen Isler, dona de casa e mãe de uma criança adotiva portadora de microcefalia
Da esquerda para a direita: Karieli, Alessandro, Moisés, Karen, Josué e o pequeno Izaac (Karen Isler/Divulgação)