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Em meio a resistências, governo avança na 'despolitização' da PRF

Escolha de novo diretor-geral gerou temores, mas mudanças administrativas vêm sendo bem recebidas pelo efetivo da corporação

A Polícia Rodoviária Federal  (PRF) determinou aos caminhoneiros que estão parados no acostamento da BR-040, em frente à Refinaria Duque de Caxias (Reduc), que retirem os caminhões. (Vladimir Platonow/Agência Brasil)

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) determinou aos caminhoneiros que estão parados no acostamento da BR-040, em frente à Refinaria Duque de Caxias (Reduc), que retirem os caminhões. (Vladimir Platonow/Agência Brasil)

AB

Agência Brasil

Publicado em 31 de janeiro de 2023 às 09h34.

Transformada em uma espécie de “menina dos olhos” do ex-presidente, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) vem passando por um processo de “desbolsonarização” que inclui mudanças estruturais, com o objetivo de devolver o foco da corporação às atividades-fim, e decisões administrativas simbólicas, como o veto a um uniforme camuflado criado na gestão passada. O governo Lula, porém, também enfrenta resistências entre os agentes, que começaram já na definição do novo diretor-geral, Antônio Fernando Oliveira.

De acordo com a Constituição, a PRF “destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais”. A partir de uma série de decretos publicados com Jair Bolsonaro no poder, no entanto, o órgão passou a dar apoio regular às polícias estaduais, inclusive atuando em vias urbanas e favelas, ampliando seu leque de atribuições. A estratégia levou a corporação a tomar partido em ações polêmicas, como um confronto com suspeitas de execução que resultou em 26 suspeitos mortos em Minas Gerais, numa operação da PM-MG para combater o chamado “novo cangaço”, em outubro de 2021, e uma incursão na Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio, onde — mais uma vez ao lado da PM local — o saldo foi de 23 óbitos, entre eles o de uma manicure sem qualquer relação com a criminalidade.

Um mês depois da ação na Vila Cruzeiro, realizada em maio do ano passado, o policial rodoviário federal Alexandre Carlos de Souza e Silva, responsável por coordenar 26 agentes e oito blindados da corporação na ocasião, recebeu uma promoção: ele deixou a chefia do Comando de Operações Especiais (COE) fluminense e assumiu como superintendente do órgão no Rio de Janeiro, posto do qual foi exonerado no início do ano. Embora já existissem anteriormente, os COEs mudaram de nome durante o governo Bolsonaro e passaram a simbolizar a guinada da PRF a partir da criação de cinco versões regionais — Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte —, subordinadas diretamente ao comando do órgão e de caráter operacional, com pronto-emprego de agentes. Essas tropas contavam com uniformes próprios, viaturas em cores diferentes e até veículos blindados, enquanto a maior parte da frota já soma mais de cem mil quilômetros rodados e encontra-se com manutenção defasada.

Não por acaso, uma das primeiras medidas do novo governo mirou exatamente esta estrutura, com a extinção dos COEs regionais. A promessa é remanejar o efetivo para as unidades estaduais da PRF, devolvendo-o ao patrulhamento de rodovias. A decisão desagradou agentes lotados nestes grupos, em geral alinhados à mudança de perfil perpetuada nos últimos anos, mas foi bem recebida por grande parte da corporação.

— O que acontecia é que, com esse desvio de finalidade de PRF subir morro, a maioria dos agentes acabava se sentindo abandonada nas rodovias. Há locais em que dois únicos policiais são obrigados a cobrir sozinhos um trecho de 200 quilômetros. Então, esse recuo acaba sendo visto com bons olhos, pela expectativa de repor o déficit na atividade-fim — afirmou ao GLOBO um policial rodoviário federal graduado que já ocupou posições de chefia.

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A militarização da PRF passou até mesmo pela criação de um uniforme similar ao das Forças Armadas e das tropas de elite das polícias estaduais. O traje “tático camuflado” foi autorizado por uma portaria de fevereiro do ano passado. Uma circular emitida em 13 de janeiro, porém, sepultou o item, determinando o uso do uniforme padrão azul marinho, exceto para agentes motociclistas ou aerotáticos, que têm vestimentas específicas pela natureza da função. A medida foi recebida com gracejos em um grupo fechado com cerca de mil agentes ativos e aposentados no Telegram: “Uniforme camuflado? Não tem selva na beira de rodovia”, brincou um PRF, atraindo risadas dos colegas.

Críticas em carta

Em outro grupo fechado no Telegram, este com mais de quatro mil membros, uma carta aberta que passou a circular no início do ano dá o tom do incômodo dos membros da corporação com o alastramento irrestrito do bolsonarismo. Assinado nominalmente por 150 agentes em atividade, além de 35 aposentados, o documento endereçado a Flávio Dino, ministro da Justiça, e entregue em 12 de janeiro, conta com representantes de 25 dos 26 estados e do Distrito Federal — a exceção é Roraima.

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O texto de 13 páginas elenca feitos positivos da corporação no passado e frisa que, “por todo esse histórico, a Polícia Rodoviária não merece que tenha sobre ela uma visão estigmatizada por eventuais ações ilegais de pessoas que fazem parte dos seus quadros, as quais devem, comprovando-se essas ilegalidades, ser responsabilizadas na forma da lei”. A mensagem prossegue: “Todos sabemos que a PRF é uma instituição de Estado e não de governo, todavia, ao que parece, alguns poucos deixaram que seus interesses pessoais sobressaíssem em detrimento de toda uma categoria”.

Mais à frente, a carta pondera que “as determinações dos superiores com aparência de legalidade, mas na realidade eivadas de segundas intenções, quando não cumpridas, são suscetíveis de punições e até mesmo de perseguições”. “Nos sentimos muito envergonhados e humilhados em determinadas situações, principalmente, por atitudes isoladas de alguns servidores e de alguns gestores da mais alta cúpula da PRF”, acrescentam os signatários.

“Essa vergonha se misturou com revolta quando gestores explicitaram abertamente sua preferência político-partidária em época de eleição, colocando toda a categoria em ‘xeque’ por conta de suas ambições pessoais”, continua o documento. O texto faz menção clara, embora sem citá-lo, a Silvinei Vasques, ex-diretor-geral que pediu votos para Bolsonaro no segundo turno e comandou bloqueios em rodovias que afetaram a circulação de eleitores sobretudo no Nordeste, região que concentrou a votação de Lula. A operação foi vetada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e levou o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF) a apurarem a conduta da PRF na ocasião.

“Em praticamente todo o tempo do governo anterior a entrega dos serviços à sociedade pela PRF foi utilizada como ativo político”, critica a carta dos agentes, que pontua ainda que “o uso publicitário das nossas entregas pelo então governo federal foi totalmente maléfico para a PRF e seus servidores”. Para ilustrar a suposta resistência dos agentes a Bolsonaro, o documento traz enquetes que diz terem sido realizadas junto a integrantes da corporação e mostram Lula com mais intenções de voto do que o ex-presidente entre os PRFs antes do primeiro e do segundo turno.

Resistência ao novo diretor-geral

A objeção ao bolsonarismo, contudo, não significa caminho livre para Lula. Embora faça parte dos quadros da Polícia Rodoviária Federal desde 1994, Antônio Fernando Oliveira passou sete anos longe da corporação, cedido ao Detran do Maranhão durante os dois governos de Flávio Dino, hoje titular do ministério ao qual a PRF está subordinada. Petistas viram o distanciamento como saudável diante do viés ideológico que vigorou nas últimas gestões, mas o período afastado acabou embasando questionamentos à escolha por Oliveira, apontado como pouco afeito aos problemas atuais do órgão.

Somou-se a isso a preferência dos agentes por Edmar Camata, que chegou a ser anunciado por Dino para o posto. Contudo, notícias sobre o apoio dado por ele à Operação Lava-Jato no passado, com direito a elogios públicos ao ex-juiz Sergio Moro, levaram a um recuo estratégico, e Dino acabou optando pelo homem de confiança e amigo de longa data — Oliveira também atuou como assessor parlamentar do chefe quando ele foi deputado federal, entre 2007 e 2011.

Uma das primeiras medidas da gestão reforçou a sensação de que Oliveira teria pouca familiaridade com o dia a dia da PRF. Ao trocar os superintendentes regionais da PRF em todos os estados e no Distrito Federal, a única exceção ficou por conta de Paulo Fernando Nunes Moreno, do Piauí — justamente um nome com participação ativa nos bloqueios no segundo turno. Ele acabou destituído no dia seguinte.

Nos grupos fechados, surgiu ainda entre os agentes o temor de que a chegada do novo diretor-geral, autodeclarado “lulista convicto”, trouxesse a reboque um problema similar ao anterior, mas de sinal oposto. Uma foto do inspetor fumando charuto e de boné à la Fidel Castro virou piada de imediato: “Polícia cidadã”, ironiza uma figurinha com a imagem, amplamente compartilhada

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