Eleições 2020: Salvador tem disputa paralela por "axé-jingle"
Os jingles que caem no gosto do povo nem sempre têm efeito na urna, mas pode ajudar o candidato a se tornar conhecido do público
Estadão Conteúdo
Publicado em 17 de outubro de 2020 às 18h37.
Uma disputa paralela ocorre na eleição em Salvador: a dos jingles com potencial para virarem hit e, quem sabe, até se tornar um “clássico”. Na propaganda eleitoral de rádio e TV, os preferidos são em ritmo de pagode, reggae e axé, com coreografias para “grudar” nome e número de candidatos na cabeça do eleitor.
Ritmo, letra e escolha do intérprete pesam na peleja. Não é à toa que cantores famosos como Leo Santana e outros que fazem sucesso nos “guetos” da capital, como A Dama do Pagode, Bambam King e Dennes Caffé foram contratados por campanhas de boa parte dos candidatos para interpretar jingles.
O publicitário João Dude, marqueteiro da campanha da Major Denice (PT) e um dos autores do jingle da candidata, disse que, em Salvador, o componente musical de uma campanha tem importância grande. Em Salvador, a musicalidade é aflorada demais. Nosso povo é musical e gosta, se engaja, dança. Aí vira torcida. As pessoas gostam de tocar, curtir e dançar a música e abrir o fundo do carro, colocar no paredão. É cultural da nossa cidade ter essa disputa dos jingles”, afirmou.
O “pagodão” é o ritmo predominante dos jingles de cinco concorrentes, entre eles o de Bruno Reis (DEM), candidato do prefeito ACM Neto (DEM). O jingle interpretado por Leo Santana diz: “Neto aprovou / O povo curtiu / Bora que embalou / Bora que pegou pressão / Bora nessa levada / Bora com Bruno / Não para não”.
O jingle de Major Denice mistura pagode com outros ritmos. “Quem nasce no gueto / Não esquece os irmãos / Major Denice na missão / Quem cuida de gente / É quem tem vocação / Major Denice na missão / Mulher no comando / Botando pressão / Major Denice na missão.”
Em seu jingle-pagode, o candidato Pastor Sargento Isidório (Avante) assume seu lado “doido” e é ele mesmo quem interpreta a música. “70, 70, é o doido, é o povo / 70, 70, o povo e o doido / 70, 70, é agora, vamos lá / Tá na hora, Isidório, pra Salvador melhorar”. A letra, segundo o candidato, foi composta por seu filho.
Olívia Santana (PCdoB) e Bacelar (Pode) também entram na disputa com pagoladas. Ambos interpretados pelo vocalista Bambam King. O pagode de Olívia, ativista do movimento negro, começa com uma espécie de rap para seguir com o pagode.
A letra difunde a ideia de que a cidade está boa somente para quem mora nos bairros da orla. E o refrão é para ‘quebrar’: “Salvador é uma só / pro povo viver melhor / Olívia vem aê / Vem aê / Olívia vem aê / pra trabalhar, para construir / pra trabalhar sem excluir / Olívia vem aê”.
No mesmo estilo é o jingle de Bacelar: “Comunidade, tá colado com a gente / Trabalhador, tá colado com a gente / Periferia, tá colado com a gente / A juventude, tá colado com a gente / 19 Bacelar, Salvador diferente”.
Já o candidato Rodrigo Pereira, do PCO, fora dessa disputa “paralela”, disse que não grava jingle porque “despolitiza o debate”.
Os jingles que caem no gosto do povo nem sempre têm efeito na urna, mas pode ajudar o candidato a se tornar conhecido do público. O candidato do PSOL à prefeitura, Hilton Coelho, o Hilton 50, usa o mesmo jingle desde 2008, quando também tentou ser prefeito. Seu jingle, um reggae cujo refrão “Eu quero Hilton 50 / na capital da resistência / Salvador” grudou na cabeça dos eleitores de um modo geral e tocava até em festa.
O candidato Cezar Leite (PRTB) apostou em um axé estilo anos 1990 dizendo que “28 é o voto do amor / Cezar Leite é o prefeito da gente / É o melhor para Salvador”. Celsinho Cotrim (PROS) escolheu o pagodeiro Dennes Caffé, que interpreta um jingle meio eletrônico que lembra o galope à la Chiclete com Banana: “Celsinho Cotrim /agora é ele sim / Porque o povo acordou / É pedra 90/ E nos representa / Pra lutar por Salvador”.
Histórico
Alguns jingles para a disputa ao governo da Bahia se transformaram em clássicos populares. Um dos mais renomados na área, o compositor Walter Queiroz criou “A Bahia vai mudar”, que ajudou a eleger Waldir Pires (então PMDB) em uma eleição disputadíssima contra Josaphat Marinho (então PFL, de ACM), em 1986, após a redemocratização. O jingle é um animado frevo carnavalesco.
Outro que ficou na história e memória dos baianos é “ACM, meu amor”, um reggae sofisticado dos compositores Gerônimo e Vevé Calazans, criado para a candidatura vitoriosa de Antônio Carlos Magalhães (então PFL) ao governo do Estado em 1990 contra o ex-governador Roberto Santos (então PMDB). Tamanho foi o impacto do jingle, que ACM Neto voltaria a usá-lo em peça de campanha anos após, o que rendeu até ação na Justiça pelos compositores, que venceram e foram indenizados em 2013.