Consultor da divisão de importação do Ministério da Saúde, William Amorim Santana, na CPI da Covid (Pedro França/Agência Senado)
Alessandra Azevedo
Publicado em 9 de julho de 2021 às 13h17.
Em depoimento à CPI da Covid, nesta sexta-feira, 9, William Santana, consultor da divisão de importação do Ministério da Saúde, apontou uma série de erros identificados durante a negociação para a compra da vacina indiana Covaxin. Havia inconsistências desde a primeira invoice, uma espécie de nota fiscal internacional, enviada pela Precisa Medicamentos, que intermedia as tratativas entre a União e a Bharat Biotech, fornecedora do imunizante.
Na divisão de importação, uma das funções de Santana é analisar a invoice e verificar se ela está de acordo com o contrato. Se tudo estiver conforme os termos negociados, ele solicita a abertura da licença de importação. O problema é que, no caso da Covaxin, havia uma série de problemas na invoice, desde o início das tratativas pela liberação.
Os erros foram encontrados em pontos básicos, como dados do Ministério da Saúde, prazo de entrega, quantitativo de doses disposto no contrato e condições de pagamento. Segundo Santana, “não é comum” essa quantidade de erros na invoice, principalmente porque havia problemas até na terceira versão da nota fiscal, depois de várias correções.
O consultor contou que a divisão de importação do Ministério da Saúde recebeu o primeiro e-mail da representante da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, em 16 de março, solicitando providências para a abertura da licença de importação. Em anexo, havia apenas o contrato firmado com a União, nenhuma invoice.
Dois dias depois, em 18 de março, Medrades enviou um segundo e-mail, com um link com os documentos para abertura da licença de importação, incluindo a primeira invoice. Em 22 de março, Santana apontou à área de fiscalização que, pelo cronograma do contrato, a entrega da primeira parcela deveria ter sido feita em 17 de março e já estava atrasada.
Naquele dia, Santana ligou para a fiscal do contrato, Regina Célia Oliveira, e avisou sobre dois pontos que chamaram atenção naquele momento, além da data de entrega atrasada: o quantitativo da invoice, que estava menor do que o previsto no contrato, e o fato de que figurava uma empresa que não estava disposta no contrato, a Madison Biotech.
“A commercial invoice citava uma Madison Biotech, e quando você vai analisar, em comparativo com o contrato, o contrato não cita Madison. Cita Precisa Medicamentos”, explicou Santana. Em depoimento à CPI, Regina Célia disse ter questionado diretamente a empresa sobre os dois pontos.
Santana também observou que a invoice pedia que o pagamento fosse antecipado, diferentemente do que previa o contrato, que dizia que seria efetuado após a entrega do imunizante. “Eu telefonei, pedi a correção. Da primeira vez, eu liguei e pedi para corrigir. Da segunda vez, não foi corrigido, aí eu mandei por escrito, para deixar registrado”, contou.
Ainda no dia 22, Santana solicitou ao despachante do Ministério da Saúde uma análise complementar da invoice. “O despachante tem uma expertise maior em alguns pontos que, porventura, a gente não observa”, explicou.
O despachante, na análise complementar, apontou ainda outros erros na primeira invoice. A começar pelo nome do ministério, que estava errado. “Aliás, havia muito erro de grafia na invoice”, comentou Santana. Também não havia informações básicas, como a descrição do aeroporto onde a carga chegaria.
A invoice também não trazia o chamado incoterms, que é um acordo feito entre as partes quanto às obrigatoriedades no transporte da carta -- por exemplo, de quem é a responsabilidade de pagar o desembaraço.
Faltava ainda o código de nomenclatura comum da vacina. O documento não descrevia nem peso bruto, nem peso líquido da carga. “Tanto eu quanto o despachante ficamos confusos, porque a invoice não dizia se a vacina viria em frasco ou viria em caixa”, completou Santana.
Outros dados básicos que não estavam na primeira invoice eram o endereço e o nome completo do fabricante. “Também não estava descrito o número dos lotes. Se é uma vacina e está sendo importada, existe um lote que foi fabricado. Não tinha essa descrição”, disse o consultor.
A invoice também não informava se o produto tinha registro. Nesse caso, não tinha, e, por isso, o ministério pediu a concessão de excepcionalidade à Anvisa. O despachante também pediu que a empresa enviasse um packing list, que é um documento descrevendo como a carga chegará: em que embalagem, altura, peso, quantos volumes etc.
Santana enviou a lista de erros que precisariam ser corrigidos à empresa, que respondeu que resolveria os problemas. Mas, depois de duas correções, ainda havia inconsistências. “A última invoice ainda apresentava erros”, contou Santana. Havia problemas na quantidade de doses e à descrição dos lotes.
Santana explicou que, como consultor técnico, ele é supervisionado pelo chefe da Divisão de Importação -- no caso, o servidor Luis Ricardo Miranda, irmão do deputado Luis Miranda (DEM-DF). Os irmãos dizem ter informado o presidente Jair Bolsonaro, em 20 de março, sobre indícios de irregularidades na negociação pela Covaxin.