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Caju: um sertanejo sofre com a seca

Camila Almeida  As chuvas de cajus cantadas por Alceu Valença já não caem como antes. Elas costumavam molhar a terra logo no início da temporada de calor, em agosto ou setembro, e casavam com o florescer dos cajueiros. Uma “pequena chuva inconstante e breve”, como escreveu o poeta pernambucano Joaquim Cardozo, que anunciava o fim […]

CAJU: a fruta corresponde a 33% da área plantada do Nordeste, mas passa por um de seus piores momentos / Wikimedia Commons (Foto/Wikimedia Commons)
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Da Redação

Publicado em 4 de fevereiro de 2017 às 06h23.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h03.

Camila Almeida

As chuvas de cajus cantadas por Alceu Valença já não caem como antes. Elas costumavam molhar a terra logo no início da temporada de calor, em agosto ou setembro, e casavam com o florescer dos cajueiros. Uma “pequena chuva inconstante e breve”, como escreveu o poeta pernambucano Joaquim Cardozo, que anunciava o fim do inverno.

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Este ano, se completa o maior período de estiagem dos últimos 100 anos no Nordeste. São cinco anos de calor incessante. Nem o caju, fruto nativo da região, tem resistido à seca prolongada. Os frutos mirrados denunciam a falta d’água, e árvores antigas estão morrendo. Diferentemente de culturas como feijão e milho, que dependem das chuvas de verão para brotar, os cajueiros costumam dar frutos ao longo de todo o segundo semestre, época tradicionalmente seca. Isso faz a cultura ser altamente estratégica na entressafra, garantindo ocupação dos agricultores e diminuindo a sazonalidade da renda.

Mas o cenário climático é grave. Desde 2011, se registram chuvas abaixo da média histórica. Em 2012, nas principais regiões produtoras do estado do Ceará, líder brasileiro em produção e exportação de castanhas, as precipitações ficaram 46% abaixo do normal, que costuma variar entre escassos 700 e 900 milímetros anuais. O nível de estresse foi melhorando, mas, em 2016, ainda houve 24% menos chuva que a média. Para 2017, espera-se que 40% das áreas produtivas recebam pelo menos a média de água; e que outros 40% consigam superar o nível de chuvas.

Apesar da esperançosa previsão, as marcas deixadas pela estiagem são cruéis. No Ceará, há cinco anos, havia 764.000 hectares de cajueiros espalhados pelo estado. Agora, restam apenas 594.000 – uma baixa de 22% em área, de acordo com dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). E a produtividade dos pés que ficaram também não é mais a mesma. A produção, que era de 231.000 toneladas, passou para 79.000, uma baixa de 65%.

As vendas para fora do país também estão em derrocada. Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí e Maranhão são os principais produtores de castanha e, com a seca no nordeste, o país já não consegue exportar com o mesmo vigor de antes. Em 2007, o Brasil atingiu o auge de exportar 51 milhões de quilos de castanha-de-caju. Em dez anos, esse número caiu para 15,5 milhões de quilos – montante exportado em 2016.

O caju está, evidentemente, longe de ter o peso econômico de culturas como milho e soja. Mas seu cultivo é essencial para muitas regiões do Nordeste. No ano passado, a cultura de caju rendeu quase 130 milhões de dólares em exportações, sendo 103 milhões de dólares só com a castanha cearense. O produto corresponde a 8% do total exportado pelo estado em 2016. Em 2011, ela correspondia a 12,5% das exportações, sendo um dos produtos mais relevantes, atrás apenas de calçados, couros e peles.

Olhando para o Nordeste, de modo geral, a participação da castanha é ainda mais reduzida. Ela corresponde a apenas 2% da produção total de frutas – apesar de os cajueiros corresponderem a 33% da área plantada. De acordo com relatório de 2016 do Banco do Nordeste sobre o comportamento da fruticultura nordestina, o caju ainda é uma cultura de baixa eficiência. Além disso, o mercado internacional não recebe a atenção que deveria. Apenas 16% de toda a castanha produzida é exportada – o restante é consumido internamente.

O Brasil está longe de dominar o mercado internacional de seu fruto nativo e tem perdido cada vez mais espaço internacionalmente. Até o ano 2000, a castanha-de-caju brasileira era a segunda mais vendida no mundo, com participação de 18% no mercado, atrás da indiana, com 32%. Mas em 2002 o Brasil perdeu seu posto para o Vietnã e para outros países africanos, como a Nigéria. Hoje, o mercado está cada vez mais disputado. Em 2016, o maior produtor mundial foi a Costa do Marfim, dominando 25% do total de vendas de castanha – tendo produzido 725 milhões de quilos de castanha, 46 vezes mais do que o Brasil.

Alternativas

O caju começou a virar um negócio sério apenas em1983, quando os primeiros clones da fruta foram desenvolvidos pela Embrapa. As mudas de CCP 76 e CCP 06, como foram batizadas, tinham como objetivo atender as demandas do mercado internacional. “As amêndoas eram muito diferentes umas das outras. Isso dificultava a quebra nas máquinas e faltava padrão no produto”, explica o engenheiro agrônomo Luiz Serrano, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa de Agroindústria Tropical da Embrapa, em Fortaleza. Com o clone, controlar a qualidade das castanhas ficou mais fácil e as mudas começaram a se disseminar entre os produtores.

Desde então, 12 clones de cajueiro foram lançados, todos de cajueiro-anão, mas dois deles têm se destacado: o BRF 226, variação mais plantada no Piauí, e o 51, plantado na Chapada do Apodi, entre o Rio Grande do Norte e o Ceará. As duas espécies, que estão em regiões muito secas, têm se mostrado muito resistentes à estiagem. Eles ficam com altura de 2,5 a 3 metros e, mesmo com a seca, têm apresentado produtividade de 1.000 kg de castanha/ha. As culturas comuns de cajueiro têm dado, no período de seca, apenas 5 kg/ha.

As vantagens são várias. Como a árvore é menor, é possível plantar 205 mudas em cada hectare, enquanto que só cabem entre 80 e 100 cajueiros comuns na mesma área. Os pés menores também facilitam na hora de colher os frutos e exigem menos cuidados com a saúde da árvore. Além disso, elas têm se mantido produtivas por oito meses no ano, de junho a dezembro. “Temos feito diversas campanhas para que os produtores comecem a utilizar essas mudas mais resistentes à seca, que tem se mostrado uma boa alternativa para os pomares comerciais”, diz Serrano.

Apesar do sucesso dos clones, eles não são a única alternativa. Na Paraíba, o estado tem investido no fruto como alternativa comercial para os agricultores da região. O município de Bernardino Batista, já na fronteira com o Ceará, vai receber 10.000 mudas de cajueiro agora em fevereiro. A expectativa é de que, em dois anos, eles já estejam produtivos.

“Como o caju é uma cultura de sequeiro, sem irrigação, é uma boa alternativa para essa época de seca. A castanha é a parte mais valiosa, mas a polpa para suco também tem valor comercial para esses agricultores”, explica o engenheiro agrônomo Rodrigo Andrade de Araújo, coordenador do projeto na Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária (Emepa). Um outro projeto, financiado pelo Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza no Estado da Paraíba, promete levar 100.000 mudas de sete frutas diferentes, inclusive o caju, para todo o estado.

A quantidade de produtos que podem ser explorados é vasta: cachaça, mel, refrigerante (a tradicional cajuína), compotas e até vinho. Em João Pessoa, a antiga Fábrica de Vinhos Tito Silva, fundada em 1892, era um fenômeno até falir nos anos 70.

“Está fora de cogitação substituir o caju. Apesar da seca, ainda é uma das culturas mais resistentes ao estresse hídrico e é a responsável por fazer o comércio de muitas cidades girar”, afirma Luiz Serrano, da Embrapa, que insiste na necessidade de realizar um trabalho de reflorestamento no semiárido, para garantir a preservação da espécie. “Para a produção comercial, o que estamos tentando fazer é adaptar os cajueiros, para que eles sejam cada vez mais tolerantes aos períodos de seca”, afirma. Com a temperatura global subindo ano a ano, não dá mais para esperar que as chuvas de caju venham anunciar a fartura.

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