Educação: Base Nacional Comum Curricular do ensino médio, que foi apresentada pelo MEC, não divide os conhecimentos que devem ser adquiridos pelos estudantes em cada série (Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 4 de abril de 2018 às 08h49.
São Paulo e Brasília - A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio, que foi apresentada nesta terça-feira, 3, pelo Ministério da Educação (MEC), não divide os conhecimentos que devem ser adquiridos pelos estudantes em cada série.
As habilidades são descritas de forma geral para toda a etapa, sem qualquer progressão que considere a idade do aluno. Além disso, as únicas duas disciplinas detalhadas no documento - e consideradas obrigatórias em todos os anos - são Língua Portuguesa e Matemática, como adiantou o jornal O Estado de S. Paulo.
O documento foi entregue nesta terça ao Conselho Nacional de Educação (CNE), que vai agora organizar discussões e audiências públicas antes de colocá-lo em votação. A previsão é de que isso aconteça até dezembro. Mas, em ano eleitoral e com a saída prevista do atual ministro Mendonça Filho (DEM), o processo pode demorar mais.
A BNCC é um documento inédito no País, que descreve os objetivos de aprendizagem de toda a educação básica. As partes relativas ao ensino infantil e ao fundamental foram aprovadas pelo CNE em dezembro, oito meses depois de serem apresentadas. Nelas, há divisão clara entre as séries do fundamental e os objetivos para bebês, crianças bem pequenas e pequenas na educação infantil. Também são descritas habilidades para todas as disciplinas.
O texto sobre o ensino médio foi separado do restante por causa da reforma aprovada para esta etapa, que prevê mais flexibilização do currículo (mais informações nesta página). As disciplinas de Física, Química, Biologia, História e Geografia são abordadas de forma interdisciplinar e agrupadas em áreas de conhecimento.
O documento, por exemplo, fala em "avaliar explicações sobre o surgimento da Terra" ou "analisar os princípios da Declaração de Direitos Humanos" sem especificar em qual disciplina os assuntos devem ser abordados.
"Eles defendem a interdisciplinaridade, mas para que ela ocorra é preciso espaço para que cada uma das disciplinas seja trabalhada. Com a falta de definições, o aluno vai sair do ensino médio sem uma perspectiva histórica, filosófica, sociológica ou geográfica", afirma Silvio Carneiro, professor de Filosofia da Universidade Federal do ABC (UFABC).
"A Química, a Física e a Biologia desaparecem do ensino médio", diz o conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) Eduardo Mortimer. Para ele, o documento não considera a formação docente. "Nós não formamos professores para que eles deem aula dessas três disciplinas e o risco é de empobrecermos a formação do aluno."
A professora do Instituto Vera Cruz Maria José Nobrega critica a falta de divisão por séries, algo diferente do que ocorre na parte do ensino fundamental. Para ela, isso prejudica o acompanhamento da evolução da aprendizagem do estudante. "Sem um padrão de organização entre as etapas, você não tem uma definição clara de progressão para a educação básica. Acho perigoso não descrever que nível de desempenho você espera do aluno ao fim do ensino médio."
A educadora também destacou que as habilidades esperadas para essa etapa são similares às propostas para os alunos ao fim do 8.º e do 9.º anos do ensino fundamental. "O que temos agora é quase uma redundância. Esse vai ser um desafio para as redes, porque esse documento não ajuda a estabelecer o que deve ser ensinado no médio."
Já para a consultora em educação Ilona Becskeházy, a intenção do documento é de que as habilidades esperadas em Linguagens apenas aprofundem o que o aluno aprendeu no ensino fundamental, seguindo o que prevê a reforma do ensino médio. "Se tivermos uma boa implementação nessa primeira etapa, o aluno vai chegar ao ensino médio para aprimorar e aprofundar os conhecimentos. Isso permite a flexibilização dessa etapa", explica.
O MEC afirmou que a ausência de divisão de conteúdos de acordo com as séries segue um modelo adotado em versão anterior da Base, formulada em 2016 no governo de Dilma Rousseff.
De acordo com a pasta, esse padrão foi mantido. A secretária executiva do ministério, Helena Guimarães de Castro, definiu a BNCC como uma "disrupção importante". "O atual modelo está aí há muito tempo e os resultados são tristes." Ela citou o fato de que de cada 100 estudantes que iniciam o ensino médio, apenas 50 o concluem. "Precisamos atrair os estudantes, despertar curiosidade. Ofertar uma escola que faça sentido."
A área de Matemática foi elogiada pelo diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), Marcelo Viana. Ele diz que se trata de uma modernização do que é ensinado nas escolas brasileiras porque a base valoriza experiências e aplicações no cotidiano. "Vejo com bons olhos o fato de o documento não ser rígido e dar liberdade para que os sistemas e escolas se adaptem a realidade e necessidades dos alunos. É menos definitivo, mas propõe caminhos para o ensino da disciplina."
Depois da aprovação pelo CNE e homologação pelo MEC, os Estados e escolas devem ainda elaborar os currículos próprios seguindo a BNCC. Avaliações e materiais didáticos também terão de ser adaptados, de acordo com o documento.