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Artistas precisaram usar metáforas para criticar a ditadura

Driblar a censura foi um aprendizado para todos os artistas e intelectuais que, a partir de 1964, se engajaram na resistência ao regime militar


	Chico Buarque: o artista chegou a adotar, no início da década de 1970, o pseudônimo Julinho da Adelaide para ter suas músicas aprovadas pela censura
 (Leonardo Marinho/Contigo)

Chico Buarque: o artista chegou a adotar, no início da década de 1970, o pseudônimo Julinho da Adelaide para ter suas músicas aprovadas pela censura (Leonardo Marinho/Contigo)

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Da Redação

Publicado em 31 de março de 2014 às 13h53.

Rio de Janeiro - Driblar a censura foi um aprendizado para todos os artistas e intelectuais que, a partir de 1964, se engajaram na resistência ao regime militar.

Os que estavam vinculados à música popular encontraram nas letras das canções uma forma de protesto, quase sempre se valendo de metáforas, na tentativa de despistar o olhar vigilante da ditadura.

Houve também uma mudança de foco da produção cultural brasileira, que antes do golpe buscava, como se dizia à época, “despertar a visão crítica e promover o protagonismo” das classes populares.

“Antes de 64, a cultura estava procurando falar para os operários, para os camponeses, ia às favelas. Agora [na resistência à ditadura] era a classe média falando para a própria classe média, mas com muito vigor, muito talento e muita garra”, explica a professora Heloisa Buarque de Hollanda, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

De acordo com ela, antes havia muito debate sobre a reforma agrária e outras medidas de justiça social. “Esse projeto não dava mais, mas cantar, a coisa dava. Foi uma resistência que entrou no lugar da política, da participação direta na luta pelas reformas”, conta.

Caetano Veloso, Milton Nascimento e Gonzaguinha integram a longa lista de compositores que tiveram músicas censuradas durante o regime militar.

O caso mais emblemático, porém, foi o da proibição da canção Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré, segunda colocada na fase nacional do Festival Internacional da Canção de 1968, no Rio de Janeiro.

A música acabou se tornando um hino da resistência à ditadura e levou seu autor ao exílio, após o Ato Institucional 5, o AI-5, baixado naquele mesmo ano, que ampliou o poder de arbítrio do regime.

As metáforas foram usadas para evitar o choque direto com a censura.

Um exemplo é a canção Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil, em que a palavra que dá título à composição tem som idêntico à expressão “cale-se”.

Alvo predileto da censura, sobretudo a partir da decretação do AI-5, em 1968, Chico Buarque chegou a adotar, no início da década de 1970, o pseudônimo Julinho da Adelaide para ter suas músicas aprovadas.

Com esse nome, conseguiu passar a música Acorda, Amor, uma clara referência à repressão policial do regime.

Nem mesmo as escolas de samba ficaram imunes à censura do regime militar.

A Acadêmicos do Salgueiro, escola que renovou a estética dos desfiles do carnaval carioca, foi a primeira a enfrentar o olhar vigilante da ditadura, em 1967, com o enredo A História da Liberdade no Brasil, do carnavalesco Fernando Pamplona.

Segundo o pesquisador e historiador do carnaval Haroldo Costa, em seu livro Salgueiro, 50 Anos de Glória, os agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), a polícia política do regime, tinham cadeira cativa nos ensaios da escola, devido ao tema.


Martinho da Vila foi outro sambista que enfrentou a pressão da censura, tendo sua composição excluída da disputa de samba-enredo da Unidos de Vila Isabel, em 1974. O próprio enredo da escola, Aruanã-Açu, sobre a tribo dos Carajás, de crítica à destruição da Floresta Amazônica e ao extermínio dos índios, teve que ser mudado, passando a exaltar a Transamazônica, rodovia que simboliza o fracasso das obras faraônicas do regime militar.

Para se contrapor, a ditadura tentou usar a cultura para promover a ideologia oficial.

O governo do general Médici, o mais fechado do ciclo militar, se valeu da propaganda política em canções como Eu Te Amo, Meu Brasil, da dupla Dom e Ravel, e pressionou escolas de samba para que produzissem enredos ufanistas e enaltecedores das realizações do regime. A Beija-Flor de Nilópolis, então recém-chegada ao desfile principal, ficou famosa por enredos que falavam de temas governamentais, como o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) e o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).

No cinema, a opressão não foi diferente. O documentário Cabra Marcado para Morrer, obra do recentemente falecido cineasta Eduardo Coutinho, é um filme cuja produção foi interrompida pelo golpe e só pôde ser terminada 20 anos depois.

“Coutinho não teve alternativa. Ninguém poderia fazer naquele momento um filme que falasse de reforma agrária, ligas camponesas, seria um risco de prisão, tortura e até desaparecimento para o realizador”, ressalta o produtor cultural Fabiano Canosa, um dos responsáveis pela programação do Cine Paissandu, símbolo de resistência cultural do Rio de Janeiro nos anos 1960 e 1970.

Outros documentaristas enfrentaram problemas com o regime militar, mas o caso mais notável, segundo Canosa, foi o de Olney São Paulo.

Seus filmes, como Manhã Cinzenta, filmado entre 1968 e 1969, continham cenas das manifestações de rua daquela época e foram proibidos.

“A gente assistia clandestinamente. Olney pagou por isso com a vida dele. Foi preso, torturado, fizeram gato e sapato dele, que ficou tuberculoso e acabou morrendo”, conta Canosa.

Com relação ao Cinema Novo, movimento inaugurado por Nelson Pereira dos Santos e que teve como nome mais conhecido o do cineasta Glauber Rocha, Canossa tem outra visão. “Eles achavam que poderiam permitir a exibição de certos filmes porque eram incompreensíveis para o povo brasileiro, em um claro menosprezo pelo povo e pelos cinéfilos. Terra em Transe, de Glauber, lançado em agosto de 1967, chegou a ser proibido, mas a censura voltou atrás com base nessa justificativa, a de que o povo brasileiro não entenderia o filme”, comenta.


Documentarista que iniciou trabalho nos últimos anos do regime militar, o cineasta Silvio Tendler conta que enfrentou dificuldades para realizar seu trabalho. “Quando fiz meu documentário sobre os anos JK [1980], muitas pessoas tinham medo de dar entrevista. Faltavam imagens como a de [Geraldo] Vandré cantando Caminhando [canção mais conhecida como Pra Não Dizer que Não Falei das Flores]. Os órgãos de repressão sumiram com aquelas imagens. Em 1965, os artistas vaiaram o general Castello Branco [então presidente da República empossado pelo golpe] no Hotel Glória e só há fotos, e poucas, disso. Não há registro em filmes”, diz.

O episódio do Hotel Glória ocorreu em novembro de 1965, quando Castello Branco chegava ao Hotel Glória, no Rio de Janeiro, para participar da 2ª Conferência Extraordinária da Organização dos Estados Americanos (OEA). Um dos presos foi o escritor e jornalista Carlos Heitor Cony. Segundo ele, fazer a conferência no Brasil, naquele ano, foi o resultado de um esforço diplomático do regime militar para mostrar que o país continuava sendo uma democracia, apesar do golpe do ano anterior.

Cony guarda na memória as dificuldades de se lidar com a censura do regime militar, mesmo antes do fechamento total da ditadura, que ocorreu após o AI-5. “A gente contava com dois fatores, um a favor e outro contra. O a favor era o seguinte: os censores eram muito burros, então não percebiam certas nuances. Por sua vez, por serem muito burros, muitas vezes cismavam com coisas que não tinham nada demais e proibiam uma peça ou uma música”, conta o membro da Academia Brasileira de Letras.

Com relação aos jornais, a maioria apoiou o golpe militar, mas logo depois passou a criticar o regime e foi censurada.

A repressão não tardou a chegar à imprensa.

Cony, que trabalhava no carioca Correio da Manhã, conta que, nos dias 31 de março e 1º de abril de 1964, o jornal publicou em sua primeira página dois veementes editoriais, com os títulos de “Basta!” e “Fora!”, pedindo a derrubada do Jango. Logo depois, no entanto, passou a noticiar os protestos nas ruas. A resposta da ditadura foi a prisão da proprietária do jornal, Niomar Moniz Sodré Bittencourt, e dos principais redatores, entre eles o próprio escritor.

Os grandes jornais, de maneira geral, começaram a retirar o apoio ao golpe assim que a classe média e o o empresariado nacional se viam afastados das decisões de poder e percebiam que a vida politica se restringia à submissão ao regime militar.

Surgiram as primeiras revistas semanais voltadas para o noticiario politico, nos moldes da Time americana.

A Veja, criada em 1968, foi a primeira do gênero e teve vários exemplares apreendidos pela policia, ainda nas bancas.

O jornal O Estado de S. Paulo, tradicional porta-voz do empresariado paulista, passou a publicar poemas no lugar das reportagens cortadas pela censura.

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