Aquíferos do Recife correm risco de salinização
Alerta foi feito pelo professor Ricardo Hirata, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo e diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas
Da Redação
Publicado em 31 de dezembro de 2013 às 13h24.
Os aquíferos do Recife (PE) correm risco de salinização e contaminação em razão da perfuração indiscriminada de poços tubulares privados na capital pernambucana nos últimos anos.
O alerta foi feito pelo professor Ricardo Hirata, do Instituto de Geociências (IGc) da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (Cepas), durante a 1ª Reunião de Avaliação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), realizada nos dias 28 e 29 de novembro em Bragança Paulista, no interior de São Paulo.
“Houve um aumento impressionante de poços tubulares no Recife para uso privado, com 100 a 200 metros de profundidade, que passaram a ser utilizados como fonte suplementar de abastecimento de água na cidade, principalmente pelas classes mais abastadas”, disse Hirata à Agência FAPESP.
“Devido a uma série de fatores, as águas desses poços e do aquífero têm ficado salinizadas”, afirmou o pesquisador, que coordena um Projeto Temático, financiado pela FAPESP, com o objetivo de avaliar a degradação das águas subterrâneas em Recife no contexto das mudanças climáticas globais.
O estudo é realizado no âmbito de um acordo mantido pela FAPESP com a Fundação de Amparo à Pesquisa de Pernambuco (Facepe) e a Agence Nationale de la Recherche (ANR), da França, e reúne, do lado de São Paulo, pesquisadores do IGc, da Escola de Engenharia de São Carlos da USP e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
De acordo com Hirata, uma das constatações feitas durante a realização do projeto, iniciado no fim de 2011, é que têm ocorrido mudanças no padrão de consumo e de interação dos moradores do Recife com a água nas últimas décadas.
A exemplo de outras capitais nordestinas, a cidade registra, desde o início da década de 1970, crescimento populacional e, consequentemente, aumento da demanda por água potável.
Segundo Hirata, o abastecimento público dos 3,7 milhões de habitantes da cidade é realizado pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e baseado em fontes superficiais de água – como a de reservatórios –, que abrange a região metropolitana de Recife.
Uma pequena região na área norte da cidade e próxima a Olinda é abastecida por meio de águas subterrâneas, provenientes do aquífero Beberibe.
Em razão de secas severas, como a ocorrida entre 1998 e 1999, e de frequentes racionamentos de água, Recife aumentou o uso do já bastante explorado aquífero por meio da perfuração de poços privados, localizados, principalmente, na região central da cidade e em Boa Viagem, contou o pesquisador.
“Existem, aproximadamente, 13 mil poços privados em Recife; é a cidade brasileira com o maior número de captações de águas subterrâneas”, destacou Hirata. “A maior parte deles é ilegal, com existência desconhecida pelos órgãos administradores. Isso dificulta o planejamento, pelo Estado, de um programa de gestão dos recursos hídricos. Ao mesmo tempo, essa estrutura desconhecida garante a segurança hídrica da cidade, porque esse abastecimento complementar de água é fundamental em períodos de estiagem.”
Salinização dos aquíferos
Um dos principais problemas dos poços privados é que muitos se tornam salinizados e são perdidos e abandonados. Uma das prováveis causas da salinização é a intrusão de águas salinas do mar induzida pelo bombeamento desordenado.
O bombeamento dos poços faz com que as águas salgadas de canais e estuários, além de paleomangues (sedimentos que tiveram contato com águas salgadas, quando o nível do mar era mais alto), penetrem no aquífero, provocando sua salinização, explicou Hirata.
“Parte do aquífero de Boa Viagem, que é mais raso e de menor espessura, tem vários poços salinizados e abandonados”, disse.
“Uma vez salinizados os poços e o aquífero há pouco o que fazer. As tecnologias de dessalinização são limitadas e os sistemas de tratamento individual de água salgada de poços são muito caros”, ressaltou o professor do IGc-USP.
A pesquisa verificou que os proprietários abandonam os poços ou os aprofundam, até atingir os aquíferos Cabo e Beberibe – mais profundos que o de Boa Viagem –, quando constatam que suas águas ficaram salinizadas.
Além do aumento dos custos na extração de águas, os poços abandonados também têm sido responsáveis por conectar as porções mais rasas e salinizadas dos aquíferos com aquelas mais profundas e ainda preservadas, ressaltou o pesquisador.
Uma descoberta que surpreendeu os pesquisadores foi o resultado das medições da temperatura de recarga (temperatura inicial) desses aquíferos profundos – o Cabo e o Beberibe –, feitas por meio de medições de concentrações de gases nobres nas águas subterrâneas. Os resultados indicaram que essas águas são muito velhas.
A temperatura das águas de recarga dos aquíferos do Cabo e de Beberibe, por exemplo, era de 15 ºC, que coincide com o último período glacial da Terra e leva a crer que os aquíferos foram recarregados há 10 mil anos, estimou Hirata.
“Ninguém imaginava que essas águas, localizadas a menos de cem metros da superfície, fossem paleoáguas, ou seja, águas muito antigas”, disse.
Dependência comum
De acordo com o professor do IGc-USP, o problema da dependência de águas subterrâneas para garantir a segurança hídrica da população de Recife também é comum a outras capitais nordestinas, como Natal (RN) e Fortaleza (CE), e às metrópoles brasileiras, como Brasília (DF) e São Paulo, entre muitas outras cidades do país.
O caso mais crítico, segundo Hirata, é o de Natal, cujo sistema de abastecimento público é baseado em águas subterrâneas, mas com poços distribuídos na malha urbana da cidade.
Como a maior parte da malha urbana da capital do Rio Grande do Norte não conta com rede de esgoto, as águas dos aquíferos e dos poços de abastecimento público encontram-se contaminados por nitrato e, por isso, são impróprias para uso.
Segundo Hirata, na tentativa de solucionar esse problema, tem-se misturado água superficial – sem nitrato – à água dos poços para atender às necessidades da população. Em razão da falta de água superficial na capital potiguar, a quantidade de mistura é insuficiente para baixar os níveis de nitrato da água dos poços.
“A cidade de Natal está recebendo água contaminada hoje porque não consegue dispor de água limpa. Ela representa o extremo do problema da falta de água que aflige o Nordeste”, avaliou.
Já cidades do Sudeste como São Paulo dependem menos das águas subterrâneas, uma vez que a região metropolitana da cidade é abastecida por grandes sistemas de águas superficiais, como os de Cantareira, Cotia, Alto Tietê e Guarapiranga.
Estima-se, no entanto, que existam 12 mil poços privados em São Paulo, dos quais, a exemplo dos do Recife, metade é ilegal e que, juntos, retiram 10 metros cúbicos de água subterrânea por segundo, representando a quarta fonte mais importante de abastecimento da cidade, entre os oito sistemas hoje em operação.
Se por um problema de contaminação ou aumento do custo de extração essa fonte de abastecimento de água fosse perdida, a população ligada a essa rede fecharia seus poços e, imediatamente, migraria para a água da rede pública.
Essa migração de fonte de água poderia fazer com que o sistema de abastecimento da cidade, que atende hoje a população com 65 metros cúbicos de água superficial por segundo, entrasse em colapso, estimou Hirata.
“A segurança hídrica da cidade de São Paulo é frágil. É claro que a possibilidade de perder todos esses poços em um período curto de tempo, como o de um ano, é quase impossível. Mas existe uma fragilidade no sistema, porque não há políticas eficientes para águas subterrâneas na cidade, uma vez que elas não são vistas como uma fonte de abastecimento importante”, ressaltou Hirata.
Nesse sentido, a segurança hídrica da capital paulista e de outras cidades brasileiras, como Recife, está nas mãos de diversos usuários privados – os proprietários dos poços –, que, mesmo sendo ilegais, têm uma função importante porque diminuem a pressão por água do sistema de abastecimento principal, avaliou o pesquisador.
O papel desses atores no sistema de abastecimento de água das cidades brasileiras, no entanto, não está sendo avaliado corretamente, apontou. “A solução para o abastecimento de cidades como Recife e São Paulo não é esquecer a água subterrânea, mas somá-la às águas superficiais, porque são recursos muito complementares”, afirmou.
“Esse sistema integrado é uma das melhores estratégias que a própria natureza está dando para superarmos os problemas advindos das mudanças climáticas globais”, avaliou.
De acordo com o pesquisador, as águas subterrâneas representam o grande reservatório de água da Terra, sendo responsáveis por 95% da água doce e líquida do planeta, e são usadas por 2 a 3 bilhões de pessoas no mundo.
No Brasil, segundo ele, entre 35% e 45% da população utiliza água subterrânea e 75% dos municípios do Estado de São Paulo são abastecidos total ou parcialmente por essa fonte de água. “Apesar da importância desse recurso, ele não costuma frequentar, infelizmente, a agenda política dos órgãos decisores de gestão de recursos hídricos”, disse Hirata.
Os aquíferos do Recife (PE) correm risco de salinização e contaminação em razão da perfuração indiscriminada de poços tubulares privados na capital pernambucana nos últimos anos.
O alerta foi feito pelo professor Ricardo Hirata, do Instituto de Geociências (IGc) da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (Cepas), durante a 1ª Reunião de Avaliação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), realizada nos dias 28 e 29 de novembro em Bragança Paulista, no interior de São Paulo.
“Houve um aumento impressionante de poços tubulares no Recife para uso privado, com 100 a 200 metros de profundidade, que passaram a ser utilizados como fonte suplementar de abastecimento de água na cidade, principalmente pelas classes mais abastadas”, disse Hirata à Agência FAPESP.
“Devido a uma série de fatores, as águas desses poços e do aquífero têm ficado salinizadas”, afirmou o pesquisador, que coordena um Projeto Temático, financiado pela FAPESP, com o objetivo de avaliar a degradação das águas subterrâneas em Recife no contexto das mudanças climáticas globais.
O estudo é realizado no âmbito de um acordo mantido pela FAPESP com a Fundação de Amparo à Pesquisa de Pernambuco (Facepe) e a Agence Nationale de la Recherche (ANR), da França, e reúne, do lado de São Paulo, pesquisadores do IGc, da Escola de Engenharia de São Carlos da USP e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
De acordo com Hirata, uma das constatações feitas durante a realização do projeto, iniciado no fim de 2011, é que têm ocorrido mudanças no padrão de consumo e de interação dos moradores do Recife com a água nas últimas décadas.
A exemplo de outras capitais nordestinas, a cidade registra, desde o início da década de 1970, crescimento populacional e, consequentemente, aumento da demanda por água potável.
Segundo Hirata, o abastecimento público dos 3,7 milhões de habitantes da cidade é realizado pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e baseado em fontes superficiais de água – como a de reservatórios –, que abrange a região metropolitana de Recife.
Uma pequena região na área norte da cidade e próxima a Olinda é abastecida por meio de águas subterrâneas, provenientes do aquífero Beberibe.
Em razão de secas severas, como a ocorrida entre 1998 e 1999, e de frequentes racionamentos de água, Recife aumentou o uso do já bastante explorado aquífero por meio da perfuração de poços privados, localizados, principalmente, na região central da cidade e em Boa Viagem, contou o pesquisador.
“Existem, aproximadamente, 13 mil poços privados em Recife; é a cidade brasileira com o maior número de captações de águas subterrâneas”, destacou Hirata. “A maior parte deles é ilegal, com existência desconhecida pelos órgãos administradores. Isso dificulta o planejamento, pelo Estado, de um programa de gestão dos recursos hídricos. Ao mesmo tempo, essa estrutura desconhecida garante a segurança hídrica da cidade, porque esse abastecimento complementar de água é fundamental em períodos de estiagem.”
Salinização dos aquíferos
Um dos principais problemas dos poços privados é que muitos se tornam salinizados e são perdidos e abandonados. Uma das prováveis causas da salinização é a intrusão de águas salinas do mar induzida pelo bombeamento desordenado.
O bombeamento dos poços faz com que as águas salgadas de canais e estuários, além de paleomangues (sedimentos que tiveram contato com águas salgadas, quando o nível do mar era mais alto), penetrem no aquífero, provocando sua salinização, explicou Hirata.
“Parte do aquífero de Boa Viagem, que é mais raso e de menor espessura, tem vários poços salinizados e abandonados”, disse.
“Uma vez salinizados os poços e o aquífero há pouco o que fazer. As tecnologias de dessalinização são limitadas e os sistemas de tratamento individual de água salgada de poços são muito caros”, ressaltou o professor do IGc-USP.
A pesquisa verificou que os proprietários abandonam os poços ou os aprofundam, até atingir os aquíferos Cabo e Beberibe – mais profundos que o de Boa Viagem –, quando constatam que suas águas ficaram salinizadas.
Além do aumento dos custos na extração de águas, os poços abandonados também têm sido responsáveis por conectar as porções mais rasas e salinizadas dos aquíferos com aquelas mais profundas e ainda preservadas, ressaltou o pesquisador.
Uma descoberta que surpreendeu os pesquisadores foi o resultado das medições da temperatura de recarga (temperatura inicial) desses aquíferos profundos – o Cabo e o Beberibe –, feitas por meio de medições de concentrações de gases nobres nas águas subterrâneas. Os resultados indicaram que essas águas são muito velhas.
A temperatura das águas de recarga dos aquíferos do Cabo e de Beberibe, por exemplo, era de 15 ºC, que coincide com o último período glacial da Terra e leva a crer que os aquíferos foram recarregados há 10 mil anos, estimou Hirata.
“Ninguém imaginava que essas águas, localizadas a menos de cem metros da superfície, fossem paleoáguas, ou seja, águas muito antigas”, disse.
Dependência comum
De acordo com o professor do IGc-USP, o problema da dependência de águas subterrâneas para garantir a segurança hídrica da população de Recife também é comum a outras capitais nordestinas, como Natal (RN) e Fortaleza (CE), e às metrópoles brasileiras, como Brasília (DF) e São Paulo, entre muitas outras cidades do país.
O caso mais crítico, segundo Hirata, é o de Natal, cujo sistema de abastecimento público é baseado em águas subterrâneas, mas com poços distribuídos na malha urbana da cidade.
Como a maior parte da malha urbana da capital do Rio Grande do Norte não conta com rede de esgoto, as águas dos aquíferos e dos poços de abastecimento público encontram-se contaminados por nitrato e, por isso, são impróprias para uso.
Segundo Hirata, na tentativa de solucionar esse problema, tem-se misturado água superficial – sem nitrato – à água dos poços para atender às necessidades da população. Em razão da falta de água superficial na capital potiguar, a quantidade de mistura é insuficiente para baixar os níveis de nitrato da água dos poços.
“A cidade de Natal está recebendo água contaminada hoje porque não consegue dispor de água limpa. Ela representa o extremo do problema da falta de água que aflige o Nordeste”, avaliou.
Já cidades do Sudeste como São Paulo dependem menos das águas subterrâneas, uma vez que a região metropolitana da cidade é abastecida por grandes sistemas de águas superficiais, como os de Cantareira, Cotia, Alto Tietê e Guarapiranga.
Estima-se, no entanto, que existam 12 mil poços privados em São Paulo, dos quais, a exemplo dos do Recife, metade é ilegal e que, juntos, retiram 10 metros cúbicos de água subterrânea por segundo, representando a quarta fonte mais importante de abastecimento da cidade, entre os oito sistemas hoje em operação.
Se por um problema de contaminação ou aumento do custo de extração essa fonte de abastecimento de água fosse perdida, a população ligada a essa rede fecharia seus poços e, imediatamente, migraria para a água da rede pública.
Essa migração de fonte de água poderia fazer com que o sistema de abastecimento da cidade, que atende hoje a população com 65 metros cúbicos de água superficial por segundo, entrasse em colapso, estimou Hirata.
“A segurança hídrica da cidade de São Paulo é frágil. É claro que a possibilidade de perder todos esses poços em um período curto de tempo, como o de um ano, é quase impossível. Mas existe uma fragilidade no sistema, porque não há políticas eficientes para águas subterrâneas na cidade, uma vez que elas não são vistas como uma fonte de abastecimento importante”, ressaltou Hirata.
Nesse sentido, a segurança hídrica da capital paulista e de outras cidades brasileiras, como Recife, está nas mãos de diversos usuários privados – os proprietários dos poços –, que, mesmo sendo ilegais, têm uma função importante porque diminuem a pressão por água do sistema de abastecimento principal, avaliou o pesquisador.
O papel desses atores no sistema de abastecimento de água das cidades brasileiras, no entanto, não está sendo avaliado corretamente, apontou. “A solução para o abastecimento de cidades como Recife e São Paulo não é esquecer a água subterrânea, mas somá-la às águas superficiais, porque são recursos muito complementares”, afirmou.
“Esse sistema integrado é uma das melhores estratégias que a própria natureza está dando para superarmos os problemas advindos das mudanças climáticas globais”, avaliou.
De acordo com o pesquisador, as águas subterrâneas representam o grande reservatório de água da Terra, sendo responsáveis por 95% da água doce e líquida do planeta, e são usadas por 2 a 3 bilhões de pessoas no mundo.
No Brasil, segundo ele, entre 35% e 45% da população utiliza água subterrânea e 75% dos municípios do Estado de São Paulo são abastecidos total ou parcialmente por essa fonte de água. “Apesar da importância desse recurso, ele não costuma frequentar, infelizmente, a agenda política dos órgãos decisores de gestão de recursos hídricos”, disse Hirata.