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Ações por improbidade administrativa diminuem 31,8% na pandemia

A baixa se dá durante a chefia do procurador-geral da República, Augusto Aras, e no momento em que o Congresso discute o afrouxamento da Lei de Improbidade

O procurador-geral da República, Augusto Aras. (José Cruz/Agência Brasil)

O procurador-geral da República, Augusto Aras. (José Cruz/Agência Brasil)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 31 de janeiro de 2021 às 13h00.

Última atualização em 31 de janeiro de 2021 às 13h03.

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou em 2020 o menor número de ações por improbidade administrativa em sete anos. Ao todo, foram 789 processos para investigar práticas que trouxeram prejuízos à administração pública - uma queda de 31,8% em relação a 2019. A baixa se dá durante a chefia do procurador-geral da República, Augusto Aras, e no momento em que o Congresso discute o afrouxamento da Lei de Improbidade.

Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmaram que a pandemia prejudicou o andamento das investigações no ano passado, mas outros fatores contribuíram com a tendência de queda, como o aumento da celebração de acordos. Do ponto de vista legal, a improbidade administrativa é entendida como toda conduta inadequada praticada por um agente público ou por pessoas ligadas a ele. O enriquecimento ilícito e a lesão ao patrimônio público por ação ou omissão são alguns dos exemplos enquadrados na lei.

Na pandemia do coronavírus não faltam exemplos de casos de improbidade administrativa. Além dos servidores que furaram a fila da vacinação, houve superfaturamento na compra de respiradores e até a omissão do poder público. “No ano passado, houve um prejuízo acima da média de outros processos, pois esse tipo de ação necessita de uma série de atos investigativos que são presenciais”, afirmou José Robalinho Cavalcanti, procurador regional da República e ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.

Para ele, a tendência de queda observada desde 2018 é fruto de um “amadurecimento” das forças-tarefa. “Os núcleos de combate à corrupção fizeram crescer o número de processos em um primeiro momento, mas chegou a uma estabilidade. Agora, há menos ações entrando e as que têm estão sendo enfrentadas e em processo de amadurecimento.”

O coordenador adjunto da Comissão de Assessoramento Permanente em Leniência e Colaboração Premiada da 5.ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, José Roberto Pimenta, afirmou que a redução no ano passado pode ter sido influenciada pela falta de regulação dos acordos de não persecução civil previstos no pacote anticrime. Esses acordos propõem uma solução consensual às demandas por atos de improbidade - em vez de uma ação, há uma negociação.

“A regulamentação só veio em novembro de 2020. Até esse momento, acredito que os procuradores preferiram aguardar uma definição antes de ajuizar ações ou propor acordos.” Segundo ele, uma situação parecida ocorreu em 2014, com a demora na regulamentação da Lei Anticorrupção. “Ficou uma zona de intensa incerteza sobre a aplicação da lei, se seria compatível ou não com a Lei de Improbidade. Sem esquecer a ausência de regulamento sobre o compliance”, disse Pimenta.

Procurador de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu citou a celebração de acordos como um dos fatores para explicar a queda no número de ações ajuizadas pelo MPF. “Depois de 2013, começa a se sedimentar na nossa cultura jurídica um direito cada vez mais forte no campo consensual. Os acordos de não persecução civil são um fenômeno novo, mas estão sendo introduzidos no dia a dia do trabalho do Ministério Público. E os acordos de leniência também têm se tornado uma realidade cotidiana.”

‘Respaldo’

Outra justificativa mencionada por Livianu é o fato de muitos procuradores relatarem não haver mais o mesmo nível de “respaldo” para tocar ações de improbidade desde a gestão de Raquel Dodge. “Na atual gestão (de Augusto Aras), a tendência é que esse número piore muito, pois não há uma postura de independência.

Quando o procurador-geral da República declara publicamente que os desvios da cúpula do poder são assuntos do Legislativo, qual sinalização ele está dando aos membros do MP?”

As ações são ajuizadas pelos Ministérios Públicos Federais nos Estados, já que a Procuradoria-Geral da República não ajuíza ação por improbidade.

A Lei de Abuso de Autoridade, que entrou em vigor em janeiro do ano passado, também explica o cenário, disse Livianu: “É uma lei afrontosa à Constituição e que compromete a independência judicial. A insegurança jurídica de alguns dispositivos contidos na lei pode ter contribuído para a menor propositura de ações”.

Projeto

Em tramitação no Congresso, o projeto de lei do deputado Roberto Lucena (Podemos-SP) quer limitar ao Ministério Público o direito de entrar com ações de improbidade. Hoje, qualquer ente público lesado tem esse direito. A Advocacia-Geral da União é um deles e só no ano passado, ajuizou 52 ações, com valor de ressarcimento postulado de R$ 2,2 bilhões.

Fabrizio Pieroni, presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp), considera a mudança um retrocesso no combate à corrupção. “O MP é um órgão externo da administração pública. Já a advocacia pública está dentro dela, conhece seus meandros e tem autonomia para atuar. Tirar a nossa legitimidade de interpor ação é enfraquecer o combate à corrupção, já que você tira de jogo aquele que está mais próximo dela.”

Para Welington Arruda, especialista em Gestão Pública e Governamental pela Escola Paulista de Direito, a exclusividade ao MP enfraquece órgãos que têm papel fundamental no combate à corrupção, como as Procuradorias e os órgãos correcionais.

Procurada, a PGR afirmou que a explicação sobre a redução de ações de improbidade cabe aos procuradores da República nos Estados. Lucena não respondeu à reportagem.

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