EXAME Agro

Apoio:

LOGO TIM 500X313

Rastreabilidade da carne: por que esse assunto deveria interessar à sociedade

Cadeia produtiva, bancos e governo questionam modelo tradicional de pecuária para haver mais transparência e menos desmatamentos

Fazenda de pecuária: Rastreabilidade pode colocar Brasil como referência em agropecuária sustentável (Germano Lüders/Exame)

Fazenda de pecuária: Rastreabilidade pode colocar Brasil como referência em agropecuária sustentável (Germano Lüders/Exame)

Mariana Grilli
Mariana Grilli

Repórter de Agro

Publicado em 28 de abril de 2023 às 13h08.

Em evento realizado em São Paulo, nesta quinta-feira, 27, diferentes atores da produção pecuária se juntaram para discutir os rumos da atividade no Brasil. Produtores, indústria, sociedade, banco e governo questionaram o modelo tradicional de pecuária por diferentes prismas, como rastreabilidade, crédito e diminuição das emissões de gases de efeito estufa. Uma força-tarefa para a cadeia rever sua forma de produção em meio ao seguinte contexto: o posicionamento do Brasil como maior exportador de carne bovina em meio à pressão sobre o fim do desmatamento e o avanço da crise climática.

Na ocasião, foi reforçado o quanto a rastreabilidade, da origem animal até o prato do consumidor, precisa ser resolvida. E é urgente.

Amazônia: 2% dos imóveis desmatam mais de 60%

O segundo semestre de 2022 registrou o maior número de desmatamento dos últimos 10 anos na Amazônia, o que significa supressão de cerca de sete mil quilômetros quadrados. Por outro lado, 85% dos imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) no bioma não apresentam desmatamento, nem legal nem ilegal. Os dados foram apresentados por João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente.

“O que ocorre é que, dos outros 15%, 2/3 desse desmatamento está concentrado em 2% dos imóveis rurais na Amazônia. Não é um desmatamento generalizado. Portanto, é muito factível uma ação bem planejada, tanto no sentido de coibição, quando for ilegal, como ação de convencimento e oferta de alternativas e valorização do patrimônio para que esses proprietários reconheçam a potência da preservação de seus imóveis”, afirmou o secretário.

Para isso, um trabalho em conjunto com o Ministério da Agricultura, da Indústria e Comércio, entre outras pastas, está sendo articulado. Carlos Fávaro, ministro da Agricultura, afirma que estruturar a rastreabilidade é uma das prioridades do governo.

“Ela é fundamental para separar quem produz com sustentabilidade daqueles poucos que não têm esse interesse, mas prejudicam o setor. A imagem no exterior decorre exatamente de uma minoria que prejudica todo o segmento. É urgente separar o joio do trigo”, disse.

Exigência dos consumidores

O desmatamento é responsável por 49% das emissões brutas de gases de efeito estufa no Brasil, o que tem comprometido a imagem do país no exterior.

Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade da Marfrig, destaca que o questionamento sobre a origem do alimento é pauta no Parlamento Europeu. “Se o País não atender a essas demandas com dados e transparência, nenhuma narrativa vai colar”, afirmou. E se o grande importador brasileiro é a China, também há contas para se prestar. “A gente fala que o grande mercado é Ásia, China, mas também já estão discutindo essas questões. Isso causa pressão nos preços globais, então é uma questão econômica”, disse Pianez.

Quem também deu o tom de urgência perante os mercados que importam a carne nacional foi Jorge Viana, presidente Apex. Ele esteve com o presidente Lula em comitiva na Europa e afirmou que a “imagem do Brasil no exterior está destruída e precisamos retomá-la”.

Com a nova agenda do governo, segundo ele, há confiança em retomar a credibilidade dos importadores. “E se for concretizado o acordo entre União Europeia e Mercosul, isso muda a geopolítica do mundo”, disse Viana, cuja carreira também soma experiência como relator do Código Florestal em 2011.

Liderar a agenda de descabornização agro

Para Izabela Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e co-chair do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU, o Brasil precisa sair do papel reativo e assumir a liderança na agenda de descarbonização da agropecuária, por ser “o país que mais produz vida no Planeta”.

“O agro brasileiro foi estratégico quando, há 50 anos, passou a produzir alimentos. Agora, precisamos ser novamente estratégicos em como produzir com alinhamento ambiental”, afirmou Teixeira.

Se souber unir responsabilidade ambiental com produtividade, Izabela dá uma perspectiva positiva de como o Brasil pode contribuir com a agropecuária na América do Sul e África. “Se assumirmos este papel, cria-se uma relação de poder muito interessante do ponto de vista geopolítico, porque é o Hemisfério Sul que detém a riqueza ambiental”, diise.

Rastreabilidade na prática

Com uma receita líquida de R$ 130 bilhões em 2022, a Marfrig foi mencionada por João Paulo Capobianco, do Meio Ambiente, como um possível exemplo de rastreabilidade da cadeia da carne. Isso porque o frigorífico afirma ter 100% dos seus fornecedores diretos e 70% dos indiretos rastreados. A base total de fornecedores é de 30 mil pecuaristas.

“Cerca de 25% dessa base eram produtores que a gente bloqueava por não estarem em conformidade. Mas não é inteligente nenhum mecanismo de exclusão. Para onde ia esse gado? Para outro frigorifico. Então, em vez de excluí-lo, a ideia é o que fazer para apoiá-lo a fazer regularização ambiental e fundiária”, disse Paulo Pianez, da Mafrig.

O resultado é que, de 2021 até março de 2023, foram regularizados cerca de três mil produtores, tornando-os parte de uma cadeia mais transparente.

Para isso, a empresa tem cruzado uma série de dados, como Cadastro Ambiental Rural, imagens geoespaciais e a Guia de Transporte Animal, para saber a origem da carne.

A proposta é que este modelo seja compartilhado com o governo federal para ganhar escala e dar lastro para qualquer questionamento que venha, seja dos consumidores brasileiros ou do mercado externo.

Na perspectiva do governo federal, replicar este modelo de estrutura de rastreabilidade é um trabalho árduo, mas não tão longe de ser feito. Para Capobianco, o Brasil precisa utilizar estes mesmos dados para oferecer segurança para os grandes importadores. “Com isso, daremos uma resposta segura e consistente mostrando que o Brasil hoje tem uma ação objetiva que é capaz de produzir com sustentabilidade, abastecer mercados interno e externo”, afirmou.

Acompanhe tudo sobre:AgronegócioAgropecuáriaExame-Agro

Mais de EXAME Agro

Depois de dois trimestres seguidos de alta, pedidos de recuperação judicial no agro recuam no 3º tri

Exportação de café do Brasil bate recorde de volume e receita em outubro

Indústria e centro tecnológico: os planos da Bahia para se tornar a nova fronteira do agro nacional

Agricultores dos EUA estão preocupados com perspectiva de aumento de tarifas em novo governo Trump