Carne bovina: China comprou 1,52 milhões da proteína brasileira de janeiro a novembro deste ano (AAron Ontiveroz/MediaNews Group/The Denver Post/Getty Images)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 29 de dezembro de 2025 às 17h17.
Última atualização em 29 de dezembro de 2025 às 17h36.
O setor de carne bovina brasileiro está em alerta com a China. O motivo é que o país asiático deve anunciar, nos próximos dias, medidas de salvaguarda contra a proteína brasileira, afetando diretamente um de seus principais fornecedores globais. A principal preocupação é a possível imposição de cotas de importação sobre o produto vindo do Brasil.
A expectativa de fontes ligadas ao Planalto e de pessoas a par do assunto era de que a China anunciasse, no dia 26 de dezembro, o resultado da investigação sobre as importações de carne bovina.
No fim de 2024, a China abriu uma investigação para avaliar o impacto das importações de carne bovina no mercado doméstico. O processo cobre o período de 1º de janeiro de 2019 a 30 de junho de 2024, segundo comunicado oficial.
O clima entre os agentes do setor é de apreensão. A indústria brasileira acompanha o cenário com preocupação, em função do impacto potencial sobre a pecuária de corte, afirma Fernando Iglesias, analista da Safras & Mercado.
"Trata-se de um volume muito difícil de ser redirecionado para outros mercados. Absorver algo como 500 mil toneladas adicionais fora da China seria extremamente desafiador e representaria um problema relevante para a indústria brasileira", afirma.
De janeiro a novembro de 2025, o Brasil exportou 3,15 milhões de toneladas de carne bovina, gerando uma receita de US$ 16,18 bilhões. Desse total, 1,52 milhões de toneladas foram para a China, representando 48,3% do volume total embarcado e 49,9% da receita do setor no acumulado do ano, mostram dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).
O pedido de investigação atendeu a uma solicitação da Associação Chinesa de Agricultura Animal (CAAA), que representa os interesses do setor local.
A entidade argumenta que o aumento das importações de carne bovina tem causado prejuízos significativos à indústria chinesa de carne bovina, com uma relação direta entre o crescimento das compras externas e a deterioração da saúde financeira do setor.
"Há, inclusive, quem defenda que o Brasil recorra à chamada lei da reciprocidade, adotando medidas sobre produtos chineses, como veículos elétricos. Ainda assim, a avaliação predominante é que qualquer restrição adicional por parte da China seria bastante problemática para o setor", diz Iglesias.
A indústria chinesa de carne bovina enfrenta forte pressão desde 2023, atribuída principalmente ao aumento das importações, não apenas do Brasil, mas também da Argentina, Uruguai e Austrália.
Criadores de gado, associações setoriais e especialistas afirmam que a presença crescente da carne estrangeira no mercado doméstico tem comprimido as margens de lucro, gerado prejuízos generalizados e ameaçado a sustentabilidade da cadeia produtiva local, segundo reportagem do jornal chinês Global Times.
Diante desse cenário, representantes do setor defendem a adoção imediata de medidas de salvaguarda até o fim de 2025, para estabilizar o mercado e proteger a renda dos produtores locais.
Segundo Liu Qiangde, vice-secretário-geral da Associação Chinesa de Agricultura Animal (CAAA), o setor de criação de bovinos acumula perdas desde 2023, na maioria em função ao crescimento das importações.
“Muitos criadores foram forçados a abater vacas reprodutoras para reduzir custos”, disse Liu em entrevista ao jornal.
Criadores relatam que, com o avanço da carne importada, os preços dos bezerros caíram, reduzindo drasticamente a rentabilidade da criação de matrizes.
Um produtor da região de Tacheng, em Xinjiang, afirmou ao jornal que, após uma breve recuperação no início de 2025, os preços voltaram a cair rapidamente, com bezerras vendidas entre 3.000 e 4.000 yuans (cerca de R$ 3 mil a R$ 4 mil).
O aumento dos custos de alimentação antes do inverno agravou ainda mais o quadro, levando muitos pecuaristas a tentar vender os animais sem sucesso, em razão dos preços baixos.
“Alguns perderam a confiança no mercado, deixaram de repor o rebanho e aceleraram a redução do plantel”, disse o produtor, defendendo a adoção urgente de medidas de proteção.
Nos últimos anos, as importações chinesas de carne bovina cresceram de forma expressiva, com alta acumulada de 73,2% entre 2019 e 2024. Nesse período, os preços da carne importada chegaram a ficar mais de 50% abaixo dos praticados no mercado interno, diz a CAAA.
Segundo a entidade, o número de vacas reprodutoras no país caiu 3% em 2024. Já as empresas de abate domésticas relataram prejuízos de 500 a 1.000 yuans (aproximadamente R$ 400 a R$ 800) por cabeça abatida.