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(Gabriel Jabur/Agência Brasília/Fotos Públicas)
Repórter de Agro
Publicado em 8 de março de 2023 às 18h50.
“Hoje, quem financia a agricultura brasileira não é o governo, é o mercado”.
Essa avaliação é de Antonio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), onde acontece a Expodireto Cotrijal. Pelos corredores da feira, é isso que se percebe. Mesmo sem saber quais serão os recursos disponibilizados pelo Plano Safra, o financiamento do calendário agrícola continua a todo vapor, com alternativas independentes às linhas disponibilizadas pelo dinheiro público.
Parte dos produtores de soja ainda aguarda o amadurecimento do grão para a colheita que deve acontecer até abril, principalmente para variedades tardias, isto é, plantadas mais tarde ou de ciclo mais longo. Mas enquanto um olho está na safra 2022/2023, o outro está no preparativo da safra de verão 2023/2024.
Preparo do solo, compra de insumos e toda a gestão pré-plantio são decisões a serem tomadas até o começo do segundo trimestre, mesmo que isso signifique não contar com os recursos do Plano Safra, principalmente no caso da agricultura empresarial de larga escala.
De acordo com o Ministério da Agricultura, a liberação do crédito rural chegou a R$ 239,4 bilhões no Plano Safra 2022/2023, no período de julho/2022 até fevereiro/2023, entre linhas de custeio, investimento e comercialização e industrialização.
Mas não parece o suficiente, vide o pedido de entidades do setor agropecuário do Paraná para que o recurso público de 2023/2024 seja de R$ 403 bilhões.
“Quem financia a agricultura de fato são bancos, cooperativas de crédito e mercado de capitais. O Plano Safra é pequeno (...) Hoje, ele é mais importante para os políticos do que para produtores”, diz Antonio da Luz.
O economista-chefe da Farsul diz que a agropecuária passou “a se desacoplar” do Plano Safra em meados de 2010, a partir da criação da liberação de recursos livres, como a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA). Com os prazos de pagamento condicionados ao calendário-safra, o produtor consegue acessar ao insumo, gerar uma Cédula do Produtor Rural (CPR) e pagar mediante a colheita.
Por isso, ele vê que a política pública do Plano Safra “tem que ser recalibrada para o século 21”.
Isso significa mudar a lógica de financiamento para aportes em seguro rural e garantias de operações estruturadas de crédito, um modo de dar mais confiança no momento da tomada de juros mais baratos.
“Toda vez que revendas de insumos, cooperativas e tradings dão um prazo safra para o produtor, esse negócio vai ser sequenciado na Faria Lima, vai virar um CRA [Certificado de Recebíveis do Agronegócio] e vai ser jogado no mercado de capitais”, esclarece Antonio.
Um dos exemplos é a Cresol. No fim do ano passado, a cooperativa de crédito levantou R$ 250 milhões em CRAs para ampliar linhas de custeio e reforçar apoio à agricultura familiar, que corresponde a cerca de 80% dos clientes. É o mercado de capitais financiando o setor, independentemente do tamanho da área produtiva.
“O produtor se vê com perda de rentabilidade no meio da safra, por isso procura a renegociação de dívidas. Uma das alternativas é prolongar o prazo dentro do calendário-safra. Temos linhas emergenciais com um ano para começar a pagar e parcelamento entre quatro safras, com taxa de 14% ao ano. Praticamente na taxa de mercado, o que é acima dos 5% do Pronaf, mas traz mais flexibilidade e previsibilidade ao produtor”, conta Ademir Baccin, da Cresol.
Além do mercado de capitais, as transações de recursos financeiros e insumos também estão atreladas ao blockchain no campo. É o exemplo do criptoativo da Cibra Fertilizantes, um token que possibilita ao empresário rural adquirir o fertilizante físico através de um ativo digital, numa paridade de um token para um quilo de fertilizante.
Diante da volatilidade de preços e a incerteza quanto ao Plano Safra, a proposta da empresa é uma relação de troca. Foram comercializados R$ 1,3 milhão da moeda digital, desde o lançamento no ano passado, mas ainda nenhum resgate do fertilizante. Isso porque a troca do criptoativo pelo adubo só é feito a partir de 15 toneladas, volume negociado dentro da porteira de grandes propriedades.
“Não é um derivativo de preços, porque o Cibracoin vale o preço do fertilizante do porto, mas é possível comprá-lo e fixar o preço. Mesmo sem atingir o volume mínimo, o produtor pode vender a moeda, continuar capitalizado e faz esse ativo rodar no mercado”, diz Gonzalo Bazan, especialista em criptoativos da Cibra.
A quebra de safra no Rio Grande do Sul, principalmente de milho, causou receio pelo risco de produtores não conseguirem arcar com os compromissos financeiros. A alternativa é renegociar dívidas. Ano passado, diz Antonio da Luz, da Farsul, os bancos renegociaram cerca de 15% da carteira agro no estado -- porcentagem que deve se manter na atual safra.
Apesar do índice, o economista ressalta que a taxa de inadimplência no agro é a mais baixa dentre todas as taxas do Brasil. Além disso, com o mercado financiando a agropecuária, um processo recorrente de renegociação de dívidas afasta o investidor. Por isso, a lógica é que o produtor cumpra os prazos a fim de manter o crédito para a lavoura.
“Tem muita coisa em jogo, pois a propriedade é colocada como garantia. Ele perde o patrimônio e o negócio numa tacada só. Por isso, o produtor performa e os juros são mais baixos, não tem mais nada a ver com governo”, diz o economista-chefe da Farsul.