OPINIÃO Crédito rural no Brasil: uma breve história de amadurecimento
Em artigo, Bernardo Fabiani, CEO da startup TerraMagna, escreve que o desenvolvimento da agricultura brasileira dependerá cada vez menos da ação direta do Estado e cada vez mais da economia de mercado
Da Redação
Publicado em 14 de abril de 2022 às 13h14.
Última atualização em 14 de abril de 2022 às 13h15.
Por Bernardo Fabiani
Embora diversas atividades econômicas sejam intensivas em capital, poucas têm uma cadeia de valor tão extensa, complexa e opaca como a agricultura, iniciando-se no exterior com a produção da maior parcela de defensivos e fertilizantes - hoje, mais de 70% desses insumos são importados - e acabando no consumo interno ou, em grande parte, com a exportação da produção.
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Se hoje esse motor da economia funciona bem-afinado e representa um salvo-conduto econômico para o País em cenários adversos devido à sua competitividade internacional e baixa correlação com setores como indústria e consumo internos, pode-se acabar negligenciando o milagre - ou, mais apropriadamente, o projeto e execução incríveis de um projeto de Estado - que permitiu a criação e sustentação dessa cadeia produtiva. Esse motor, hoje bem-afinado, teve de um dia ser projetado e ter sua primeira rotação.
A saída da inércia é mais custosa do que a manutenção do movimento. Embora pesquisa e extensão públicas - por meio da Embrapa e da Embrater - tenham permitido que lavouras em solos tropicais fossem viáveis economicamente em regime estacionário, o investimento necessário para que essas primeiras rotações do motor fossem feitas seria proibitivo para iniciativa privada.
Não coincidentemente, o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) foi criado em 1965 para sustentar a expansão - tanto em área quanto em produtividade - da agricultura brasileira. Com subsídios reduzindo o custo do crédito de forma compatível com o risco da atividade e a tecnologia desenvolvida para agricultura tropical, nossos pioneiros puderam constituir suas lavouras - nossas primeiras rotações do motor, a partir da inércia - e aumentar sua produtividade ao longo do tempo - o motor gira mais rápido, com um eixo melhor alinhado.
Evidência desses dois fatores são o aumento da produção de grãos de 38 milhões de toneladas para 268 milhões de toneladas nos últimos 50 anos. A esse aumento de mais de 600% na produção, correspondeu apenas um incremento de área plantada de 130% - isto é, nossa produtividade cresceu mais do que triplicou durante o desenvolvimento da agricultura moderna no Brasil.
Apesar de esse motor ter sido colocado em movimento com recursos públicos - para pesquisa, para extensão, para equalização de juros, para seguros, para cumprimento de preços mínimos - a continuidade da história de vitória da agricultura brasileira dependerá cada vez menos da ação direta do Estado e cada vez mais da economia de mercado.
Hoje, não apenas o setor tornou-se demasiadamente grande para ser completamente atendido por recursos públicos como também desenvolveu a robustez necessária para buscar independentemente os recursos de que necessita. Observamos isso recentemente com o término precoce dos recursos do Tesouro para equalização de taxas por conta do deslocamento da SELIC - e com o fato de que, independentemente disso, a agricultura não parou.
As cadeias de valor construídas em cima de cada pedaço desse nosso chão - fertilizantes, defensivos agrícolas, maquinário, exportação - hoje já representam uma parcela significativa do financiamento ao custeio da agricultura e têm a solidez, sofisticação, capacidade e interesse em manter esse motor em funcionamento.
Finalmente, embora hoje os recursos para financiamento da agricultura estejam sendo paulatinamente deslocados para iniciativa privada - qualquer a fonte do passivo - o balanço de multinacionais, o bolso do poupador ou o mercado financeiro - o Estado continua contribuindo para o financiamento do setor em papéis de altíssima alavancagem, tal como no regulatório e o subsídio a prêmios de seguros.
A exemplo, a Lei Nº13.986/2020 trouxe-nos novos instrumentos de crédito e de garantias, previsão de extraconcursionalidade e a obrigatoriedade de registro digital de Cédulas de Produto Rural (CPRs), permitindo tanto a aferição do estoque desse ativo (R$130B, 2021) quanto trazendo mais segurança para o processo de concessão de crédito; a Lei Nº 14.130/2021 trouxe-nos os FIAgros, cujas primeiras emissões já foram vistas e que tornarão o mercado de capitais uma alternativa de financiamento para o agronegócio análogo àquele que existe para o mercado imobiliário (com R$128B de FIIs listados em 2021).
Com isso, seja na cadeia de insumos, no mercado financeiro, de capitais ou no Estado, a agricultura tem hoje os parceiros que continuarão a municiá-la com recursos para continuar essa história de vitórias começada 50 anos atrás - e de cuja continuidade a segurança alimentar do mundo dependerá nos próximos 50.
Bernardo Fabiani é especialista em concessão de crédito para o agronegócio e CEO da startup TerraMagna,considerada uma das maiores fintechs voltadas ao agronegócio na América Latina.