Exame Logo

Governo resgata uso de 'filtros' para conter avanço da 'grilagem digital'

Com a troca de gestão, uma espécie de "malha fina" da pasta por meio do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) identificou as fazendas registradas dentro de terras indígenas

Os responsáveis pelos imóveis foram notificados para ajustes e esclarecimentos (Rogério Assis - ISA/Divulgação)
Estadão Conteúdo

Agência de notícias

Publicado em 2 de abril de 2023 às 14h12.

Após a reportagem do Estadão mostrar como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) é usado para grilagem de terras na Amazônia, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que, desde o início do atual governo, vem colocando "travas" no sistema para impedir que ele seja usado para roubo de terras indígenas e da União.

Com a troca de gestão, uma espécie de "malha fina" da pasta por meio do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) identificou as fazendas registradas dentro de terras indígenas, como aquelas mostradas pela reportagem, e alterou os respectivos cadastros para "pendentes".

Veja também

Os responsáveis pelos imóveis foram notificados para ajustes e esclarecimentos. Caso não sejam corrigidos no sistema, os cadastros serão suspensos ou cancelados.

A pasta também informou que, nos primeiros dias de governo, o CAR foi reprogramado para impedir novos cadastros em áreas de comunidades tradicionais. Com isso, não é possível a inscrição de fazendas com flagrante sobreposição a terras indígenas.

Segundo o ministério, nenhuma nova instrução normativa foi baixada para que tais travas fossem impostas. A nova gestão apenas aplicou as regras que já existiam no papel desde o governo anterior, proibindo que áreas indígenas fossem formalizadas no CAR como propriedades particulares.

Maior que o rio

Considerando todos os tipos de terras indígenas, inclusive as já homologadas, o governo detectou 17.887 imóveis irregulares. Eles tomam mais de 4,9 milhões de hectares reservados aos povos nativos. A soma dessas áreas griladas é maior que os Estados do Rio ou do Espírito Santo, por exemplo.

"Esses 17,8 mil imóveis são 0,26% dos 6,8 milhões de imóveis do Cadastro Ambiental Rural de todo o País. É um grupo pequeno de infratores no universo do CAR e nós pegamos esses", disse o diretor-geral do SFB, responsável pelo CAR, Garo Joseph Batmanian.

Ele avalia como ilegal o interesse em tentar dar valor fundiário de posse, à documentação gerada pelo sistema. "A lei diz que o CAR não tem valor fundiário. Se alguém usa indevidamente e outro aceita indevidamente, está errado. É um instrumento de gestão de floresta que está dentro do Código Florestal", afirmou.

Segundo o diretor, as medidas do atual governo para vedar novas sobreposições e classificar como pendentes os registros que já estão dentro de terras indígenas são resultado apenas dos efeitos de regras já em vigor. "Não é um ato novo, colocamos um filtro que deveria ter", disse.

Batmanian defende o cadastro como ferramenta de gestão ambiental sem o valor fundiário que grileiros tentam dar ao CAR. O sistema, criado a partir do Código Florestal, serve para que donos de terra informem, entre outras coisas, quais são as áreas de proteção e de produção dentro de suas cercas. Com isso, o poder público mapeia zonas verdes que precisam permanecer intactas, por exemplo.

O diretor reconhece que existem casos de mau uso do sistema, que é autodeclaratório, e avalia que travas como as agora impostas pelo novo governo vão afastar criminosos: "Se a gente começa a pegar terras indígenas e coisas assim, o cara começa a pensar duas vezes: 'eu não vou tentar apresentar um cadastro grilado em terra indígena porque já sei que o sistema está pegando'. Continua sendo autodeclaratório, mas ele não vai declarar, pois o filtro existe e está funcionando".

Mapeamento

Criado em 2012, o CAR se propõe a mapear, a partir da autodeclaração dos proprietários, as características ambientais dos imóveis rurais do País. Cada dono de terra informa, por exemplo, nascentes, áreas de proteção e para criação de gado e lavoura.

Apesar de não ter valor fundiário, a reportagem mostrou que grileiros se aproveitam da demora para que órgãos ambientais avaliem os cadastros. Com isso, conseguem obter financiamentos e gerar guias de transporte de gado. Além disso, como as projeções das fazendas ficam públicas, o CAR serve para que quadrilhas sinalizem a outros grupos de grileiros as áreas que controlam.

No governo de Jair Bolsonaro, o SFB foi transferido do Ministério do Meio Ambiente para o da Agricultura, o que motivou críticas de ambientalistas e queixas sobre a falta de controle de invasões. Na nova gestão Lula, o serviço voltou para a pasta do Meio Ambiente.

Acompanhe tudo sobre:Meio ambienteExame-Agro

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de EXAME Agro

Mais na Exame