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Conciliar proteção ambiental e produção agropecuária depende de maior transparência pública

Avanço pode ocorrer em quatro frentes principais, incluindo maior uso de dados públicos

Trecho de floresta no Pará (Leandro Fonseca/Exame)
Marina Piatto

diretora executiva do Imaflora

Publicado em 20 de maio de 2024 às 13h40.

Por Marina Piatto, Bruno Vello, Ana Paula Valdiones e Marcondes Coelho*

Nos últimos anos, o Brasil tem assistido a uma ampliação de iniciativas de uso de dados públicos para a geração de diagnósticos e orientação da tomada de decisão na área ambiental. Iniciativas como o Termômetro do Código Florestal, a Plataforma Tamo de Olho e o Mapbiomas Alerta cruzam dados públicos (no último caso, também imagens de satélite) e geram conhecimento capaz de subsidiar ações de controle social sobre a implementação do código florestal, proteção de direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais e medidas de comando e controle para combate ao desmatamento e à grilagem de terras.

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O cancelamento de cadastros rurais sobrepostos a territórios protegidos, iniciado em alguns estados e transformado em meta na 5ª fase do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), e o bloqueio de solicitações de crédito em imóveis rurais realizado pelo BNDES são alguns resultados concretos gerados a partir dessas iniciativas em 2023.

Apesar de avanços relevantes, o potencial de contribuição da transparência e abertura de dados públicos com a agenda ambiental ainda pode ser fortalecido. Isso depende de ações concertadas entre órgãos públicos, organizações da sociedade civil e setor privado em pelo menos quatro frentes.

A primeira é o maior uso de dados públicos para estimular práticas sustentáveis. Apesar da atividade estar consolidada para o controle ambiental, ainda há considerável espaço para o desenvolvimento de iniciativas que utilizem dados públicos para promover uma produção agropecuária sustentável. O Código Florestal, além de estabelecer regras de preservação da vegetação nativa em imóveis rurais, traz instrumentos econômicos voltados a estimular a conciliação entre produção e proteção, tais como o Pagamento por Serviços Ambientais e as Cotas de Reserva Ambiental.

Analisar dados públicos e geográficos nessa frente podem impulsionar os mecanismos de incentivo, como o direcionamento de recursos para proprietários com excedente de vegetação nativa. Outro exemplo é a Plataforma AgroBrasil+ Sustentável, em desenvolvimento pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, que promete disponibilizar informações adicionais aos dados do Código Florestal para identificar imóveis rurais com práticas agropecuárias sustentáveis, atraindo mais incentivos públicos e privados.

A segunda frente de desenvolvimento envolve ter uma maior disponibilidade de dados públicos. O Brasil já possui uma quantidade significativa de dados ambientais públicos abertos. Mas ampliar os dados disponíveis pode fortalecer as agendas de controle ambiental e incentivos à conservação. Um dos principais desafios para isso tem sido a necessidade de amadurecimento da compatibilidade entre a Lei de Acesso à Informação e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Desde sua entrada em vigor em 2020, a LGPD tem gerado dúvidas e reticências sobre quais dados devem ser de acesso público e quais devem se manter sigilosos. Isso ocorre, por exemplo, nos debates quanto à maior abertura dos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e da Guia de Trânsito Animal (GTA) - esta última completamente bloqueada -, apesar de seu potencial para gerar maior transparência sobre a adesão da cadeia da pecuária à legislação socioambiental.

Avanços recentes nessa frente foram realizados com a disponibilização pública, em 2023, de informações sobre propriedades embargadas por desmatamento pelo Ibama e pelo ICMBio e podem servir para enriquecer esse debate. Na agenda de estímulos, ainda é marcante a escassez de dados públicos sobre produtos da sociobiodiversidade. A maior geração de dados desse tipo, a partir de iniciativas como o Painel da Floresta, tem o potencial de impulsionar a estruturação das cadeias desses produtos, cujo manejo contribui para a manutenção da floresta em pé.

Existe ainda um esforço para viabilizar maior acessibilidade e qualidade dos dados já abertos, levando para a terceira frente. Há uma trilha a ser percorrida de aprimoramento das condições de acesso a esses dados. Melhores formatos, catalogação e descrição dos dados disponibilizados são questões importantes para ampliar o público capaz de utilizá-los. Tais questões podem ser equacionadas a partir de iniciativas que promovam o uso e reuso de dados abertos. Um bom exemplo é o diálogo entre gestores de dados públicos e usuários promovido pelo Ibama no âmbito do 5º Plano Nacional de Governo Aberto em 2022. Esse momento resultou em um plano de ação para melhorar a acessibilidade de diversas bases de dados do Instituto em 2023, com algumas mudanças positivas já realizadas.

Com inúmeras bases de dados disponíveis, a quarta frente trata de proporcionar uma maior integração entre essas informações. Alguns dos dados que permitem a elaboração de diagnósticos socioambientais são gerados pelos estados e então integrados em sistemas nacionais. Um exemplo é o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor). Nesse caso, porém, a integração ainda não ocorre de maneira completa e é possível identificar gargalos importantes, como a falta de informações sobre autorizações de supressão da vegetação no estado da Bahia. A integração incompleta entre dados gerados pelos estados inviabiliza a diferenciação entre o que se identifica como desmatamento autorizado e não autorizado no Brasil, reduzindo a efetividade de políticas socioambientais e comprometendo iniciativas do setor privado para a comercialização de produtos livres de desmatamento.

Esse movimento apresentado pelo Brasil é parte de um contexto global de ampliação da produção e uso de dados públicos que tem estimulado a organização de infraestruturas públicas digitais. As quatro frentes apresentadas neste texto indicam caminhos para o aprofundamento desta agenda na interface entre produção agropecuária e proteção ambiental. A maior organização dos dados em termos administrativos e técnicos, a garantia de sua acessibilidade e transparência e a maior atenção ao desenvolvimento de iniciativas transversais como a Política de Dados Abertos do Executivo Federal são fatores que permitirão ao Brasil trilhar esses caminhos e gerar impactos positivos sobre a economia, sociedade e meio ambiente.

* Marina Piatto é diretora executiva do Imaflora, Bruno Vello é analista de Políticas Públicas do Imaflora, Ana Paula Valdiones é pesquisadora associada do Instituto Centro de Vida (ICV) e Marcondes Coelho é analista socioambiental do ICV

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