Como a covid afeta o agro: alta no preço dos fertilizantes chega a 200%
Brasil depende de importações no setor; com a pandemia, a China decidiu restringir vendas externas e produção na Europa sofre os efeitos da crise energética
Carla Aranha
Publicado em 1 de dezembro de 2021 às 06h00.
Última atualização em 2 de dezembro de 2021 às 10h03.
Ao longo dos últimos dias, milhares de agricultores brasileiros acompanham as notícias sobre a pandemia com atenção redobrada. O surgimento da variante Ômicron, na África do Sul, e os riscos que ela pode trazer para os países viraram assunto nas grandes fazendas e nas associações de produtores rurais. “A possibilidade de uma nova fase de distanciamento social acende a luz amarela no agro brasileiro com temor da volta de entraves logísticos no portos", explica Guilherme Bellotti, gerente de Consultoria Agro do Itaú BBA.
Uma das maiores preocupações diz respeito a novos impactos nas cadeias globais de abastecimento, que entraram em pane no ano passado. Nos principais portos do mundo, contêineres ficaram presos nos pátios esperando um embarque que nunca chegava. Com o abrandamento dos surtos de covid, a situação começou a entrar novamente nos eixos, sem nunca se recuperar totalmente. No agronegócio, cargas de produtos que rodam o mundo, como fertilizantes e defensivos agrícolas, passaram a levar meses para chegar ao destino final.
E não foi só isso. Com a retomada econômica nos países ricos e em desenvolvimento, veio a crise energética, pois a produção de petróleo, reduzida em função da queda na demanda em 2020 e a transição para energias limpas, não deu conta de suprir as novas necessidades mundiais. A opção foi o gás natural, cujo preço, pressionado por uma forte procura, foi às alturas – na Europa, o aumento chegou a 1.000% só neste ano.
Produtores de fertilizantes à base de nitrogênio, cuja fabricação depende de grandes quantidades de gás natural, acusaram logo o baque. A inflação desse tipo de insumo bateu fácil na casa dos 200% ao longo do ano, acompanhados pelos fosfatados (aumento de 220%).
A fabricação de amônia, usada na composição do produto, também foi fortemente impactada, com empresas como a Yara anunciando a redução de 40% de sua capacidade na Europa, enquanto a CF Industries decidiu fechar duas fábricas no Reino Unido.
Ao mesmo tempo, países como a China, um dos maiores fornecedores mundiais de fertilizantes, decidiram estocar o produto para se defender da alta dos preços. “Hoje, os agricultores brasileiros já estão esperando 90 dias ou mais para receber insumos utilizados na lavoura, quando antes da pandemia levava em média um mês”, diz Christian Lohbauer, presidente da CropLife Brasil, entidade que reúne 48 grandes empresas do segmento de sementes e defensivos agrícolas. “E o pior nem é isso, mas sim o grande aumento dos preços”.
O potássio, uma das matérias-primas essenciais dos fertilizantes, já subiu 176%, segundo a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), seguida pela ureia (aumento de 130%) e outros insumos. O herbicida glifosato acompanhou a inflação do setor, com uma alta de 150%. “A crise energética, a falta de contêineres e o aumento súbito da demanda explicam esse salto”, diz Reginaldo Minaré, diretor técnico adjunto da CNA. “Há risco também de desabastecimento, com agricultores já reclamando que não receberam os produtos’.
O impacto maior, na visão dos especialistas, deve ser sentido na próxima safra, já que boa parte dos produtores rurais já adquiriu fertilizantes e defensivos para a lavoura deste ano e do início de 2022. “Os volumes de compra têm sido realmente grandes, a ponto da importação desse tipo de produto crescer quase 20% em relação a 2020”, revela Ted Lago, presidente do complexo portuário de Itaqui, em São Luís, no Maranhão, que deve bater um recorde de movimentação de carga este ano com 29 milhões de toneladas de grãos, fertilizantes e outros produtos ligados ao agronegócio transportadas.
Importação
O Brasil importa mais de 70% dos fertilizantes e 60% dos defensivos utilizados na lavoura – a pandemia, acompanhada pelo fantasma de novas variantes, escancarou o problema da dependência em relação às trocas comerciais globais par a aquisição de insumos para o agronegócio, responsável por um quarto do PIB do país. “O país não tem indústria para dar conta da necessidade de insumos agrícolas do país”, diz Lohbauer. “Tirar esse atraso não vai ser fácil”.
O Ministério da Agricultura montou uma proposta para minimizar a necessidade de importações de adubo no setor agrícola. Batizado de Plano Nacional de Fertilizantes, o projeto deve ser finalizado nos próximos dias e levado para sanção do presidente Jair Bolsonaro. “É bom lembrar, no entanto, que trata-se de um conjunto de políticas públicas e outras ações que devem exercer efeito no longo prazo”, diz Luis Eduardo Rangel, assessor especial do Ministério da Agricultura.
Um dos pilares do plano é a desburocratização da cadeia de produção de minérios utilizados na fabricação de fertilizantes, além de incentivos tributários à indústria. Um pacote com medidas fiscais e tributárias também tramita na Câmara, por meio da lei 3.507/2021, de autoria dos deputados federais deputados federais Laércio Oliveira (Progressistas-SE), Christino Áureo (Progressistas-RJ) e Evair de Melo (Progressistas-ES).
A nova legislação prevê a criação do Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes (Profert), com o objetivo de desonerar a implantação e modernização de fábricas de fertilizantes. Também propõe a redução do PIS e Cofins. “É um esforço para incentivar a produção nacional e atrair investimentos para o setor a fim de que daqui a alguns anos o Brasil passe a depender menos das importações desses insumos”, afirma Rangel.