John Clarke: "O acordo protege a agricultura europeia. Os setores sensíveis não são liberalizados", afirma em entrevista à EXAME (FIPRA)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 13 de dezembro de 2025 às 07h05.
O agro europeu trava uma falsa batalha contra o acordo entre União Europeia e Mercosul, e a oposição à assinatura da tratativa é, na verdade, uma retórica protecionista. A opinião é de John Clarke, ex-negociador da UE e um dos responsáveis pela estruturação do acordo com os países sul-americanos.
Segundo Clarke, o acordo contém medidas que asseguram que os agricultores europeus não enfrentarão concorrência desleal dos produtos do Mercosul. "O acordo protege a agricultura europeia. Os setores sensíveis não são liberalizados", afirma ele em entrevista à EXAME.
Desde 2024, quando as negociações para a assinatura do acordo entre os blocos ganharam força, produtores europeus — especialmente os franceses e poloneses — têm protestado.
As reclamações acontecem mesmo em um cenário em que as exportações agroalimentares da UE para o Mercosul devem crescer 50%, impulsionadas pela redução das tarifas sobre produtos como vinho e bebidas (até 35%), chocolate (20%) e azeite (10%), de acordo com projeções da Comissão Europeia.
Os opositores alegam que o setor agrícola europeu perderá competitividade frente às commodities brasileiras, mais baratas.
Juntos, os blocos representam cerca de 718 milhões de pessoas e economias que somam aproximadamente US$ 22 trilhões. O governo brasileiro espera que a assinatura do acordo aconteça no próximo sábado, dia 20.
Em entrevista, Clarke explica por que a assinatura do acordo entre os blocos é uma necessidade geopolítica em tempos de protecionismo, detalha as razões dos protestos dos agricultores e esclarece como a estruturação do acordo protege os produtores locais.
Qual foi o seu papel no Acordo UE-Mercosul?
Fui, por vários anos (2011-2023), o principal negociador de agricultura e, nos primeiros anos das negociações, também um dos responsáveis pelas tarifas industriais.
O senhor acredita que o acordo não será assinado este ano, contrariando as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen. Na sua visão, quais são os principais fatores que impedem a assinatura até 20 de dezembro?
O acordo pode ser assinado no nível do Conselho, caso seja aprovado em sua reunião de 18 de dezembro. No entanto, após isso, ele ainda precisa passar pela aprovação do Parlamento Europeu, o que deve levar mais alguns meses. As opiniões no Parlamento estão muito divididas, com grande oposição ao acordo. Portanto, no melhor cenário, a aprovação do Parlamento não deve ocorrer antes da Páscoa de 2026, com a entrada em vigor prevista para maio ou junho de 2026.
As críticas do setor agropecuário europeu ao acordo UE-Mercosul fazem sentido para o setor agropecuário brasileiro ou o senhor considera que são mais uma retórica protecionista?
Em grande parte, trata-se de uma retórica protecionista. Foi demonstrado de forma independente que as concessões sobre carne bovina, carne de cordeiro, frango e açúcar não terão impacto na produção na Europa. É uma falsa batalha que os agricultores europeus estão travando. O Mercosul será, na verdade, extremamente benéfico para a Europa.
Mas por que então eles não querem o acordo?
Os agricultores estão preocupados com possíveis reduções nos subsídios agrícolas e com os custos de implementação de regulamentos ambientais muito rigorosos. Assim, é conveniente culpar as importações — e o Mercosul — pelos seus problemas. Políticos populistas na Europa estão liderando os agricultores nessa direção.
Até que ponto a eventual assinatura do acordo é uma resposta política ao cenário protecionista fortalecido pelos Estados Unidos este ano?
As ações de Donald Trump e suas políticas comerciais tornam a aprovação do Acordo UE-Mercosul uma necessidade geopolítica. A União Europeia precisa estabelecer parcerias com países confiáveis, que compartilhem valores semelhantes, como o Mercosul. Além disso, a UE precisa diversificar suas relações comerciais para reduzir a dependência de países como os EUA e a China, tanto como fornecedores quanto como mercados. Essa diversificação é crucial para aumentar a resiliência em um ambiente econômico desafiador.
Na sua opinião, como o acordo foi estruturado protege a agricultura europeia, ou há lacunas que poderiam prejudicá-la?
O acordo protege a agricultura europeia, com setores sensíveis não sendo completamente liberalizados, mas sujeitos a cotas rigorosas, que representam cerca de 1% do consumo europeu. Essas cotas são implementadas ao longo de vários anos e foram desenhadas de forma a minimizar a competição excessiva com a produção da UE. Por exemplo, a cota de carne bovina inclui, em parte, carne bovina congelada mais barata, para evitar a concorrência direta com os produtos locais. Além disso, pela primeira vez, mesmo os produtos restritos por cotas possuem uma salvaguarda de emergência: se as importações aumentarem excessivamente, elas poderão ser temporariamente suspensas.
Como o mecanismo de salvaguarda pode ser prejudicial ao Mercosul?
Se a salvaguarda for aplicada de forma inadequada, por exemplo, sem um aumento real ou impacto das importações no mercado europeu, e sim em resposta à pressão política protecionista, isso prejudicará os interesses de exportação do Mercosul. No entanto, o risco disso é baixo, pois a Comissão Europeia é bastante prudente e exigente antes de aplicar salvaguardas.
Mas elas podem ser aplicadas?
De qualquer forma, como os setores sensíveis já estão restritos por cotas, a probabilidade de a salvaguarda ser aplicada é limitada. No entanto, o que pode ocorrer é que as investigações de salvaguardas sejam acionadas com facilidade. Mesmo que a conclusão seja de que não há problemas, esse processo pode ter um efeito desestimulante, ainda que leve, sobre o comércio.