Revista Exame

WhatsApp+IA

Agentes de IA estão elevando o app de um simples balcão de atendimento para uma plataforma de execução. A revolução começou pelo Brasil

Para startups, a oportunidade é clara: construir produtos que nasçam dentro da conversa e escalem sem depender de downloads ou anúncios caros (Akin Bostanci/Getty Images)

Para startups, a oportunidade é clara: construir produtos que nasçam dentro da conversa e escalem sem depender de downloads ou anúncios caros (Akin Bostanci/Getty Images)

Florian Hagenbuch
Florian Hagenbuch

Founder da Loft

Publicado em 18 de dezembro de 2025 às 06h00.

Foi-se o tempo em que WhatsApp era apenas um aplicativo de mensagens, que as pessoas usavam para trocar memes. Hoje, essa ferramenta se tornou o que talvez seja o sistema operacional social e comercial de países inteiros. Especialmente no Brasil, onde 94% dos donos de smartphone o utilizam e 93% o acessam todos os dias.

Uma pesquisa realizada pela OpinionBox em abril deste ano mostra que 82% dos brasileiros já entraram em contato com empresas pelo WhatsApp, e 68% já compraram algo diretamente pelo aplicativo. Somos o segundo maior mercado do mundo para o app, com cerca de 150 milhões de usuários ativos (atrás apenas da Índia). O que antes era um canal de mensagens informais se tornou uma infraestrutura de relacionamento e transações.

O motivo é fácil de deduzir: o ritmo da vida moderna é frenético. O público foi se adaptando ao caos de trabalhar, combinar o programa do final de semana, ter notícias da família, acompanhar os filhos na escola, resolver pendências financeiras e comprar os presentes do Natal, tudo ao mesmo tempo — sendo assim, também é mais cômodo que seja tudo no mesmo lugar.

A introdução da interface de integração do Whats-App Business, há alguns anos, foi o primeiro movimento importante para a mudança: ela colocou o canal dentro dos fluxos operacionais das empresas e permitiu escalar conversas personalizadas com um alcance que outras mídias não conseguem replicar. Mas a revolução de verdade está acontecendo agora, movida pela inteligência artificial generativa e autônoma.

Esses agentes de IA estão elevando o WhatsApp de um simples balcão de atendimento para uma plataforma de execução, em que tanto o usuário quanto a empresa conseguem realizar o que precisam sem abrir nenhum outro app. São sistemas capazes de compreender linguagem natural, qualificar leads (clientes em potencial), vender produtos, resolver dúvidas e até realizar operações financeiras sem que o usuário saia da conversa.

Entre as empresas que adotam essa tecnologia, dois modelos começam a se cristalizar. Eles são fundamentais para entender onde o valor é criado e como ele é capturado.

1. Ambiente operacional

Nesse modelo, o WhatsApp deixa de ser um canal e passa a ser o próprio local onde o serviço é entregue. A jornada completa (descoberta, decisão, transação e pós-venda) acontece dentro da conversa. É um formato especialmente poderoso para negócios B2C que precisam de escala, simplicidade e engajamento.

Para o empreendedor, as vantagens são evidentes: aquisição mais barata, conversão mais alta, engajamento superior, retenção embutida. Para investidores, é eficiência pura: infraestrutura leve, margens melhores e distribuição integrada a um canal com produtividade provada.

É só olhar para a Magie, primeira assistente financeira do Brasil 100% operada via Whats-App. Usuários enviam Pix por texto, voz ou foto, recebem recomendações personalizadas e acessam uma conta digital integrada a diversos bancos via Open Finance. É uma demonstração clara do potencial do modelo: transações que nascem e terminam numa thread, com margens de lucro atraentes e custo operacional mínimo, pelo menos por enquanto.

2. Canal de comunicação inteligente

No segundo modelo, o WhatsApp é uma camada crítica dentro de uma jornada maior. Ele opera onde há atrito: atendimento e relacionamento com o cliente. Aqui, o diferencial competitivo vem do que a IA consegue fazer sozinha: executar tarefas que antes tomavam o tempo de equipes inteiras, que agora ficam livres para se concentrar em tarefas mais complexas de análise, gestão e inovação.

Empresas como Darwin AI operam exatamente nesse espaço. O assistente deles atua como um funcionário digital capaz de reagendar conversas, qualificar leads, recuperar orçamentos perdidos e entregar resultados sem alterar a rotina dos times. É um novo tipo de produto, com modelo de negócios diferente do SaaS clássico.

O que isso tudo significa para quem está construindo agora? As empresas que estão crescendo mais rápido dentro do ecossistema WhatsApp/IA escolheram um problema transacional real e entregam valor imediato em linguagem natural: a IA elimina o atrito de menus, apps, portais e integrações pesadas. “Conversar” vira o principal mecanismo de entrada. É um dos raros momentos em que infraestrutura, hábito de uso e tecnologia convergem para destravar uma mudança estrutural. Quem se mover agora vai construir vantagem por anos.

Para startups, a oportunidade é ainda mais clara: construir produtos que nasçam dentro da conversa e escalem sem depender de downloads, anúncios caros ou grandes times de suporte.

O setor imobiliário ilustra bem essa transformação. Em um mercado altamente fragmentado e competitivo, ganha quem responde mais rápido e melhor. Nesse contexto, agentes autônomos baseados em IA têm assumido tarefas repetitivas — da qualificação de leads a agendamento de visitas — e permitido que corretores se concentrem no que realmente importa: relacionamento e negociação.

Assistentes já facilitam a busca e a precificação de imóveis, enviam notificações sobre novos leads e realizam simulações de financiamento e análise de fiança, tudo dentro de uma conversa. É o mesmo princípio em ação: reduzir atrito operacional para liberar tempo em atividades humanas de maior valor.

Um caso emblemático é o da Lais, agente da startup Lastro, que responde leads 24 horas por dia, recomenda imóveis e envia contatos qualificados diretamente ao CRM. O sistema já se integra a 19 CRMs e cobre cerca de 25% do mercado brasileiro. A inteligência da Lais é um retrato do que a automação conversacional pode representar para o setor: velocidade, consistência e escala.

O laboratório global está na América Latina. O Whats-App é tão onipresente na região que as startups daqui acabam desenvolvendo modelos que o restante do mundo ainda está aprendendo a operar. A combinação de hábito (WhatsApp), infraestrutura (Pix, Open Finance) e tecnologia (IA) criou um ambiente em que é possível construir produtos globais partindo daqui.

Empresas como Magie e Darwin AI mostram que é possível escalar soluções de IA e mensageria a partir de mercados emergentes, exportando tecnologia e modelo de negócios. O diferencial está menos na sofisticação técnica e mais na capacidade de integrar conveniência, confiança e automação em uma única experiência conversacional.

Não é só sobre software. É sobre entender como as pessoas realmente compram, pagam e conversam. E a empresa que souber transformar isso em experiência, operação e fidelidade é que vai construir a próxima geração de serviços digitais.

O Brasil não é apenas um mercado-teste. É o lugar onde essa revolução já começou.

Acompanhe tudo sobre:1282

Mais de Revista Exame

Bom para cachorro: como uma pousada criou um negócio pensando nos pets

Este foi o ano do varejo na bolsa — se a Selic cair, 2026 será ainda melhor

O CFO assume a cadeira ESG?

A volta do clericot? No verão, bebida vira desejo do brasileiro