Revista Exame

Vintage, bilionária e global

Fundada em 1870 como uma botica no Rio de Janeiro, a Granado deve faturar o primeiro bilhão em 2023 mantendo firme o ar retrô das lojas e apostando na expansão para Estados Unidos e Europa e na linha de perfumes

Sissi Freeman, da Granado: a meta é colocar a marca no top of mind de perfumes (Leandro Fonseca/Exame)

Sissi Freeman, da Granado: a meta é colocar a marca no top of mind de perfumes (Leandro Fonseca/Exame)

Maria Clara Dias
Maria Clara Dias

Repórter de Negócios e PME

Publicado em 14 de junho de 2023 às 06h00.

Última atualização em 14 de junho de 2023 às 16h20.

A marca de cosméticos e produtos de higiene e beleza Granado está acostumada a investir com os olhos no passado. Fundada em 1870 como uma botica de elixires e bálsamos no centro do Rio do Janeiro, a empresa tem uma identidade visual típica do século 19 nos rótulos dos produtos e nas lojas, cuja decoração conta com armários de madeira maciça, balcões envidraçados, pisos com azulejos com adornos rococó, e por aí vai. Em dezembro, a Granado dobrou a aposta em suas próprias origens com a inauguração da primeira loja da marca em Portugal. O ponto escolhido foi um sobrado em estilo belle­ époque no coração do Chiado, um bairro frequentado por intelectuais de Lisboa. Próximo dali, em 1860, o português José Antonio Coxito Granado partira, nas palavras dele, “com uma pequena mochila e ânimo forte”, para começar uma vida no comércio carioca. A paixão por plantas medicinais o levou a comprar uma chácara em Teresópolis, na região serrana do Rio, de onde saíram os primeiros ingredientes da botica. Já nos primeiros anos, as águas de colônia, talcos antissépticos e pós de arroz caíram no gosto da alta sociedade carioca, a ponto de o imperador dom Pedro II conceder à Granado a honraria de Pharmacia Oficial da Família Imperial Brasileira. Coxito morreu em 1935. No testamento, ele registrou o desejo de a empresa ser adquirida por um estrangeiro para, assim, ganhar o mundo.

Loja da Granado no bairro Chiado, em Lisboa: design vintage na terra natal do fundador (Leandro Fonseca/Exame)

Quase um século depois, o desejo de Coxito virou prioridade para a direção da Granado. A loja de Lisboa é a quarta fora do Brasil. Desde 2017, a empresa mantém três pontos de venda em Paris, além de um quiosque sazonal dentro da galeria Lafayette, o magazine mais tradicional da capital francesa. Para os próximos meses, a empresa pretende abrir quatro pontos de venda (um deles nos Estados Unidos) e ampliar a presença em outras lojas de departamentos de luxo. A fatia de vendas internacionais, hoje ínfima (a empresa não abre o valor), poderá chegar a 30% em quatro anos, de acordo com projeção da empresa. A ofensiva lá fora coroa o melhor momento de uma empresa com 153 anos de história. Depois de quase falir nos anos 1980, a marca foi comprada, em 1994, pelo consultor inglês Christopher Freeman, contratado pelos herdeiros de Coxito e dos demais sócios-fundadores para modernizar um negócio que havia parado no tempo. Até então, os produtos mais vendidos seguiam sendo os talcos antissépticos e as loções que conquistaram o coração de dom Pedro II. A gestão do negócio era arcaica, a ponto de as contas da empresa serem anotadas em papel, como nos tempos de outrora. 

Ao ver o tamanho da oportunidade, Freeman acabou ficando com a empresa e foi autor de um choque de gestão, que pôs a Granado de volta no esplendor. Para além de implantar softwares para vendas e processos modernos na fábrica, Freeman anteviu a dificuldade da Granado: como crescer num mercado como o de higiene e beleza, dominado por gigantes como Natura e Grupo Boticário e por marcas dispostas a baixar preços em nome da expansão, como Jequiti e Mary Kay? Daí veio o ar vintage da Granado, qualidade única no mercado de higiene e beleza. De lá para cá, o passado da companhia esteve mais vivo do que nunca para o marketing. A primeira loja retrô, inaugurada em 2005 na antiga residência de Coxito no centro do Rio de Janeiro, traz fotos e outros artigos de memorabilia do fundador da empresa. O palácio construído na chácara de Coxito em Teresópolis virou um museu com a história da marca. Principal estratégia de marketing nos primeiros anos da companhia, o almanaque de promoções Pharol segue circulando — agora via blog — com a mesma grafia de “ph” no lugar do “f”. O mesmo cuidado com o passado foi estendido à Phebo, marca paraense de sabonetes comprada por Freeman em 2004.

(Arte/Exame)

Em boa medida, o ar retrô foi responsável por fazer a Granado triunfar apesar do vaivém da economia brasileira nas últimas décadas. E, de 2020 para cá, em plena pandemia, a empresa expandiu o faturamento em mais de 60%, uma alta recorde em mais de 150 anos de história. Em 2023, a expectativa é romper a barreira de 1 bilhão de reais. Durante a pandemia, o desafio foi manter o interesse dos consumidores trancados em casa e sem a chance de visitar as lojas charmosas da empresa, muitas delas em shoppings e em ruas comerciais fechadas em razão da crise sanitária. Aí entrou em jogo uma estratégia comercial em várias frentes tocadas por Sissi Freeman, filha de Christopher e hoje principal executiva do negócio ao lado do pai. De um lado, a Granado colocou produtos para casa e de higiene pessoal, como sabonetes líquidos e talcos, nas gôndolas de farmácias e de atacarejos, como Atacadão e Assaí. Considerados essenciais, esses varejistas ficaram abertos na quarentena. Em paralelo, para buscar um consumidor disposto a indulgências, como velas, difusores de ambientes, cremes anti-idade, colônias de banho para pets, a marca modernizou a loja virtual própria e passou a vender também em marketplaces. Em razão disso, o comércio online cresce a uma taxa anual de 50%; nas lojas físicas, reabertas, o ritmo gira ao redor de 40%. Atualmente, são 91 pontos de venda próprios no Brasil, sete abertos no ano passado. Em 2023, a previsão é abrir dez lojas.

Ponto de venda da Granado no Shops Jardins, em São Paulo: vintage como branding da marca (Leandro Fonseca/Exame)

Além de estar em mais pontos de venda, a Granado investiu em novas linhas de produtos — em particular, de perfumaria. “É a nossa principal oportunidade de crescimento daqui para a frente”, diz Sissi. Para isso, a marca contratou a perfumista francesa Cécile Zarokian, uma das mais badaladas da atualidade. A parceria rendeu a linha Vintage, com embalagens em linha com o ar retrô da companhia, e perfumes feitos com matérias-primas da flora brasileira, como folha de laranjeira, caju e cumaru, uma planta nativa da Amazônia conhecida como “baunilha brasileira”, em razão das semelhanças de cheiro e aroma com a especiaria. “Nenhum país tem riquezas em biodiversidade inigualáveis como o Brasil”, diz Sissi. “Olhar para isso já nos coloca na dianteira.” Para entrar de vez no segmento, a empresa adaptou a linha de produção no Rio de Janeiro para conseguir lançar perfumes em várias ocasiões no ano. Hoje, há uma novidade por mês — sobretudo antes de temporadas de vendas como Natal e Dia das Mães. Uma turnê coordenada diretamente por Sissi reuniu influenciadoras de moda e beleza em São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Salvador no ano passado. A ideia foi bombar os lançamentos em cada um dos eventos. Apresentada em 2020, a categoria já responde por 25% das vendas nas lojas. O interesse na perfumaria é tamanho a ponto de a linha ter virado o principal chamariz nas lojas da Granado no exterior. Em Paris, por exemplo, o corner da marca na Lafayette deu evidência aos perfumes para brigar de frente com concorrentes europeus de luxo, como Diptyque, Acqua di Parma e L’Artisan Parfumeur. Em poucos meses, a linha de perfumes virou o item número 1 em vendas na operação francesa da Granado. O plano agora é abrir mais lojas só para perfumes lá fora. Há, inclusive, a ideia de converter a loja aberta em Lisboa para só vender perfumes. “A meta é tornar a Granado uma ‘top of mind’ entre as marcas globais de perfumaria”, diz Sissi.

(Arte/Exame)

Ao olhar para consumidores fora do Brasil, a Granado segue os passos do gigante Natura, dona de receita na casa dos 40 bilhões de reais. Na última década, a companhia apostou pesado na aquisição de concorrentes como a britânica The Body Shop e a australiana Aesop. As diferenças culturais e de estilo de gestão, entre outros motivos, complicaram a expansão da Natura. Em abril, a empresa liderada por Fábio Barbosa vendeu a Aesop para a L’Oréal por 2,5 bilhões de dólares. Por ora, o apetite global da Granado é seguir por conta própria — nenhuma aquisição está no radar. A favor da empresa dos Freeman está o apelo ao passado enraizado no branding. É um jeitão diferente de vender cosméticos e produtos de beleza, um setor pouco afeito a colocar a tradição como ferramenta de marketing. A Granado pode ganhar clientes nos Estados Unidos e na Europa pela habilidade em nadar contra a corrente, diz Daniela Carbinato, sócia da consultoria Bain & Company e especialista em varejo. “A internacionalização requer diferenciação, principalmente em mercados não óbvios e já concentrados”, diz. 

O timing da expansão global da Granado, ao que tudo indica, é favorável. Após dois anos de restrições de circulação, pessoas ao redor do mundo estão livres novamente para andar por aí e interessadas em investir numa boa impressão. As vendas de perfumes, por exemplo, depois de terem tombado no início da pandemia, retomaram o crescimento em 2021. Até 2032, o setor deverá crescer 6% ao ano e faturar 86 bilhões de dólares no mundo, segundo a consultoria americana Market.us. 

Nem mesmo as incertezas que dominaram o noticiário nos últimos meses, como a guerra na Ucrânia, têm arrefecido a intenção de empresas brasileiras dispostas a ir para fora. Prova disso é o Beautycare Brazil, um programa da agência federal de fomento às exportações Apex para apoiar as fabricantes do setor dispostas a vender lá fora. Pelo programa, a agência custeia a participação das fabricantes brasileiras em feiras setoriais em outros países. Em 2022, as 110 empresas envolvidas no programa exportaram 128 milhões de dólares, alta anual de 13%. “O Brasil tem produtos com matérias-primas de qualidade superior à de outros mercados”, afirma João Carlos Basílio, presidente executivo da Abihpec, a associação do setor de beleza. Na conta de Basílio está a biodiversidade rica do Brasil, uma barreira de entrada a concorrentes internacionais. No fim das contas, a visão de Coxito sobre o potencial do Brasil no cenário global de produtos de higiene e beleza está se provando correta — ainda que tardiamente — para o bem da Granado e das demais empresas brasileiras dispostas a desbravar o mundo.  

Primeira loja da Granado, no Rio de Janeiro: loções caíram no gosto da alta sociedade carioca (Divulgação/Divulgação)

Do império aos perfumes de luxo

Em mais de 150 anos de história, a Granado foi de botica de manipulação preferida de dom Pedro II a um dos principais símbolos da indústria nacional de cosméticos e perfumaria

1870 - A empresa é fundada no Rio de Janeiro

1880 - Conquista o título de farmácia oficial da família imperial brasileira

1903 - Criação do Polvilho Antisséptico, produto que daria origem ao talco Granado, principal item do portfólio durante anos

1915 - Criação do sabonete Glicerina, carro-chefe da produção industrial até os dias atuais

1930 -  Criação da marca Phebo

1994 - Christopher Freeman compra a Granado

2004 - A Granado conclui a compra total da Phebo

2006 - Inauguração da primeira loja conceito, no Rio de Janeiro

2008 - Lançamento do site e estreia da marca no e-commerce

2013 -  Granado e Phebo entram na Europa, com início das vendas em uma das principais lojas de departamento da França

2016 - Entrada da Puig como acionista

2017 -  Inauguração de loja conceito em Paris, a primeira unidade própria fora do Brasil; início das vendas no e-commerce na Europa

2022 - Aceleração do processo de internacionalização, com inauguração de lojas em Portugal e na França

2023 - O crescimento da empresa motiva a mudança para o novo centro de distribuição, com o dobro da capacidade de armazenagem


(Publicidade/Exame)

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