Cartaxo, secretário da Receita Federal: violação admitida, explicação adiada (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.
O candidato presidencial José Serra observou recentemente, numa sabatina promovida pelo jornal Folha de S.Paulo, que uma das grandes tarefas que o Brasil tem pela frente hoje em dia é estatizar o Estado. Talvez devesse, num mundo ideal, estar falando da perspectiva de novas privatizações — como as que deram à população brasileira, no já remoto governo Fernando Henrique Cardoso, o direito de falar ao telefone, por exemplo, ou a livraram da obrigação de sustentar empresas estatais que conseguiam perder dinheiro fabricando aço ou aviões a jato, para não falar de bancos estaduais quebrados e de ferrovias que não tinham locomotivas, trilhos, carga ou passageiros. Mas a prioridade real, no momento, não é privatizar: é devolver ao Estado brasileiro o que nunca deveria ter deixado de ser dele. A empulhação em torno do “patrimônio público”, na verdade, é uma das comédias há mais tempo em cartaz na cena política do país. Mas chegou ao seu modo extremo no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT e de seus sócios da “base aliada”. O sistema é bem conhecido. Mantêm-se estatizados, nas empresas “de interesse nacional”, o capital e o controle acionário; privatiza-se o seu uso em benefício particular das pessoas e grupos que mandam no governo e, por consequência, mandam nelas. Nada explica melhor o horror que o PT tem da privatização legítima: ela impede a privatização que lhe interessa e que se chama desfrute privado do patrimônio público. Se uma empresa deixar de ser do governo, como é que vão continuar tirando proveito dela?
Já seria ruim o bastante se as coisas ficassem por aí, mas o atual governo deu um grande passo adiante ao estender esse modo de ação à própria máquina do Estado — aos organismos e serviços que, por definição, têm de ser obrigatoriamente operados pelo poder público. É o notório “aparelhamento” do Estado, que vem crescendo sem parar desde 2003 e que chega ao auge na campanha eleitoral deste ano. Não se trata de colocar nos chamados “cargos de confiança”, que no governo federal são mais de 20 000, cidadãos com as mesmas afinidades políticas. A degeneração está em utilizar os órgãos do serviço público, como ocorre abertamente no momento, para atender a interesses particulares, sejam eles políticos ou econômicos, de pessoas que agem em benefício de partidos, correntes, grupos e organizações das mais diversas naturezas. Nada deixa essa patologia mais evidente do que a recém-divulgada e espantosa violação, dentro da Receita Federal, do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge — que, como qualquer contribuinte, tem o direito de exigir que sejam mantidas em segredo, pelo Fisco, as informações prestadas sobre seus rendimentos e patrimônio.
Dados da renda de Eduardo Jorge, como se sabe, foram tirados da Receita Federal e entregues a um comitê de comunicações da candidata Dilma Rousseff para uso futuro contra a candidatura da oposição — projeto que se frustrou por não haver nenhuma irregularidade na situação fiscal da vítima e, mais ainda, quando a trama foi revelada pela Folha de S.Paulo em meados de junho. No dia 14 de junho, o secretário da Receita, Octacílio Cartaxo, admitiu oficialmente a violação; ele sabe o dia, a hora e o local onde foi cometida, e quem a cometeu, mas diz que as conclusões da investigação interna sobre o caso só serão divulgadas após os 120 dias de prazo que tem para concluir seu trabalho. Nada o obriga a essa espera — a não ser o calendário eleitoral e os interesses da candidata do governo.
Um dossiê falso já foi montado contra Serra em sua campanha para governador, em 2006, e outro, na Casa Civil então sob o comando de Dilma, contra o ex-presidente Fernando Henrique; o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, um dos principais operadores da candidatura oficial, foi a figura central na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, na Caixa Econômica Federal, em 2005. Parece ser um método. E uma antevisão do que podem ser os próximos quatro anos.