Fila de solicitantes de seguro-desemprego nos EUA: antes da pandemia, o país tinha a menor taxa de pessoas sem emprego (Bryan Woolston/Reuters)
Carolina Riveira
Publicado em 14 de janeiro de 2021 às 05h35.
Última atualização em 14 de junho de 2021 às 12h59.
Os economistas costumam usar o termo “choque” para designar reviravoltas econômicas profundas, que podem impactar gerações inteiras. É como vem sendo definida a pandemia de covid-19. Mas um novo estudo nos Estados Unidos mostra que os impactos econômicos do coronavírus podem seguir presentes para muito além de 2021.
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O aumento do desemprego deve levar a um cenário extremo de diminuição da expectativa de vida e de alta nas taxas de mortalidade mesmo nos próximos 15 ou 20 anos, segundo o estudo The Long-term Impact of the Covid-19 Unemployment Shock on Life Expectancy and Mortality Rates (“O impacto de longo prazo da covid-19 e do choque de desemprego na expectativa de vida e nas taxas de mortalidade”, numa tradução livre).
Os autores calculam que, como parte do acesso à saúde nos Estados Unidos (e no mundo) está ligada a planos privados, o desemprego reduzirá os cuidados básicos com saúde não relacionados à covid-19, como exames e prevenção de doenças. Também entram na conta o aumento de problemas psicológicos, o avanço da pobreza e a piora na qualidade de vida com redução da renda.
“A maior parte do debate tem sido sobre salvar vidas versus preservar a economia. Mas nosso estudo sugere que a dureza econômica também tem impacto no bem-estar humano”, disseram à EXAME os economistas Francesco Bianchi, da Universidade Duke, Dongho Song, da Universidade Johns Hopkins, e o médico Giada Bianchi, da Universidade Harvard, autores do estudo.
Os pesquisadores dizem não ser contrários a medidas de isolamento, mas acreditam que a projeção mostra a importância de as políticas públicas levarem em conta o impacto do desemprego na saúde, com medidas de apoio psicológico, saúde de base e suporte às populações mais afetadas. As projeções não dizem respeito ao Brasil, mas o efeito por aqui pode ser parecido.
A expectativa de vida do brasileiro ao nascer, em primeiro lugar, pode já ter caído entre um e dois anos só em 2020. O balanço inicial vem das mais de 200.000 mortes diretas pela covid-19, levando à primeira queda na expectativa de vida brasileira desde 1940, segundo projeção de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Mas, para o futuro, os reflexos da pandemia devem seguir levando a uma piora da qualidade de vida. A taxa de pobreza, que melhorou temporariamente com o auxílio emergencial, pode ir dos cerca de 24% de antes do auxílio, em 2019, a até 30% já neste começo de 2021, segundo outro estudo, do economista Daniel Duque, da FGV.
Se confirmada, a projeção representa um retrocesso na casa dos 15 anos nos índices brasileiros. “Estamos recuando de uma situação de pobreza que já crescia antes da pandemia. Se as pessoas passam muito tempo em vulnerabilidade, fica cada vez mais difícil recuperar”, diz.
Mesmo antes da covid-19, o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz Minas Gerais Rômulo Paes estimou que a alta no desemprego brasileiro até então e a redução de investimentos em seguridade social com a última crise levaram ao aumento de 8% na mortalidade média por município entre 2012 e 2017, em estudo publicado na revista The Lancet.
Na pandemia, Paes critica o fato de o amplo gasto com o auxílio emergencial não ter sido acompanhado em 2020 de uma estratégia de combate ao coronavírus, como conscientização da população, o que poderia reduzir mais rapidamente o impacto econômico.
“Enquanto a pandemia seguir fora de controle, estaremos fadados a uma performance econômica medíocre. São retrocessos de longo prazo na qualidade de vida”, diz. O efeito de decisões de agora, como mostram os números, poderá seguir conosco por muitos anos.