Revista Exame

J.R. Guzzo | O STF virou uma fonte de instabilidade

A conduta de alguns membros do Supremo Tribunal Federal não causa apenas insegurança jurídica — ameaça também a própria estabilidade política do país

Efeito contrário: a reportagem que Toffoli e Moraes proibiram foi reproduzida de forma massiva e incontrolável por órgãos de comunicação (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Efeito contrário: a reportagem que Toffoli e Moraes proibiram foi reproduzida de forma massiva e incontrolável por órgãos de comunicação (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

JG

J.R. Guzzo

Publicado em 25 de abril de 2019 às 05h06.

Última atualização em 24 de julho de 2019 às 17h24.

É fato sabido que o Supremo Tribunal Federal, pelo comportamento pessoal de parte de seus membros, se transformou há tempos no principal causador da instabilidade jurídica no Brasil. É uma aberração. O STF é justamente o órgão que deveria garantir o principal atributo da aplicação da justiça numa sociedade civilizada — a previsibilidade das decisões judiciais, elemento indispensável para dar aos cidadãos a segurança de saber que os magistrados vão proceder sempre da mesma forma na aplicação das leis. Sem isso não há justiça de verdade; há apenas os caprichos, as neuroses e os interesses materiais de quem está com o martelinho de juiz na mão.

Não é apenas a estabilidade jurídica que está indo para o saco. A conduta degenerada de diversos membros do STF acaba sendo, também, uma ameaça constante à própria estabilidade política do país, com a produção irresponsável, incompreensível ou inútil de crises com os poderes Executivo e Legislativo, conflitos com porções diversas da sociedade e agressões à lógica comum.

Tudo isso, nos últimos dias, ficou ainda pior. Dois ministros, o presidente Antônio Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, mergulharam num surto de decisões extravagantes, totalitárias e denunciadas como puramente ilegais por muitos dos juristas mais respeitados do país. Resultado: tornaram-se uma ameaça direta às instituições brasileiras. São eles, mais do que quaisquer outros indivíduos, quem mais se esforçam hoje para destruir um dos três pilares da democracia que existe por aqui — o Poder Judiciário.

Toffoli e Moraes são duas nulidades; não vão a lugar nenhum com seus acessos de furor ditatorial e não vão, no fim, conseguir o que querem. Na verdade, já não conseguiram. Sua história, como todo o Brasil ficou sabendo, é rasa, escura e miserável. A revista digital Crusoé, parte da organização jornalística O Antagonista, publicou um trecho da delação do empreiteiro Marcelo Odebrecht, réu confesso de corrupção maciça no governo Lula, condenado e cumprindo hoje pena de prisão domiciliar.

Nessas declarações, que integram um documento oficial da Justiça como parte inseparável de seu longo processo de delação, Odebrecht se refere a Toffoli — descrito por ele como “o amigo do amigo do meu pai”, ou seja, como amigo de Lula — numa sombria conversa envolvendo a construção de usinas e a Advocacia-Geral da União, na época dirigida pelo atual presidente do STF. Pronto. Toffoli entrou imediatamente em modo de Rei da Babilônia e mandou o colega Moraes lançar-se à expedição de uma bateria de ordens dementes — suspensão da publicação da revista, multas diárias de 100.000 reais, censura, ameaça a outros meios digitais e por aí afora.

O resultado foi um desastre integral. O STF conseguiu, ao mesmo tempo, violar a liberdade de imprensa, aplicar punições sem a conclusão de processo legal e sem a produção de uma única prova, ignorar a decisão da Procuradoria-Geral da República de arquivar o caso (cabe à PGR, legalmente, investigar os supostos delitos cometidos pela revista), exercer abuso de poder e incorrer na suspeita de praticar outros crimes — um horror quando essa série de ações é cometida não por criminosos do PCC, mas por ministros do Supremo Tribunal Federal deste país.

Pior do que tudo, a dupla conseguiu exatamente o oposto do que pretendia com sua blitz proibitória e punitiva: a reportagem da Crusoé, que ambos quiseram deletar do mundo real, foi reproduzida de forma massiva e incontrolável por centenas de órgãos de comunicação, de todos os tamanhos e plataformas, espalhados pelo Brasil e mesmo no exterior. Toffoli, que já carrega na testa a marca de repetente (por duas vezes) no concurso para juiz de direito, passou a carregar agora, também, o lamentável apelido de “amigo do amigo do meu pai”. Não vai se livrar disso.

Os dois serão detidos dentro do próprio STF, que não os deixará obter o que queriam. Sua tela está mostrando: You lost. (No dia 18 de abril, Alexandre de Moraes revogou sua decisão de censura.) Mas conseguiram, sim, cometer um atentado de primeira grandeza contra as instituições.

Acompanhe tudo sobre:CensuraJustiçaSupremo Tribunal Federal (STF)

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025