Cenário incerto: os movimentos da Fazenda, de Guido Mantega, e do BC, de Alexandre Tombini, foram mal recebidos (Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)
Da Redação
Publicado em 7 de outubro de 2011 às 15h56.
São Paulo - Há mais de uma década, o Brasil resiste às tormentas do sistema financeiro internacional e avança durante as bonanças com uma política econômica baseada em três pilares bem definidos: o câmbio flutuante, o controle da inflação pelo sistema de metas e a formação de superávit primário para o pagamento de juros da dívida.
Uma das vantagens desse modelo é a sua clareza para orientar decisões de investidores e empresas. Desde o ano passado, porém, esse sistema tem sofrido uma gradual deterioração.
Na última semana de julho, o governo deu sinais de que pelo menos duas pernas do tripé estão mais frágeis, a do câmbio flutuante e a das metas inflacionárias.
Na frente cambial é onde o governo tornou mais explícito seu desapego ao tripé macroeconômico. Sua medida mais recente foi a intervenção no mercado futuro de câmbio com a cobrança de 1% de imposto sobre operações financeiras nos negócios com dólar.
Desde outubro, já foi feita uma dúzia de intervenções com o mesmo objetivo — até agora, sem sucesso. “Adotamos nos últimos meses uma espécie de regime cambial semiflexível”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. É compreensível que o fortalecimento do real venha preocupando o governo.
Afinal, o real forte virou uma pedra no sapato de milhares de empresas do país, seja pela dificuldade de exportar, seja pela concorrência com o produto internacional.
Mas as medidas foram consideradas inócuas contra as forças que agem sobre o câmbio: o enfraquecimento global da moeda americana, somado à robustez da economia brasileira, que tem atraído uma torrente de investimentos estrangeiros.
“A maior parte do dinheiro que entra hoje é investimento direto de empresas interessadas em ampliar os resultados a partir do Brasil”, diz Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central.
“Não há como nem por que evitar o movimento internacional.” Como resultado da intervenção mais recente, o que se dá como certo apenas é a elevação do custo das operações de proteção cambial das empresas.
Outro efeito provável é a migração de negócios da BM&F Bovespa para a bolsa de Chicago. “É evidente que o câmbio já deixou de flutuar”, diz Celso Toledo, diretor da consultoria LCA. “É uma intervenção em cima da outra.”
A segunda informação preocupante veio na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária. O texto sinalizou que o cumprimento da meta de inflação pode ficar para 2013, e não mais para 2012, como o Banco Central vinha informando ao mercado.
A mudança ocorreu após a presidente Dilma Rousseff dizer que não vai aceitar o combate à inflação à custa do crescimento econômico. Muitos economistas já vinham criticando o fato de a meta de inflação permanecer em 4,5% desde 2005 e passaram a reforçar o prognóstico de que a leniência com a inflação vai aumentar.
Na última semana de julho, o governo também divulgou o resultado do superávit primário, a terceira perna do tripé macroeconômico. No acumulado em 12 meses, o dado está acima da meta, o que poderia sugerir que tudo vai bem neste front.
Mas não é bem assim. O saldo foi obtido basicamente com aumento na arrecadação, não com corte de gastos públicos. “O governo inventou uma nova política econômica baseada em aumento de gastos públicos, inflação e câmbio vigiado”, diz o economista Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo. “Não há crescimento que perdure com essa receita.”
Talvez seja exagero dizer que o governo abandonou por completo o modelo que vigorou na última década. Mais correto é dizer que aumentou a confusão no comando da economia. No momento em que o risco aumenta no mundo, não são mudanças tranquilizadoras.