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Uma aposta bilionária

É possível ganhar dinheiro vendendo leite no Brasil? E dá para recuperar o prestígio da Parmalat por aqui? A francesa Lactalis, líder global, investiu 2 bilhões de reais para tentar provar que sim

Fábrica em Guaratinguetá: planos para reforçar a marca Parmalat (Alexandre Battibugli)

Fábrica em Guaratinguetá: planos para reforçar a marca Parmalat (Alexandre Battibugli)

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Da Redação

Publicado em 17 de setembro de 2014 às 06h00.

São Paulo - Ganhar dinheiro vendendo leite no Brasil é uma daquelas tarefas que parecem impossíveis. Desde que a então líder do setor, a multinacional italiana Parmalat, quebrou, há dez anos, muita gente vem tentando.

Na teoria parece simples: é só juntar um punhado de produtores, erguer uma processadora, embalar naquelas caixinhas e lotar os supermercados. Mas as falhas de gestão e o desequilíbrio no mercado de leite tornaram a missão muito difícil. Quando falta leite, a indústria perde; quando sobra, os produtores saem no prejuízo.

Os únicos que ganham dinheiro regularmente são os fabricantes de embalagens, como a sueca Tetrapak. A quebra mais notória foi da LBR, “campeã nacional” do leite criada há três anos com o estímulo do governo para a fusão da Leitbom com a Bom Gosto. O gigantismo só deu problemas e, hoje, a LBR está em recuperação judicial.

Mas a lista de problemas segue com os laticínios Nilza, em falência, e com cooperativas como a Confepar, do Paraná, e a Cotrimaio, do Rio Grande do Sul. A Vigor, do grupo J&F, até hoje tem resultados abaixo do previsto — no ano passado, lucrou apenas 25 milhões de reais, ou 1% da receita.

A Batavo e a Elegê, da gigante de alimentos BRF, eram consideradas tão problemáticas que foram colocadas à venda. O setor, enfim, é um show de horror.

Após anos de más notícias, agora surge um candidato disposto a dar um jeito nesse setor. É a francesa Lactalis, maior empresa do setor de leite e derivados do mundo, com receita anual de 16 bilhões de euros. A Lactalis é dona da Parmalat e de marcas que são sinônimo de queijos sofisticados, como Président, Bridel e La Laitière.

No Brasil, a Lactalis era dona apenas de um pequeno negócio — a fabricante de queijos Balkis, adquirida no ano passado. Mas tudo isso mudará a partir de agora. Num espaço de duas semanas, a Lactalis anunciou duas aquisições no país. Primeiro, decidiu pagar 250 milhões de reais por quatro fábricas da LBR e pelo direito de usar a marca Parmalat no Brasil (esse direito era da empresa de investimentos Laep e havia sido repassado à LBR).

Depois, fechou a compra da divisão de lácteos da gigante de alimentos BRF por 1,8 bilhão de reais. Já chega a 17 fábricas e 4 000 funcionários no país. Com isso, levou também marcas tradicionais, como Batavo e Elegê. Com 3,3 bilhões de reais de faturamento estimado para este ano, a empresa virou, com dois movimentos, a segunda maior compradora de leite do país, com 1,9 bilhão de litros por ano. É também a terceira maior empresa do setor em faturamento, atrás apenas da Nestlé e da Vigor.

Qual o plano da Lactalis para ganhar onde tanta gente perdeu? Em primeiro lugar, a empresa escolheu a dedo os ativos e evitou concentrar uma parcela muito grande do faturamento no leite longa-vida, grande vilão do setor nos últimos anos. Na LBR, 80% da receita dependia das caixinhas. Na Lactalis, elas responderão por 40% do faturamento.

A BRF, por exemplo, já vinha reduzindo a venda do leite Elegê. Mesmo assim, a francesa pode ter vantagens no segmento de longa-vida: como é uma das maiores clientes da Tetrapak no mundo, fica mais fácil obter preços menores. Outro princípio foi estabelecer-se de cara como um dos líderes do setor sem herdar a insana complexidade da LBR, com suas fábricas espalhadas pelo país.

“A escala é fundamental, eles querem trabalhar com altos volumes e fábricas de grande porte”, diz Samuel Oliveira, do banco Indusval, que assessorou a Lactalis nas aquisições. Por isso, os franceses não se interessaram por laticínios menores que estavam à venda no país e escolheram apenas algumas fábricas da LBR.

“A marca Parmalat perdeu participação de mercado por causa das dificuldades financeiras dos últimos anos, mas ainda tem força. E a Lactalis sabe disso melhor do que ninguém”, diz Nelson Bastos, presidente da LBR e sócio da consultoria Ivix, que fez a ­reestruturação da companhia.

O maior investimento da Lactalis deve ser nos produtos de maior valor agregado, como queijos de alta qualidade e iogurtes. Entre suas principais apostas no Brasil, além do leite Parmalat, estão o requeijão da marca Poços de Caldas, comprada da LBR, e os iogurtes da Batavo, que pertenciam à BRF.

Na Balkis, fabricante de queijos comprada há um ano, a Lactalis reforçou inovações como uma linha de queijos sem lactose. E usou a rede de distribuição da Balkis para aumentar a venda de suas marcas europeias: além da Président, os queijos espanhóis Don Bernardo e os italianos Galbani.

Executivos próximos à empresa afirmam que esses produtos continuarão a ser importados e não terão produção local. Procurados, os executivos da Lactalis não deram entrevista.

A investida no Brasil é parte de um plano de expansão global da Lactalis, comandado por Emmanuel Besnier, neto do fundador e dono de uma fortuna estimada em 7 bilhões de euros. Desde que assumiu a empresa depois da morte do pai, há 15 anos, Besnier fez mais de 40 aquisições em países como Cazaquistão, Polônia, China, Rússia, Austrália e Índia. A maior delas foi a compra da italiana Parmalat, em 2011, por 3,5 bilhões de euros.

Bom de briga

Besnier começou a estudar o Brasil em 2012, interessado na aquisição da LBR, antes que a empresa decidisse pela recuperação judicial. Chegou a levar ao conselho da Parmalat em 2013 uma proposta, mas os conselheiros se assustaram com os passivos da LBR.

Recentemente, Besnier esteve em duas diferentes semanas, em maio e junho, visitando as operações da LBR e da BRF num jatinho Cessna alugado. Nesses dias, chegava às fábricas às 6 da manhã. No fim do dia, depois de conhecer três ou quatro fábricas, visitava supermercados. Checava preços e posicionamento de cada marca nas gôndolas de laticínios, tanto em lojas de cidadezinhas do interior de Minas Gerais quanto na zona sul do Rio de Janeiro.

O Brasil vai ser a segunda operação realmente complicada assumida pela Lactalis nos últimos anos — e a segunda que envolve a Parmalat. Na Itália, em 2011, a Lactalis fez uma aquisição hostil da marca. Os acionistas reclamaram do valor pago, considerado baixo, mas acabaram aceitando. Após a gritaria inicial, a Lactalis vem tentando melhorar os números da Parmalat. Obteve algumas vitórias.

A margem operacional, por exemplo, cresceu 75% e atingiu 5,6% — ainda longe, porém, dos 9% da Lacta­lis. O Brasil surge, ao lado da Parmalat, como o maior desafio da carreira de Besnier. Chamado de “imperador do queijo” pela imprensa francesa, ele já brigou com sindicatos, cooperativas e até com a E. Leclerc, quarta maior rede varejista da França.

Como os donos da rede não aceitaram um aumento de preços, Besnier parou de fornecer por um ano. A julgar pela situação por que o mercado brasileiro de leite vem passando nos últimos anos, a chegada de Besnier significa que vem briga por aí.

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