Revista Exame

"Dê um reset na sua vida": as lições de Nizan Guanaes para superar a crise

11 lições de gestão, operação e comunicação de Nizan Guanaes que podem ajudar o país a superar a crise causada pela pandemia do coronavírus

Nizan Guanaes: um dos maiores publicitários do país e hoje consultor, tem se dedicado a fazer  lives para ajudar pequenos e médios empresários (Germano Lüders/Exame)

Nizan Guanaes: um dos maiores publicitários do país e hoje consultor, tem se dedicado a fazer lives para ajudar pequenos e médios empresários (Germano Lüders/Exame)

BC

Beatriz Correia

Publicado em 18 de junho de 2020 às 05h30.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 12h37.

Nizan Guanaes é um mestre da comunicação, mas o que ele entende mesmo é de reinvenção. De obeso com 130 quilos virou maratonista. Depois de fundar o ABC, maior conglomerado de comunicação da América Latina, com 18 agências e 2.500 funcionários, abriu uma consultoria, a N Ideias, com apenas duas assistentes — “uma grande pequeníssima empresa”, em suas palavras. Formado em administração de empresas pela Universidade Federal da Bahia no fim dos anos 1970, voltou a estudar, desta vez no programa Owner/President Management (OPM), de Harvard, para líderes empresariais.

O ex-publicitário e eterno empreendedor foi apontado pelo jornal ­Financial Times um dos cinco brasileiros mais influentes do mundo e pela revista Fast Company uma das 100 pessoas mais criativas dos negócios. Nestes tempos de crise em razão da pandemia — ele contraiu o coronavírus —, virou uma espécie de farol para pequenos e médios empresários, a quem oferece conselhos nas lives diárias para as quais é convidado. Ele mesmo criou um programa de lives aos domingos à noite, o Sunday Night Live, em que convida celebridades de sua rede de contatos, da ministra Cármen Lúcia ao apresentador Luciano Huck.

De sua casa de campo no condomínio Fasano Boa Vista, no interior de São Paulo, Guanaes falou à reportagem da EXAME durante 2 horas, por ligação de WhatsApp. Da longa conversa, tiramos 11 lições que podem ajudar todos nós a atravessar estes tempos turbulentos.


Fiz o teste de covid-19 porque sou paranoico e porque sou sócio do Dr. Consulta, famosa rede de clínicas em São Paulo. Recebi a notícia e aquilo caiu como um chumbo. Eu tinha 61 anos, tenho 62 agora, ou seja, sou do grupo de risco. Eu tinha duas coisas para fazer. Primeiro, fiquei muito assustado. Segundo, eu fiz o que se faz como empresário: você fica mal, fora do eixo, e depois tem de tomar medidas. Eu tomei todas as medidas para proteger minha mulher e as pessoas que trabalham em casa. Fui para a Fazenda Boa Vista e fiquei 18 dias dentro do meu quarto. Recebia a comida na porta, saía no jardim para tomar um pouco de sol.

Mas era isolamento absoluto. É muito tempo para pensar e ficar preo­cupado. Esse troço mata, estão aí as estatísticas. Naquele momento não era gravíssimo no Brasil, mas os números na Itália já eram dramáticos. Eu apresentava alguns sintomas da doença, dor de cabeça, falta de olfato. Não tinha o resto, mas tinha um negócio chamado aflição. Poderia ter sido pior se eu não me cuidasse. Acordo às 5 horas, às 6 estou na academia, faço aeróbico e depois musculação. Se eu fumasse, se eu bebesse refrigerante, álcool, se estivesse fora de peso, certamente teria sido grave. Foram 18 dias muito transformadores.


A ministra Cármen Lúcia disse uma das grandes frases da quarentena: “Nós não estamos todos no mesmo barco, estamos na mesma tempestade. Tem gente que tem um barco e tem gente que não tem”. Nós, os privilegiados, estamos em um barco nesta tempestade. Outros estão só com um colete. O maior problema do Brasil é o desemprego. E não se resolve o desemprego sem olhar para as pequenas e médias empresas. Tenho feito lives à exaustão, uma por dia, falando o que se pode fazer pela pequena empresa.

Falo muito do digital porque acho que é um enabler, um facilitador. Imagine se a gente não tivesse o digital? O pequeno empresário tem na mão a própria emissora de televisão, que se chama celular. E é preciso ter visão. Digamos que você tenha uma loja de rua. Não pense como uma loja, pense como uma rua. O que você e as outras lojas podem fazer? Sozinho não consegue fazer uma entrega, mas juntos vocês têm uma escala.


Essa nova geração está velha e acomodada. Eu queria ver uma manifestação de 1 milhão de pessoas na rua pela Amazônia. Cadê? Acho muito importante sair na rua por essa coisa horrorosa do racismo. Esse é o papel do jovem, em todas as gerações. A utopia jovem não pode ser fazer um unicórnio, fazer IPO. Para mim, ser jovem não é andar de patinete ou jogar pingue-pongue. Olha que coisa revolucionária, um pufe e uma mesa de pingue-pongue! ­Tenha dó! Vá denunciar o racismo, lutar pela Amazônia numa ONG. Nenhum conflito com o unicórnio, mas é preciso que cada um entenda seu papel social. Fala-se muito em propósito e eu vejo pouco propósito. Este momento chama cada um, do seu tamanho e na sua faixa etária, a uma ação.


Eu comecei a fazer lives. Tenho um poder de articulação grande e acho que estou ajudando as pessoas com essa minha capacidade. Fui convidar a Cármen Lúcia, o Mandetta, o Luciano Huck, o governador de São Paulo, o do Rio Grande do Sul, a Angélica, a Anitta, entendeu? Para discutir tudo isso. Ontem foi com a Luiza Trajano. O Abilio Diniz, o Roberto Medina, o ­Washington Olivetto falaram sobre como liderar na crise. Quem pode, deve liderar na crise. E deve trabalhar para outras pessoas.

Todos nós neste momento temos de ser estadistas. E não estou falando só dos privilegiados. Os enfermeiros e os médicos estão tendo um papel de estadista, estão arriscando a própria vida. Não é por salário, é por dever. Estão trabalhando como se fossem um exército. Não tem isso de serviço ­essencial, todo mundo é essencial neste momento, existe um esforço de guerra. Há quem esteja no front e quem esteja na retaguarda.



O papel das grandes empresas tem sido incrível, e o dos bancos, Santander, Bradesco, Itaú, que fez uma das maiores doações do mundo. O papel de grandes famílias, como Setubal, Villela, Diniz, Moreira Salles, de empresas como Magalu, Vale. Você lembra a vida inteira da pessoa que o ajudou no momento crítico. Aquele cara que, quando você estava sem emprego, sem perspectiva, te deu um caminho, uma luz, uma força. Eu nunca esqueço a família Almeida Braga, do Icatu.

Eles investiram em mim lá em 1989, quando eu não era nada. As marcas que se posicionaram agora de maneira contundente vão ter uma dianteira muito forte na mente e no coração das pessoas. Os vencedores da crise serão os que entenderam seu papel e foram se comunicar. Serão os que responderam a uma pergunta que é de todos nós: o que você fez por mim na crise?


O que eu tenho feito em minhas lives, colunas e palestras é incentivar as pessoas a parar de fumar, de beber, de se alimentar de coisas ruins e do excesso de consumo, do qual faço parte. Passei a vida levando as pessoas para o consumo. O que é importante, gera emprego. Estamos vendo aí, as pessoas estão sem consumir, sem produzir. O que não pode é o excesso das coisas, sem parcimônia. As pessoas não podem querer que a propaganda tenha o papel da educação, isso é um engano. Isso é função nossa, com nossos filhos. A família precisa construir uma pessoa que, na frente da televisão, tenha o discernimento de compreender e de se proteger dos exageros do consumo.

A propaganda no Brasil tem um regulamento espetacular, que é o Conar. Queria que a Justiça fosse veloz como o código de autorregulamentação que a publicidade fez. Qualquer excesso é tirado do ar em 24 horas. Eu não sou mais publicitário, meu papel mudou completamente. Sou investidor, sou empresário, filantropo, tenho uma consultoria, invisto em ­startups. Vejo a propaganda com outro olhar. Se eu estivesse hoje na publicidade, e eu faço isso nas marcas como estrategista, adotaria outra retórica. Tudo mudou, e a publicidade tem de acompanhar essas mudanças. Para mim, o ­marketing hoje é a estratégia. Saímos da era do comercial, do anúncio, para a do conteúdo.


A gente vai ter problemas seriíssimos depois desta crise, sobretudo na economia. Mas ontem eu vi o rabino Nilton Bonder dizendo como os problemas na história trouxeram transformações benéficas. Depois da peste negra veio o Renascimento. Eu não sou otimista, sou maratonista. Se você tiver rumo, preparo e se dedicar a uma meta, vai chegar lá. Ouvi uma vez uma história muito boa. A avó de uma pessoa estava com câncer e foi ao oncologista. O médico perguntou: “A senhora é vivedora ou morredora?” Os pacientes que passam por cima dos problemas, que lidam com as dificuldades de forma positiva, esses são os “vivedores”.

Os “morredores” são aqueles que já estão vencidos. Muitas vezes eles têm os mesmos problemas, mas não têm a mesma disposição. A gente tem de decidir na vida, e não só nesta crise, se é “vivedor” ou “morredor”. Por mais que a gente se prepare, vai passar por problemas. E aí a postura na vida, na saúde, na vida empresarial tem de ser positiva. Foi por isso que eu decidi, quando tinha 130 quilos, bebia e fumava, ser “vivedor”. Todo mundo quer ter saúde. Mas você fuma? Faz exercícios? A gente tem de ajudar a sorte.


O marketing não resolve o problema de um produto ruim. Isso é trabalho para pai de santo, curandeiro, xamã. Um ­prospect de cliente me procurou para fazer a estratégia de comunicação dele. Mas seria preciso dar três, dez passos para trás porque ele tem um gravíssimo problema de desorganização na proposta de valor dele. Aí não adianta. Minha capa de super-homem está lavando. Qual é a comunicação que vai melhorar a imagem de uma companhia aérea? Olhe a demagogia da empresa aérea, que proibiu o cigarro no avião, mas tem um ar infecto. Agora faça um projeto com grandes laboratórios e monte uma empresa cujo grande serviço seja o ar chamado Fresh Air.

Olhe o que estamos fazendo na Amazônia. Isso é patrimônio nosso que afeta a humanidade. Tem impacto na indústria, nos serviços, em como o mundo nos vê. Temos um problema de meio ambiente que está sufocando nosso ambiente de negócios. O Brasil também não está prestando atenção na cultura, que sempre foi nossa grande garota-propaganda. A bossa-nova vendeu o Brasil no mundo. Eu vi o presidente Bill Clinton dizer para a Bebel Gilberto: “I love your father”. Olhe a venda­ da tradução de Machado de Assis, que disparou nos Estados Unidos.


Se eu fosse montar uma agência hoje, e não é o caso, eu faria com 50 pessoas, e não com 2.000. Com outras relações de trabalho. Eu poderia ter 1.000 pessoas trabalhando comigo em vez de para mim. Eu acredito muito mais nos marketplaces, na junção de pessoas. O livro Organizações Exponenciais me impactou imensamente, fiquei sem dormir. É uma revolução na forma de fazer. Eu hoje lidero uma grande pequeníssima empresa, com duas assistentes. É outro mundo de gestão. Trabalho com um diretor de criação, com uma diretora de planejamento, e cada um deles tem a própria empresa.

Nós fazemos como uma equipe médica trabalhando numa cirurgia. Não há um time esperando para fazer uma operação, eles se reúnem quando é necessário. O grupo de pessoas que eu chamo para cuidar da estratégia da Febraban é um, o grupo que eu chamo para atender a JHSF é outro. Assim conseguimos fazer um trabalho muito mais sofisticado, numa velocidade muito maior, com mais profundidade. Esse é o desenho para mim das agências e das empresas modernas. Você pode ser gigante sem gigantismos.


O tema do próximo Fórum Mundial de Davos é o grande reset. Não é possível que a gente saia deste momento sem reflexões profundas. Precisamos ter cooperação entre as nações, um foco enorme no sistema de saúde no mundo, prioridades das grandes organizações multilaterais, como a ONU e a Unesco. Neste período de quarentena, em vez de ficar de férias na minha casa, transformei meu dia em uma experiência produtiva para mim, para a sociedade em que vivo e para minha família.

Nunca fiquei tanto com minha família, nunca tinha trabalhado ao lado de minha mulher. Estou com 62 anos, portanto tenho um estoque de tempo pela frente que, mesmo que seja bom, mesmo que eu viva mais 20 anos, não é o mesmo de quando eu tinha 20 anos. Preciso tornar esse tempo muito produtivo, com muito mais propósito do que eu tive em toda a minha vida. Esta tempestade em que estamos, como falamos, talvez leve o navio para um porto melhor e diferente, quando o navio estava navegando para lugar nenhum.

Ou muito possivelmente para a destruição. Algumas coisas estão claras para mim: não dá para ter um Estado pequeno. O que não pode ser é gordo, tem de estar em forma. E não sou eu quem está dizendo, é só ler o Martin Wolf no Financial Times. Esta crise derrubou pessoas, empresas e crenças. Os Estados Unidos, do alto de seu liberalismo, soltaram 1 trilhão de dólares em ajuda. Mudei meu pensamento. Então de liberal eu virei flex [risos].



Vou pegar a frase do Spike Lee. Racismo sempre houve, a diferença é que agora está sendo filmado. Antes a Amazônia ficava na Amazônia, hoje fica no mundo, os problemas ficam no mundo. Eu me formei em 1978 na Universidade Federal da Bahia. Nada que você tenha aprendido em 1978 está valendo agora. O curso de OPM que estou fazendo em Harvard está tendo um impacto enorme em mim. Os alunos lá foram o Jorge Paulo Lemann, o Beto Sicupira, o Marcel Telles. Na minha turma está o Fabricio Bloisi, da Movile.

Entre meus colegas está o dono de uma empresa de 10 bilhões de dólares e uma empreen­dedora de startups da Nigéria. Não tem como isso não ser transformador. Quem não se dedica a aprender, está morto. Meus companheiros de classe têm 35, 40 anos de idade. Eles me atua­lizam e eu sou aquele cara que tem outra vivência. Tenho hoje um net­working do mundo inteiro. Sempre participei de Davos, falo com o presidente Clinton, conheci o Obama, o Geor­ge Osborne. O Brasil tem de ser global porque os problemas e as soluções são globais.

Querer ser um player brasileiro sem ser um global não existe mais. Alguns dos melhores aplicativos estão dentro da nossa cabeça. Não adianta ter a melhor tecnologia na mão se sua cabeça continua analógica. Qual é o problema da democracia no mundo? Ela é analógica e os problemas são 5G. Ou ela se reorganiza para atender às demandas rápidas, ou teremos um problema. É um problema de produto, que afeta sua compreensão. As pessoas acham que a democracia não é eficiente. E é a melhor solução, mas seu sistema ­operacional precisa ser atualizado.

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