Revista Exame

O fim do poder, na visão de Moisés Naim

Em seu novo livro, Moisés Naím, um dos pensadores mais destacados da América Latina, analisa o que chama de grande erosão de poder no mundo — uma onda que afeta políticos, empresas e instituições. Leia trechos de O Fim do Poder, recém-lançado no Brasil

Presidente Barack Obama: o líder dos Estados Unidos continua a exercer imenso poder, mas menos que seus antecessores (Brooks Kraft/Latinstock)

Presidente Barack Obama: o líder dos Estados Unidos continua a exercer imenso poder, mas menos que seus antecessores (Brooks Kraft/Latinstock)

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Da Redação

Publicado em 20 de dezembro de 2013 às 18h11.

"O poder — a capacidade  de conseguir que os outros façam ou deixem de fazer algo — está passando por uma transformação histórica. Ele está se dispersando cada vez mais, e os tradicionais atores (governos, exércitos, empresas e sindicatos) são confrontados com novos e surpreendentes rivais — alguns muito menores em tamanho e recursos.

Costumamos interpretar mal ou até ignorar a magnitude, a natureza e as consequências da profunda transformação que o poder está sofrendo nos tempos atuais. É tentador focar apenas no impacto da internet e das novas tecnologias de comunicação.

Sabemos que o poder está passando daqueles que têm mais força bruta para os que têm mais conhecimentos, dos países do norte para os do sul e do Ocidente para o Oriente, dos velhos gigantes corporativos para as empresas mais jovens e ágeis, dos ditadores aferrados ao poder para o povo que protesta nas praças e nas ruas.

Mas dizer que o poder está indo de um país para o outro ou que está se dispersando pelos novos atores não é suficiente. Enquanto estados, empresas, partidos políticos e movimentos sociais brigam pelo poder — como sempre fizeram —, ele em si perde eficiência. Em poucas palavras, o poder não é mais o que era. 

No século 21, o poder é mais fácil de obter, mais difícil de utilizar e mais fácil de perder. Das salas de diretoria ao ciberespaço, a luta pela capacidade de influenciar é tão intensa quanto antes, mas produz cada vez menos resultados. Isso não quer dizer que o poder tenha desaparecido.

Os presidentes dos Estados Unidos e da China, os presidentes do banco JP Morgan, da petroleira Shell e da empresa de tecnologia Microsoft, a diretora do jornal The New York Times, a diretora do Fundo Monetário Internacional e o papa continuam poderosos. Mas bem menos do que seus predecessores.

As pessoas que ocupavam tais cargos não só enfrentavam menos adversários mas também sofriam menos restrições — seja de ativistas sociais, seja da mídia, seja de  rivais — ao utilizar esse poder. Como resultado, os poderosos de hoje costumam pagar um preço mais alto e mais imediato por seus erros do que seus antecessores.

Ditadores estão vendo seu poder enfraquecer e seu número diminuir. Em 1977, havia 89 países governados por autocratas; por volta de 2011, esse número reduziu-se a 22. Hoje, mais da metade da população mundial vive em democracias. As turbulências da Primavera Árabe fizeram-se sentir nos quatro cantos do mundo.

Novo cenário global 

A demolição da estrutura tradicional de poder está relacionada a mudanças na economia global, na política, na demografia e nos fluxos migratórios. A queda dessas barreiras está transformando a política local e a geopolítica, a competição entre as empresas para conquistar consumidores ou entre as grandes religiões para atrair adeptos, assim como a rivalidade entre organizações não governamentais.


O mundo dos negócios também está sendo afetado por essa tendência. Os líderes de grandes corporações com frequência exercem mais poder do que aqueles que são simplesmente ricos. Hoje em dia, os executivos ganham muito mais do que antes, mas sua posição no topo tornou-se mais instável.

Em 1992, o presidente de uma empresa que fizesse parte da lista das maiores companhias da revista Fortune tinha uma probabilidade de 36% de manter seu emprego pelos próximos cinco anos. Em 1998, essa probabilidade tinha caí­do para 25%. O mesmo acontece com as corporações.

Em 1980, uma companhia americana que fizesse parte do grupo das 5% maiores de seu setor tinha apenas um risco de 10% de cair desse patamar em cinco anos. Duas décadas mais tarde, essa probabilidade havia subido para 25%. Hoje, um olhar para a relação das 500 maiores companhias globais mostra que muitas empresas novatas estão substituindo os gigantes corporativos tradicionais. 

Ao mesmo tempo, as corporações se tornaram mais vulneráveis a escândalos capazes de destruir sua reputação e seu valor de mercado. Um estudo concluiu que a probabilidade de um desastre desse tipo ocorrer para as companhias que detêm marcas de prestígio global subiu nas últimas décadas de 20% para 82%.

A petrolífera BP e a empresa de mídia News Corporation, de Rupert Murdoch, viram sua fortuna encolher da noite para o dia como resultado de acontecimentos que prejudicaram sua reputação. 

Outra manifestação da diluição do poder nos negócios são os membros de uma nova espécie: as ‘multinacionais de países pobres’, que substituíram ou até incorporaram algumas das maiores companhias do mundo. Os investimentos procedentes de países em desenvolvimento saltaram de 12 bilhões de dólares em 1991 para 210 bilhões em 2010.

A maior produtora de aço do mundo, a ArcelorMittal, é uma companhia indiana fundada em 1989. Quando os americanos tomam sua tradicional Budweiser, estão na verdade curtindo uma cerveja produzida por uma companhia criada em 2004 por meio de uma fusão de uma cervejaria brasileira com outra belga, que em 2008 conseguiu o controle da Anheuser-Busch, tornando-se assim a maior fabricante de cerveja do mundo. Seu presidente, Carlos Brito, é brasileiro. 


Não se trata apenas de um simples deslocamento de poder de um círculo de atores influentes para outro. A principal explicação para a fragilização do poder tem a ver com fatores tão diversos como o rápido crescimento econômico de muitos países pobres, o maior acesso à saúde e à educação e até mesmo atitudes e tradições culturais.

Afinal, o que mais distingue hoje nossa vida da de nossos ancestrais não são as ferramentas que usamos ou as regras que governam nossa sociedade. Mas, sim, o fato de sermos muito mais numerosos, de vivermos mais tempo, de termos uma saúde melhor e de que somos mais letrados e instruídos. 

Essas mudanças têm beneficiado inovadores e novatos em muitas áreas — incluindo, infelizmente, terroristas, hackers e traficantes. Tais mudanças têm produzido oportunidades para ativistas pró-democracia e criado caminhos alternativos de influência política que driblam a estrutura formal e rígida do sistema político, tanto em países democráticos como nos autoritários.

Poucos teriam previsto que, quando um pequeno grupo de ativistas malaios decidiu, no verão de 2011, ‘ocupar’ a praça Dataran, em Kuala Lampur, à imagem e semelhança dos indignados que acamparam na Puerta del Sol, em Madri, isso iria originar um movimento para ocupar a Wall Street, em Nova York, e desencadear iniciativas parecidas em 2 600 cidades ao redor do mundo.  

Esses novos atores são muito diferentes uns dos outros. Mas têm em comum o fato de não dependerem mais de porte, geografia, história ou de uma tradição arraigada para deixar sua marca. Organizações pequenas conseguem operar no plano internacional e ter repercussão global.

Representam a ascensão de um tipo de micropoder, que antes tinha pouca chance de sucesso. A degradação do poder é uma tendência que tem aberto espaços para novas estruturas, novos empreendimentos e, pelo mundo todo, novas vozes e mais oportunidades. Mas suas consequências para a estabilidade são cheias de perigos.

Como podemos manter os promissores avanços da pluralidade de vozes e opiniões, dessas múltiplas iniciativas e inovações, sem ao mesmo tempo cair numa paralisia incapacitante, que pode anular esse progresso num piscar de olhos?”

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