Revista Exame

Um ativista chamado Lewis Hamilton

O hexacampeão defende o veganismo, a preservação do ambiente e a inclusão de mulheres e negros no automobilismo, discurso perfeito para a atual Fórmula 1

Lewis Hamilton, em campanha da Tommy Hilfiger, marca da qual é embaixador e estilista: pedido para a marca trabalhar com tecidos sustentáveis (Foto/Divulgação)

Lewis Hamilton, em campanha da Tommy Hilfiger, marca da qual é embaixador e estilista: pedido para a marca trabalhar com tecidos sustentáveis (Foto/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 22 de novembro de 2019 às 05h26.

Última atualização em 22 de novembro de 2019 às 14h43.

Já eram quase 7 da noite e os boxes da equipe Mercedes da Fórmula 1 em Interlagos começavam a se esvaziar na quinta-feira, dias antes do Grande Prêmio Brasil, em meados de outubro.

Enquanto todos faziam planos para o animado e tradicional jantar de confraternização da equipe em São Paulo, Lewis Hamilton reclamava: “Todo o time vai jantar hoje no Fogo de Chão, menos eu. Não quero ir a um lugar cujo negócio mata sabe-se lá quantas vacas por ano. Eu costumava comer uns 4 quilos de carne no fim de semana. Fazia isso por diversão e agora busco alimento como combustível”.

Assim é o hexacampeão britânico, que concedeu uma entrevista exclusiva a EXAME VIP para falar do que mais gosta: suas causas. Ao entrar em 2007 na Fórmula 1, ele se tornou o primeiro negro a competir no elitista esporte. Sua importância não está apenas nos recordes mas também em seu ativismo na luta pela preservação ambiental. Entre as bandeiras que defende estão a dieta vegana, baseada totalmente em plantas, e o fim da crueldade com os animais.

Nas costas, Hamilton tem tatuada a frase Still I rise, título de um poema de Maya Angelou, escritora negra ativista. O piloto também defende maior participação de mulheres no esporte, como afirmou na abertura da temporada de 2017. Até mesmo nos negócios ele vem dando exemplo ao criar roupas sustentáveis com a Tommy Hilfiger, marca americana da qual é embaixador e que leva o nome do fundador.

O discurso de Hamilton vai ao encontro do novo momento da Fórmula 1. Desde a aquisição pelo grupo americano Liberty Media, em 2017, a categoria se esforça para tornar o esporte mais acessível, promovendo festivais gratuitos nas sedes dos grandes prêmios e corridas de exibição nas ruas e avenidas. Foi anunciado para 2021 um pacote de novas regras que tornam o esporte menos caro e, para 2030, um ambicioso plano para neutralizar toda a sua emissão de carbono.

Há quem diga que a guinada sustentável passa por segurar sua estrela principal. Recentemente, Hamilton chegou a postar que pensou em desistir de tudo, numa possível resposta às críticas a seu ativismo. Ser piloto de Fórmula 1 exige um estilo de vida pouco ecológico, com dezenas de viagens aéreas por ano, por exemplo. Hamilton afirma: “Tenho falado disso há certo tempo. A Fórmula 1 estava para trás em várias áreas. Agora é hora de compensar o tempo perdido”.

Superar obstáculos não é novidade na vida de Lewis Carl Davidson Hamilton. Apaixonado por velocidade desde criança, ganhou aos 6 anos um kart usado. Foi no Natal de 1991. Virar piloto de Fórmula 1 seria quase impossível para aquela criança de Stevenage, ao norte de Londres. Mas ele buscou inspiração justamente em um brasileiro especialista em romper paradigmas: Ayrton Senna, que se sagraria tricampeão mundial da Fórmula 1 naquele ano.

Foi justamente o chefe de equipe do brasileiro, Ron Dennis, que viu um atrevido menino de 10 anos chamá-lo em um evento de premiação em 1995. Hamilton disse a Dennis, com todas as letras, que um dia seria corredor em sua escuderia. A autoconfiança do então pequeno piloto garantiu a ele que tivesse sua carreira apoiada pela McLaren, até conseguir finalmente chegar à categoria principal em 2007. Quando se mudou para a Mercedes em 2012, distante da mão de ferro de Ron Dennis, sentiu-se mais à vontade para defender publicamente suas causas.

O tempo passou, e para o ativista Hamilton os anos trouxeram uma confiança maior para se posicionar. Poucos foram os pilotos que conseguiram transcender um estereótipo comum no meio. Pilotos de Fórmula 1 sempre foram asso-ciados a um estilo de vida hedonista. Depois de uma agitada vida de popstar fora das pistas, que incluiu um namoro com a cantora Nicole Scherzinger, Hamilton agora tem uma postura diferente. E aproveita o alcance global para divulgar suas ideias, algo como John Lennon fez depois dos Beatles.

Assim como o músico de Liverpool, Hamilton enfrenta por vezes controvérsias com o público, mesmo na Inglaterra. Apesar de ter conquistado neste ano o sexto título mundial e ser o recordista em pódios, com 134 colocações, ele não ganhou a tradicional votação online de melhor piloto do dia em nenhum Grande Prêmio.

“Não corro por reconhecimento, não é isso o que me impulsiona”, disse em uma entrevista coletiva no Brasil. “Talvez as coisas fossem diferentes se eu fosse branco, mas, no fim das contas, prefiro me concentrar nas coisas positivas.” Nada mais Hamilton.


“Sinto como se tivesse crescido no Brasil”

Hamilton fala sobre os fãs brasileiros e conta como concilia a visão ambiental com a carreira de piloto

Uma vez você já disse que gostaria de ter Ayrton Senna como companheiro de equipe. É mesmo?

Na época eu disse isso porque seria como trabalhar com uma lenda. Mas essa é a visão da criança que cresceu idolatrando o Ayrton. Se estivéssemos com a mesma idade e correndo juntos, eu disputaria forte na pista… Eu não sei se o Brasil me amaria tanto [risos]. Porque haveria vezes em que, talvez, trabalhando muito duro, eu pudesse superá-lo.

Qual a importância de Senna para você?

Talvez, se não tivesse visto o Ayrton e não tivesse encontrado alguém em quem pudesse me inspirar, eu nem estivesse aqui. É importante encontrar alguém que possa ajudá-lo a ser cada vez melhor.

Agora você é essa pessoa que inspira jovens e mostra preocupação com o meio ambiente. Acha possível conciliar essa visão com a vida de piloto?

Não é fácil. Fico em conflito porque piloto carros, viajo ao redor do mundo e participo de corridas. Ninguém é perfeito. Então, é melhor fazer algo do que não fazer nada. Estou promovendo mudanças na minha vida pessoal para ser mais sustentável, ser carbono zero. Por exemplo, quando me encontrei com o Tommy [Hilfiger], disse que queria fazer roupas sustentáveis. Os estilistas tiveram de encontrar novos materiais, novas técnicas e novos tecidos. Era tudo novo para eles.

A F1 anunciou que terá emissão de carbono 100% neutralizada em 2030.

Tenho falado disso há certo tempo. A Fórmula 1 estava para trás em várias áreas, como nas mídias sociais. Bernie [Ecclestone, antigo gestor da categoria] não achava isso importante. Só foram prestar atenção nisso quando a nova proprietária [Liberty Media, há três anos] chegou. Agora é hora de compensar o tempo perdido. É ótimo o plano de zerar as emissões de carbono até 2030, mas ainda estamos atrasados.

Também é possível conciliar sua dieta vegana com a vida de piloto?

Não contribuo para a crueldade com os animais, não apoio nenhuma empresa nesse ramo. Do ponto de vista da saúde, foi a melhor decisão. A ciência mostra os benefícios da dieta baseada em plantas. Um dos homens mais fortes do mundo é vegano, [o tenista] Novak Djokovic também é, eu sou campeão mundial de Fórmula 1 e vegano…

Em que momento você virou vegano?

Parei de comer carne vermelha há quatro anos, depois parei com o frango. Há dois, só como vegetais.

Você compara alimento a combustível.

Sim. Imagine os benefícios de não ter pressão alta causada pela carne. A comida orgânica abre as veias, aumenta o fluxo sanguíneo e reduz a pressão arterial. Vejo meu corpo como um motor: estou procurando melhorar o combustível, o melhor óleo para reduzir a fricção, elevar meu desempenho.

Você é muito idolatrado no Brasil.

Sim, sei que o Brasil me admira e fico lisonjeado. Meu maior número de seguidores e fãs nas redes sociais é do Brasil.

Nunca tinha lido sobre isso.

Nunca disse isso a ninguém. E é incrível. Quando estou no Brasil, sinto como se tivesse crescido aqui. Sempre venho a São Paulo, mas vejo só uma parte pequena da cidade. Neymar vive me falando de lugares incríveis aqui.


No pódio da moda

Lewis Hamilton também é referência em estilo

O ícone de moda de Hamilton é o rapper Pharrell Williams, e por aí já se pode deduzir sua visão de moda, inspirada no streetwear. Sua primeira parceria no universo fashion, porém, foi com uma marca de identidade oposta. Fundada em 1986, a Tommy Hilfiger é inspirada no cenário preppy, dos estudantes da Ivy League. A participação de Hamilton na Tommy é de cocriação. “Nosso trabalho começa um ano antes. Vejo as tendências, as paletas de cores e os materiais”, diz ele.

O resultado, agora na terceira coleção, são peças de alfaiataria e básicos masculinos com um toque das ruas. “Quando era mais novo, eu me influenciava muito pelo hip-hop. Lembro da primeira reunião que tive com um chefão da Fórmula 1. Ele estava de terno e gravata e me olhava assus-tado. Fiquei em conflito até me firmar e perceber que poderiam chacoalhar a árvore que eu não cairia. Eu poderia me vestir da maneira que quisesse. Uma das melhores coisas em um desfile é ver as pessoas vestindo as peças que criei de uma maneira que eu jamais imaginaria usar. Amo moda e a forma como as coisas nela vão se movendo e mudando.”

Coleção criada por Hamilton: influência do hip-hop
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