Revista Exame

O antídoto da Bayer para a polêmica da Monsanto

Liam Condon, principal executivo da área de agronegócio da Bayer, diz como superar o estigma dos produtos incorporados após a compra da Monsanto

Condon, da Bayer: “Devemos investir 5 bilhões de dólares para substituir o glifosato” | Alamy/Fotoarena

Condon, da Bayer: “Devemos investir 5 bilhões de dólares para substituir o glifosato” | Alamy/Fotoarena

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Rodrigo Caetano

Publicado em 22 de novembro de 2019 às 05h34.

Última atualização em 22 de novembro de 2019 às 06h34.

compra da americana Monsanto pela alemã Bayer, há pouco mais de um ano, criou o maior produtor de sementes e defensivos agrícolas do mundo. As vendas da Bayer avançaram 4,5% no ano passado e alcançaram quase 40 bilhões de euros. Os problemas decorrentes do negócio, no entanto, são tão superlativos quanto o tamanho da companhia, dona de 30% do mercado mundial de herbicidas.

De acordo com um recente levantamento realizado pelo jornal americano The Wall Street Journal, trata-se de uma das piores grandes fusões já realizadas em termos de perda percentual de valor de mercado nos 12 meses seguintes à conclusão do negócio. Quase metade do valor da empresa resultante virou pó desde junho de 2018 — hoje ela está valendo em torno de 70 bilhões de dólares. A razão está numa herança nada desejável. Poucas semanas após o fechamento do negócio, a companhia perdeu uma ação judicial que alegava haver efeitos cancerígenos com o uso do glifosato. O passivo legal é milionário, com mais de 15.000 outras ações judiciais contra o produto. O fato é que o glifosato é o herbicida mais utilizado do planeta.

A resposta da Bayer, que antes de incorporar a Monsanto estava ancorada principalmente no setor farmacêutico, tem sido mudar o modelo de negócios. Ou, pelo menos, o discurso em torno dele. No lugar de vender produtos, a proposta é vender resultado. O fazendeiro vai pagar para ter determinada produtividade. Se não alcançá-la, a Bayer não receberá ou ganhará menos. Isso se torna possível com uma plataforma digital conectada a sensores, satélites e máquinas agrícolas que permite prever a colheita com precisão. Em visita a São Paulo, o irlandês Liam Condon, presidente da divisão de agronegócio da Bayer, hoje a maior da companhia alemã, falou a EXAME.

A Bayer tem adotado o discurso de que venderá resultado, e não mais produtos. O que isso significa na prática?

No passado, vendíamos sementes, fungicidas e outros produtos. No futuro, passaremos a vender aumento da produção, cultivo livre de pragas, e por aí vai. Com a digitalização, somos capazes de dizer a nosso cliente, com grande grau de certeza, qual será a produtividade caso utilize certos produtos. Caso não atinja essa produtividade, não recebemos ou recebemos menos.

O modelo já está em prática ou é apenas uma ideia?

Está mais avançado nos Estados Unidos. No Brasil, está em testes. Precisamos obter mais dados para ter uma boa previsibilidade.

Qual é o avanço tecnológico que permite essa mudança?

O maior avanço se dá na área da ciência de dados. Falo sobre os dados de sensores, imagens de satélite, dados de maquinário, que hoje podemos agregar a nossa plataforma digital de agricultura, a Climate Fieldview [startup do Vale do Silício comprada pela Bayer em 2013. Hoje é o braço digital da companhia]. É isso, em combinação com a biotecnologia, que nos permite pensar em modelos de negócios novos.

Com a compra da Monsanto, a Bayer herdou um passivo de mais de 15 000 ações judiciais contra o glifosato, o herbicida mais vendido no mundo. Isso não força a empresa a acelerar a busca por um substituto?

Acredito que sejam tópicos separados. O controle de ervas daninhas é um dos maiores desafios dos fazendeiros em todo o mundo. E é uma oportunidade de negócios. Há muitos anos os produtores dependem do glifosato, que é uma substância muito eficiente, segura e de baixo custo. Antes de adquirir a Monsanto, tentamos por décadas desenvolver um produto melhor. Nunca conseguimos. Mas continuamos tentando. Nos próximos anos, devemos investir pelo menos 5 bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento para encontrar esse substituto. Pensamos até em soluções mecânicas, com lasers. Porém, não acredito que haverá uma alternativa no curto prazo. O glifosato é uma daquelas descobertas únicas, como foi a penicilina para a medicina. Por isso, apesar desse passivo, nossa opinião sobre a aquisição da Monsanto não mudou.

Os defensivos biológicos poderão substituir os químicos?

Hoje são tecnologias complementares. Não temos uma proteção biológica para a ferrugem asiática, por exemplo, que ataca a soja. Investimos nisso, mas não posso simplesmente abandonar os químicos e mudar para os biodefensivos, pois deixaria o fazendeiro desprotegido. Se eu encontrar algo melhor, ficarei feliz em trocar o antigo pelo novo. Estou convencido de que, em termos de volume, a tendência é que a agricultura utilize cada vez menos químicos. Para isso, precisamos de inovações. Novos produtos, geralmente, significam volumes menores. E sempre combinando com a digitalização. Com o uso de sensores, por exemplo, podemos detectar onde há ferrugem asiática e só aplicar o defensivo naquele determinado ponto. O mesmo vale para os herbicidas.

Considerando essa nova realidade digital e o desenvolvimento de químicos avançados, que tipo de regulação de mercado seria ideal?

Regulações tendem a não acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Duas questões são importantes. A primeira é que as normas devem se basear na ciência. Devemos olhar os benefícios, os riscos e tomar uma decisão científica, como é o caso, em grande medida, nos Estados Unidos. Não é como a Europa pensa. Os reguladores europeus tendem a ser mais orientados pela precaução. Risco zero, independentemente do benefício. Do ponto de vista da inovação, é um impeditivo. A segunda questão tem relação com a digitalização. Até hoje, os registros de produtos se baseiam em estudos que levam anos para ser feitos. Depois de uma década, faz-se um novo registro. Com a tecnologia, podemos checar a cada safra o que está acontecendo, em tempo real. Existe a possibilidade de flexibilizar o sistema regulatório utilizando dados de campo, e não de laboratório. Mas isso ainda não aconteceu. Essa tendência está presente no setor farmacêutico também. É uma oportunidade.

Os reguladores poderiam ter acesso à plataforma de agricultura digital da Bayer, por exemplo?

Sim. Há mais valor em saber como nossos produtos são utilizados numa escala maior e na prática do que num ambiente controlado.

Esse modelo não requer mais transparência por parte das fabricantes de defensivos?

Temos um compromisso com a transparência. Nosso setor enfrenta uma queda na confiança. Com mais transparência, podemos recuperar essa confiança. Nossos estudos de segurança, por exemplo, já estavam disponíveis para os reguladores. Agora liberamos o acesso por completo. A única questão seria em relação a informações comercialmente sensíveis. Se o regulador não compartilhar esses dados com nossos competidores, não haverá problema nenhum.

Protesto contra a Monsanto: produtos polêmicos pesam na imagem e no valor de mercado da companhia | Alamy/Fotoarena

Há uma nova indústria de proteínas vegetais surgindo. Isso é uma oportunidade para a Bayer?

Um de meus filhos é vegetariano. Ele gosta de carne, mas não aceita a ideia de que um animal tenha de morrer para ele comer. Claramente, é um mercado em crescimento. Muitos desses produtos são baseados em soja, que é nosso principal segmento. No futuro, haverá alternativas mais tecnológicas, como proteínas produzidas com células de animais. É carne de verdade, mas nenhum animal precisará morrer para você consumir. Mas nós não estamos envolvidos diretamente nesse desenvolvimento.

A preferência por orgânicos está se consolidando como uma tendência de consumo, sobretudo pela geração millennial. A indústria de alimentos não deveria estar mais engajada nisso?

As pessoas nunca estiveram tão interessadas em saber de onde vem a comida, o que cria oportunidades para investir em rastreabilidade. É possível, por exemplo, que um produto vendido no supermercado seja rastreado até a fazenda que o produziu. Nós oferecemos isso. Recentemente, em Brasília, promovemos um encontro com jovens do mundo todo sobre agricultura do futuro. Eles saíram de lá tuitando e compartilhando tudo nas redes sociais. Há um grande interesse sobre o assunto. Por isso, acredito que a indústria alimentícia esteja ciente dessas mudanças e trabalhe para se adaptar a esse novo consumidor.

O Brasil é o mercado que mais cresce para a Bayer atualmente. Quais são suas expectativas em relação ao mercado brasileiro?

Sim, o Brasil é o mercado que mais cresce para nós no mundo. A guerra  comercial entre os Estados Unidos e a China faz com que o país cresça de maneira ainda mais acelerada. Porém, mesmo com a resolução da disputa, o cenário positivo se mantém para os próximos anos.

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