Fábrica de celulose da Fibria: ao contrário da Suzano, a empresa não investe mais na fabricação de papel (Fabiano Accorsi / EXAME)
Da Redação
Publicado em 12 de agosto de 2015 às 11h22.
São Paulo - Seria muito mais fácil entender o mundo dos negócios se ele fosse mais racional. Verdade, a frieza dos números tem sua importância, mas muito do que faz a roda girar são aquelas velhas conhecidas características humanas — a ambição, o ego, o medo, a paixão.
É por isso que um abismo separa o que “faz sentido” do que de fato acontece na prática. Grandes empresários saíram do nada desafiando o bom senso; outros desabaram pelo mesmo motivo. É assim desde sempre, e nada indica que mudará tão cedo.
Duas das mais poderosas famílias brasileiras vivem um momento que ilustra perfeitamente essa eterna disputa entre o que deveria ser e o que é — os Feffer, donos do grupo Suzano, e os Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim.
As duas famílias comandam as duas maiores empresas de celulose do país, que estão entre as cinco maiores do mundo nesse setor. O grupo Votorantim é dono da Fibria, maior fabricante de celulose do planeta. Fatura 7,4 bilhões de reais e vale mais de 22 bilhões na bolsa. A Suzano é a segunda maior fabricante de papel e celulose do mundo, com faturamento de 8 bilhões de reais e 18 bilhões de valor de mercado.
Há anos, executivos, concorrentes e banqueiros falam sobre uma possível fusão entre as duas companhias. Muitos tentaram colocá-la de pé, mas sem sucesso. No papel, com o perdão do trocadilho irresistível, faz todo o sentido. A nova empresa teria participação de 18% no mercado mundial e poderia exercer uma influência decisiva sobre os preços do produto.
O Bank of America Merrill Lynch calcula que as sinergias obtidas com a fusão entre Fibria e Suzano, considerando as áreas administrativas e as economias de investimento, poderiam chegar a 9 bilhões de reais. O BNDES, que tem 40 bilhões de reais investidos no setor e é sócio das duas empresas, também apoia a ideia — que cortaria dívida e necessidade de investimento.
A fusão seria boa para controladores, acionistas e credores. O problema é que, para a coisa dar certo, os Feffer e os Ermírio de Moraes precisam ceder aqui e ali. É aí que a lógica econômica vai para o segundo plano.
A principal questão é saber quem mandaria na nova companhia. O flerte entre as empresas ganhou um novo capítulo há alguns meses. Davi Feffer, o mais velho dos quatro filhos de Max Feffer e presidente do conselho da Suzano, vem conversando com bancos de investimento para definir uma nova estratégia para a empresa.
O JP Morgan é o principal interlocutor dos Feffer — por ora, as famílias ainda não se encontraram para discutir o assunto. A Suzano nega qualquer intenção de fechar um negócio com a Fibria e diz que não contratou o banco com essa finalidade. A Fibria não comenta “rumores”, mas banqueiros que conversaram com Davi Feffer recentemente dizem que ele fala com entusiasmo sobre a possibilidade de comandar uma gigante ainda maior no mercado mundial de celulose.
Uma fusão nas condições atuais colocaria a maior participação acionária nas mãos da família Feffer, que tem mais de 50% da Suzano. Segundo o relatório da Merrill Lynch, os Feffer ficariam com uma participação de 23%, igual à do BNDES; e o grupo Votorantim, com 18%. Para os Feffer, uma união dentro desses termos seria o negócio do século. O difícil é convencer os Ermírio de Moraes a aceitar.
Na Fibria, o relatório que a deixava debaixo da aba dos Feffer foi recebido com sarcasmo. A empresa apressou-se a dizer aos outros analistas que já havia discutido a possibilidade de comprar a Eldorado, terceira maior fabricante de celulose do país, comandada pelo grupo J&F, mas que nunca houve negociações para se juntar à Suzano.
É fácil entender o motivo da reação. Sabe-se, dentro da Votorantim, que a fusão seria excepcional do ponto de vista financeiro, mas, para os Ermírio de Moraes, o melhor momento não é agora. A empresa está em meio a um plano de expansão gigantesco, que aumentará 50% suas vendas nos próximos dois anos e lhe dará muito mais poder de fogo para negociar com os Feffer, com a Eldorado ou com qualquer outra concorrente.
Em maio, a Fibria anunciou um acordo para comprar toda a produção de celulose da nova fábrica da Klabin, tradicional produtora de embalagens que entrará no mercado de celulose no ano que vem. A Fibria exportará a maior parte da produção da Klabin, de 1,1 milhão de toneladas anuais.
Em junho, veio o anúncio mais importante: o início do projeto que dobrará a capacidade da fábrica de Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, para 3,7 milhões de toneladas anuais. A empresa arcará com 40% do investimento previsto, de 8 bilhões de reais, e deve buscar o restante com bancos privados.
No início de 2018, a Fibria produzirá 7 milhões de toneladas anuais de celulose e estará vendendo ao mercado internacional quase 8 milhões de toneladas ao ano, bem acima dos 5,3 milhões atuais. A capacidade da Suzano em celulose é de 3,5 milhões de toneladas — e a empresa cancelou um de seus projetos de expansão, o de uma fábrica no Piauí.
Para refletir a diferença de tamanho entre as empresas, uma eventual fusão, aos olhos da Fibria, teria que dar o controle ao Votorantim. Além disso, a dívida da Suzano chega a quatro vezes sua geração de caixa, ante um índice de 2,3 vezes da Fibria. A desvalorização do real deverá derrubar o índice da Suzano para 2,8 ainda neste ano, mas mesmo assim a balança vai continuar favorável para a Fibria.
Isso explica a urgência dos Feffer em aproximar-se dos rivais para sugerir um acordo. A cada dia que passa, afinal, a Suzano fica com menos chance de controlar a empresa que nasceria da eventual fusão.
Um caminho para viabilizar o negócio, portanto, seria os Feffer aceitarem dividir o poder. Mas não é uma situação que lhes deixe confortáveis, ainda mais com os Ermírio de Moraes. As duas famílias já foram sócias na área de celulose. Foi uma união de conveniência, contra um inimigo externo, a fabricante finlandesa de papel e celulose Stora Enso.
Os dois grupos compraram a Ripasa em 2005 para impedir o crescimento da rival, e cada empresa ficou com metade da produção. Na sociedade, não houve uma real gestão compartilhada, e executivos lembram-se de um desconforto entre os sócios quando se chegou à conclusão de que o preço pago havia sido alto demais.
A sociedade durou cinco anos, até a compra da Aracruz pela Votorantim Celulose para formar a Fibria. Raul Calfat, presidente do conselho de administração da Votorantim Industrial, decidiu que a empresa sairia do mercado de papel para concentrar-se exclusivamente em celulose, e a Suzano comprou a totalidade da Ripasa por 1,5 bilhão de reais em 2010.
O dinheiro ajudou o Votorantim a injetar recursos na Fibria, que carregava as perdas bilionárias da Aracruz com derivativos. Desde então, o grupo não investiu mais em papel e não quer saber de projetos nesse mercado. Como 30% da produção da Suzano é de papel, eis mais uma razão para a Fibria se opor ao negócio.
É muito raro que famílias brasileiras concordem em abrir mão do poder em suas empresas quando tudo vai bem. E o setor de papel e celulose é um dos poucos fora do festival de más notícias que assola o país: as coisas vão muito bem, obrigado. A entrada de mais unidades de produção no Brasil não derrubou os preços mundiais da celulose como se esperava, porque fábricas de alto custo, na Europa e nos Estados Unidos, foram fechadas. O preço da celulose subiu 20% nos últimos dois anos.
A desvalorização cambial foi a cereja do bolo: quase toda produção é exportada, e grande parte do custo é em real. Em pouco mais de dois anos, o valor de mercado de Fibria, Klabin e Suzano dobrou na bolsa — nos últimos 12 meses, todas subiram mais de 70%. Nesse cenário, nem Feffer nem Ermírio de Moraes parecem dispostos a ceder. Mas o flerte entre as duas famílias continua.