Vista de Miami: alguns bancos já têm assessoria imobiliária no exterior para clientes brasileiros (Joe Raedle/Getty Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 1 de setembro de 2014 às 15h58.
São Paulo - Pouco depois do estouro da crise financeira mundial em 2008, os brasileiros despontaram como compradores de imóveis nos Estados Unidos, especialmente na Flórida. Com a queda dos preços provocada pela recessão, casas e apartamentos de luxo em cidades como Miami e Nova York chegaram a ficar mais baratos do que os vendidos em bairros de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Nos últimos meses, porém, ficou claro que os brasileiros ricos não querem só passar férias com a família no exterior. Eles estão investindo uma parcela maior de seu patrimônio fora do país, em ações, títulos de renda fixa e, claro, imóveis, majoritariamente nos Estados Unidos e na Europa.
Os números desse movimento ainda não foram divulgados pelo Banco Central, que só reporta anualmente o total de recursos enviados por investidores para fora do país.
Mas dez executivos de alguns dos principais bancos e assessorias financeiras do Brasil disseram a EXAME que o percentual do patrimônio que seus clientes aplicam no exterior é o maior dos últimos dez anos. Os ricos, em suma, estão dando um “bye-bye, Brasil” coletivo.
Na GPS, maior assessoria financeira do país, com 17 bilhões de reais sob gestão, a parcela do patrimônio dos clientes de altíssima renda alocada fora do país dobrou nos últimos 12 meses, para 30%. No Santander, o aumento foi de 110% desde dezembro, e hoje a fatia está em cerca de 30% do volume total.
Os demais bancos consultados — Bradesco, HSBC, UBS e outros que não quiseram ter o nome divulgado — disseram que o percentual oscila entre 20% e 30% e que as remessas para o exterior começaram a ganhar força no fim de 2013. A estimativa é que, no primeiro semestre deste ano, cerca de 4 bilhões de dólares tenham saído daqui (em 2013, o total foi inferior a 6 bilhões de dólares).
A imensa maioria desses investidores aplica, no mínimo, 1,5 milhão de dólares no mercado externo: enviar um volume abaixo desse não compensa em razão das taxas bancárias e dos custos de movimentação.
Mas vale a pena investir fora do país agora? Os ricaços brasileiros estão agindo por ganância ou por medo? “Quem manda dinheiro para fora está mais preocupado em proteger seu patrimônio do que ter retornos elevados”, diz o diretor de um banco nacional que pediu para não se identificar.
A principal preocupação dos investidores, segundo os profissionais ouvidos por EXAME, é a perspectiva de uma nova desvalorização do real — aplicando no exterior, eles conseguem proteger seus recursos desse risco. “Isso costuma acontecer quando há um cenário de incerteza.
Hoje, as dúvidas são provocadas pela eleição presidencial”, diz Paulo Corchaki, diretor de investimentos do banco UBS. A maioria dos economistas acredita que, qualquer que seja o resultado das eleições, o câmbio deverá desvalorizar até o fim de 2015, devido ao aumento do déficit externo.
A projeção média é que o dólar feche o próximo ano em 2,50 reais, o que representa queda de 10% em relação à cotação atual. Mas vai saber como o câmbio vai reagir ao novo governo — e, na dúvida, a turma está comprando lá fora.
Uma parcela dos investidores diz estar mandando recursos para o exterior por temer que as condições econômicas piorem no Brasil. Na conta deles, está o risco de reajustes de tarifas e preços como o dos combustíveis, que estão defasados cerca de 11% em relação aos preços internacionais do petróleo pagos pela Petrobras na importação.
Há ainda os alarmistas, que temem que o novo governo eleve impostos sobre investimentos ou limite remessas para o exterior. Os executivos de mercado disseram que não viam essa “apreensão” entre os investidores desde a primeira eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.
Na época, o movimento foi muito mais intenso: os investidores mandaram cerca de 9 bilhões de dólares para fora do país, o dólar bateu os 4 reais e o Ibovespa caiu 17% em 12 meses (neste ano, o índice está subindo 16%).
Mas vale olhar também o que está acontecendo lá fora. Além do medo do que pode se passar por aqui, o interesse dos investidores em aplicar no exterior se deve ao bom desempenho de vários mercados. A bolsa de Nova York subiu 79% em cinco anos, e a do Japão, 48%, enquanto o Ibovespa valorizou só 3,5%.
Desde dezembro de 2009, o preço de imóveis nas 20 maiores cidades dos Estados Unidos aumentou quase 20%. Os juros pagos pelos governos de países europeus, como Espanha, França e Itália, caíram drasticamente desde a crise de dois anos atrás — quem apostou na queda ganhou muito dinheiro.
Na tentativa de abocanhar parte desses ganhos, dezenas de fundos multimercados brasileiros passaram a comprar ações e títulos no exterior, mantendo os recursos dos cotistas no país (só em 2013, o patrimônio desses fundos aumentou cinco vezes, para 3 bilhões de reais, segundo a consultoria Risk Office).
Está tudo muito bem até agora, mas o risco parece alto olhando à frente. A dúvida é se essa alta de preços em muitos desses mercados é sustentável ou se tem sido inflada pelos juros baixíssimos praticados nos países desenvolvidos.
É bolha?
Cada vez mais analistas estão apostando na segunda opção: o BIS, o banco central dos bancos centrais, vem alertando em artigos — o último deles publicado em junho — para a formação de bolhas financeiras em diversos países.
Os bancos e as assessorias consultados por EXAME recomendam que seus clientes endinheirados apliquem no exterior uma pequena parcela do patrimônio, entre 10% e 15% do total. O objetivo, dizem, é diversificar riscos. Atualmente, a principal indicação é aplicar em fundos de ações que invistam nas bolsas dos Estados Unidos e da Europa, que podem ganhar com a esperada retomada da economia.
Os especialistas também recomendam imóveis, principalmente os comerciais, que podem ser alugados e dar um rendimento mensal. O banco Santander montou uma área para assessorar seus clientes nisso, e o Credit Suisse, o HSBC e o Itaú estão vendendo fundos imobiliários nos Estados Unidos e na Europa.
Para quem prefere a renda fixa, o conselho é investir nos países desenvolvidos, porque o risco é menor, mas procurar opções que rendam mais do que os títulos públicos, com suas taxas próximas de zero. As alternativas são papéis de empresas sem grau de investimento e fundos que apostam na alta dos juros nos Estados Unidos e estão ganhando dinheiro.
O rendimento não é nenhuma maravilha — tem ficado em torno de 5% ao ano —, mas pode fazer sentido para quem está querendo dar um tempo no risco Brasil.