Soja: com uma das maiores produções agrícolas do mundo — que seguirá em expansão —, o país precisará de aportes para áreas como bioeconomia, armazenagem, máquinas agrícolas e soluções (Getty Images/Getty Images)
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Publicado em 10 de novembro de 2023 às 06h00.
Última atualização em 13 de novembro de 2023 às 14h14.
De importador de alimentos até a década de 1960, o Brasil se tornou um dos maiores produtores agropecuários do mundo — e vem fazendo isso preservando mais de 60% de seu território. Para ilustrar: a produção nacional de grãos saiu de 31,3 milhões de toneladas em 1990 para 322,8 milhões de toneladas em 2022, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Com produtividade crescente combinada a um Código Florestal dos mais exigentes do planeta, os holofotes se voltam para a experiência brasileira. “Existe uma demanda mundial por alimentos, e talvez o Brasil seja o país com maior capacidade de expansão da produção, de maneira sustentável, no mundo”, diz Luiz Caruso, coordenador-geral de Promoção de Investimentos Estrangeiros e Cooperação da Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Segundo dados da ONU, com 2010 como ponto de partida, a produção agropecuária mundial terá que crescer 56% para matar a fome de cerca de 10 bilhões de pessoas até 2050. Esse cenário explica por que o setor atrai tantos investidores. “Eles querem retorno e veem a competitividade e as altas taxas de crescimento do agro brasileiro”, acrescenta Caruso. Além de práticas agropecuárias sustentáveis, reconhecidas mundialmente, como o plantio direto e o sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), o governo federal está com um plano, estimado em 120 bilhões de dólares, de conversão de 40 milhões de hectares de pastagens degradadas ou de baixa produtividade em lavouras ou pecuária de alto rendimento em dez anos. Para isso, Carlos Fávaro, ministro da Agricultura, tem conversado com fundos estrangeiros para que invistam no projeto. Em linha com o discurso ambiental antidesmatamento defendido internacionalmente, o plano teve retornos positivos do Eximbank, banco da Coreia do Sul, da Companhia Saudita de Investimento Agrícola e Pecuária (Salic, na sigla em inglês) e da Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica).
O plano dá continuidade a políticas já consolidadas, como o plano ABC, de Agricultura de Baixo Carbono, e está alinhado com a nova dinâmica econômica mundial atrelada à agenda ESG, de melhores práticas ambientais, sociais e econômicas. “Chamamos de fator verde: a capacidade de uma economia abrigar recursos naturais e gerar renda e riqueza com impacto ambiental reduzido”, diz Daniel Vargas, Coordenador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV). Nesse contexto, a bioeconomia tem tudo para revolucionar o agro nacional, fomentando novos mercados. Um exemplo é a S.Oleum — empresa voltada para a produção em larga escala de matérias-primas sustentáveis (muitas delas em substituição a fontes fósseis) para múltiplos segmentos, da indústria de alimentos ao setor de energia.
Inicialmente, o foco da empresa é a macaúba, árvore da biodiversidade brasileira, rica em óleos, fibras, proteína e biomassa com diversas possibilidades de uso. A partir do fruto se produz leite vegetal, proteínas, gorduras para diversas finalidades, óleo pirolítico (considerado o petróleo vegetal) e bioquerosene (combustível de aviação). Já a biomassa é fonte de hidrogênio, etanol de segunda geração e fertilizantes (biochar). Até 2029, a S.Oleum vai implantar 180.000 hectares de macaúba em áreas degradadas ou de baixa fertilidade do Cerrado em sistemas de ILPF. Para isso, a empresa tem parceria com diversas universidades, empresas e centros de pesquisa para desenvolvimento de cada elo dessa nova cadeia produtiva. “Trabalhamos com melhoramento genético, clonagem, manejo de campo, novos fertilizantes, mecanização. É um universo que vai de produtos biológicos a digitalização da floresta”, diz Francisco de Blanco, CEO da S.Oleum.
Para o projeto sair do papel serão necessários 4 bilhões de dólares até o fim da década. “Construiremos cinco clusters produtivos, que são compostos de área de plantio e indústria. Cada cluster vai custar 800 milhões de dólares, metade virá de private equity, e a outra metade virá de dívida. Recebemos investimentos de uma empresa global e estamos na segunda rodada de captação para colocar o primeiro cluster de pé”, afirma Blanco.
Além da bioeconomia, o crescimento vertiginoso do agro impõe cada vez mais investimentos em setores tradicionais. A armazenagem é um deles. “Historicamente, o Brasil aumenta em torno de 10 milhões de toneladas a produção de grãos por ano, mas a armazenagem tem crescido 5 milhões de toneladas por ano”, diz Paulo Bertolini, presidente da Câmara Setorial de Equipamentos para Armazenagem de Grãos da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). O resultado é um déficit de armazenagem de 126 milhões de toneladas.
Sem local para secar, limpar, classificar e armazenar os grãos, o produtor se vê obrigado a escoar a safra. “A época da colheita coincide, todos precisam de caminhões no mesmo período. Com essa demanda concentrada, o preço do frete vai às alturas, porque o caminhão virou o armazém. Isso resulta em maior custo logístico, que acaba sendo pago pelo produtor”, diz Bertolini. A sobreoferta causa, ainda, desvalorização do preço das commodities em relação às cotações internacionais. Segundo Bertolini, são necessárias duas frentes para superar o gargalo: aumentar as linhas de financiamento e o volume de recursos destinados à armazenagem e investir em silos dentro das propriedades rurais. “Nos Estados Unidos, mais de 60% dos armazéns estão nas fazendas, e eles têm a capacidade de estocar 1,5 safra. No Brasil, apenas 15% da capacidade está dentro da porteira. A maior parte (85%) está em centros urbanos, industriais e portos”, diz.
Maior mercado agro da América Latina, o Brasil é também uma oportunidade no setor de máquinas e implementos. O grupo argentino Crucianelli, líder no segmento de plantadeiras e semeadeiras em seu país, ensaiava, há 15 anos, uma aterrissagem em solo brasileiro. Chegaram e abrir uma unidade no Rio Grande do Sul para importar as máquinas e colocá-las à venda em Mato Grosso — grande produtor agrícola do país, mas o preço final não era competitivo. Em 2022, os Crucianelli vieram à Agrishow — maior feira internacional de tecnologia agrícola da América Latina —, que acontece em Ribeirão Preto, São Paulo, e conheceram o Grupo Piccin, empresa brasileira com 60 anos de trajetória e vasto know-how na produção e comercialização de implementos de preparo do solo, que estava expandindo os negócios e ampliando a família de produtos. O encontro rendeu frutos neste ano: os dois grupos firmaram uma joint venture para a produção e comercialização de plantadeiras e semeadoras no Brasil. A parceria resultou na Aliança Crucianelli e Piccin, empresa que está construindo uma nova fábrica para produção desses maquinários em São Carlos, no interior paulista. “A chegada ao Brasil é um anseio de muitos anos de trabalho e esforço, com o objetivo de nos tornarmos um player de relevância no mercado mundial”, diz Gustavo Crucianelli, CEO do grupo argentino, que junto com a Piccin planeja investir 9 milhões de dólares em cinco anos. “Já neste mês começamos a vender plantadeiras com 80% de peças fabricadas aqui e 20% na Argentina. A partir de 2024, a produção será 100% nacional”, diz Camilo Ramos, CEO do Grupo Piccin. A previsão é produzir 4.000 linhas de plantio até 2027, ano em que a fábrica alcançará a capacidade produtiva de 2.000 linhas por ano.
Com sede em Santa Fé, na Argentina, e faturamento de 165 milhões de dólares, o Grupo Crucianelli tem foco no mercado do CentroOoeste e, inicialmente, vai vender dois modelos no Brasil. Uma plantadeira já comercializada na Argentina e um novo modelo, que está sendo desenvolvido para o mercado nacional. “No Brasil, a máquina fechada precisa ter 3,2 metros, que é um padrão para rodovias e para ser transportada por alguns caminhões. Além disso, Bahia e Maranhão precisam de maquinários que façam plantio com adubação em profundidade, o que não é necessário na Argentina”, diz Ramos. Por ora, a produção é focada em atender a demanda interna. “Mas não descartamos a possibilidade de expandir no futuro e exportar a partir do Brasil”, diz Crucianelli.
Quarto maior produtor de alimentos do mundo, o Brasil depende da importação de fertilizantes para continuar produzindo cada vez mais e melhor. Mas a pandemia e os problemas geopolíticos no mundo mostraram a vulnerabilidade que é depender da importação de insumos externos. Em 2021, a crise política em Belarus, um dos principais produtores de potássio do mundo, aliada ao fechamento de minas de potássio no Canadá, causou uma escalada no preço dos fertilizantes, impactando o custo de produção. O governo brasileiro está colocando em prática o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), cuja meta é ampliar a produção nacional de fertilizantes e diminuir de 85% para 50% a dependência de insumos importados até 2050. Com isso, uma oportunidade se abre:“Isso significa duplicar a indústria nacional, o que demandará investimentos da ordem de R$ 120 bilhões na capacidade de produção”, diz Bernardo Mendes Silva, diretor-executivo do Sindicato Nacional das Indústrias de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert). Para fortalecer a ação coordenada, o atual governo reestruturou o Conselho Nacional de Fertilizantes (Confert) e revisou o PNF para executá-lo com eficiência. “Nos primeiros meses de Confert, a produção nacional de fertilizantes aumentou 6% depois de enfrentar 30 anos de queda”, diz José Carlos Polidoro, assessor de Programas Estratégicos da Secretaria Executiva do MAPA. Contribuiu para o resultado a decisão do Conselho de Política Fazendária (Confaz) — que reúne os secretários de Fazenda dos estados brasileiros — de estabelecer um plano para isonomia tributária entre fertilizantes importados e nacionais até 2025. Antes, a isenção dos importados tirava a competitividade do produto nacional. A dependência se estende aos demais países sul-americanos, que, no conjunto, importam 70% de sua necessidade. Por isso, o Brasil busca o alinhamento dos países de toda a região. “Estamos tratando com governos e empresariado desses países para atrair investimentos e aumentar a produção e distribuição, reduzindo custo dos fertilizantes e melhorando a competitividade do produtor em toda a região”, acrescenta Polidoro. Incentivos adicionais estão em debate no Legislativo. Tramita na Câmara dos Deputados a proposta de criação do Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes - Profert (projeto de lei 3.507/2021) , que estabelece uma política de incentivo às indústrias de fertilizantes e pode desonerar até um quarto dos custos de investimentos. Já o Projeto de Lei nº 4.338/2023, em debate na Câmara dos Deputados, cria uma política de subvenção econômica temporária para o gás natural. A matéria-prima é essencial para as fábricas de fertilizantes nitrogenados, mas seu custo precisa cair 14 dólares por milhão de BTU para ser viável. Se aprovadas, as medidas podem gerar mais oportunidades de investimentos no setor.
Para comprovar que seguem critérios ESG, empresas do agro e produtores têm certificações, passam por auditorias, incorporam ferramentas de rastreabilidade e monitoram aspectos sociais, ambientais e de governança da produção
Novo termômetro para avaliar a atividade econômica, a sigla ESG (de melhores práticas ambientais, sociais e de governança) surgiu em 2004 quando o ex-secretário da ONU, Kofi Annan, desafiou 50 CEOs das maiores instituições financeiras do mundo a atrelar o mercado de capitais às metas ESG.
De lá para cá, a agenda ESG ganhou robustez, alavancada pela urgência em combater a elevação da temperatura global que levou as grandes gestoras globais de ativos, como a BlackRock e a Aviva, a sinalizar às empresas para implementarem políticas de contenção às mudanças climáticas e apresentarem planos de como vão se tornar carbono zero para não ficar sem financiamento. Outra cobrança recorrente é no âmbito social. Nessa seara, a pressão é para aumentar a diversidade étnica e de gênero nos conselhos e na força de trabalho.
No Brasil, esses anúncios tiveram efeito imediato. Várias corretoras, entre elas BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), anunciaram a decisão de incorporar critérios ESG em suas recomendações de investimentos. No agro não foi diferente. Interessadas em acessar títulos com juros mais baixos vinculados à agenda ESG, como títulos verdes (green bonds) relacionados a projetos de impacto ambiental positivo, o sustainability-linked, que tem como métricas indicadores de desempenho como comprometimento de redução da emissão de gases do efeito estufa e títulos sociais, que sinalizam aportes direcionados à melhoria de habitação e renda das pessoas, empresas como Amaggi, Marfrig, JBS, Klabin e Suzano incorporaram os critérios ESG no seu relatório de sustentabilidade e já emitiram bonds atrelados a esses parâmetros. Para comprovar que seus produtos seguem critérios ESG, as empresas do agro e produtores têm certificações, passam por auditorias, incorporam ferramentas de rastreabilidade e participam de iniciativas setoriais de avaliação e monitoramento dos aspectos sociais, ambientais e de governança. Tudo isso para garantir transparência e comprovar ao cliente final a sustentabilidade do seu produto. O trabalho feito pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) é um bom exemplo. Os diretores viajam o mundo mostrando os dados públicos da cafeicultura no país, bem como estudos nacionais e regionais, que comprovam a sustentabilidade do café brasileiro. Além disso, o conselho participa de iniciativas pré-competitivas, como a ação coletiva de bem-estar social da Plataforma Global do Café para a melhoria das condições de vida e trabalho de produtores e trabalhadores das principais regiões cafeeiras do Brasil.
No Brasil, a produção agrícola de alto nível já está comprometida com a agenda ESG — e isso nem sempre está estampado nos jornais internacionais.