Revista Exame

Os sherlocks do orçamento

Responsável por um novo índice que mede a transparência nas finanças da União e dos estados, a ONG Contas Abertas deflagra uma saudável disputa a favor da governança na máquina pública

Gil Castello Branco (ao centro), e equipe: rastreando cada centavo dos impostos

Gil Castello Branco (ao centro), e equipe: rastreando cada centavo dos impostos

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

Em plena campanha eleitoral, uma iniciativa da ONG Contas Abertas - instituição apartidária e sem fins lucrativos cuja missão é monitorar os gastos públicos - deflagrou uma disputa inédita entre os estados e a União. Desde meados de julho, quando a ONG lançou o "índice de transparência", que avalia e classifica os portais que exibem na internet as finanças dos governos, grande parte deles passou a competir para obter o primeiro lugar na próxima edição do ranking, prevista para novembro. Fundada em 2005, o Contas Abertas é a versão brasileira das watchdogs - traduzindo, "cães de guarda" -, entidades independentes que, em países como Estados Unidos e Inglaterra, vigiam os governos em prol do interesse público. Uma das mais prestigiadas é a americana Centro para a Integridade Pública. A ONG fiscaliza desde os gastos do Pentágono até o desempenho do governo Obama na redução do impacto causado pelo vazamento de óleo no golfo do México. "Ao lado de outras iniciativas recentes da sociedade civil, como o movimento que gerou a Lei da Ficha Limpa, o Contas Abertas é uma das melhores novidades na vida política brasileira da última década", diz David Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília que atuou como conselheiro na formatação do índice de transparência.

O índice avalia o conteúdo, a facilidade de navegação e a periodicidade de atualização de dados dos sites oficiais. "Nosso objetivo é detalhar como e quando cada centavo do contribuinte é gasto", diz o economista Gil Castello Branco, um dos fundadores e secretário-geral do Contas Abertas. Para isso, ele conta com uma equipe de dez profissionais, em sua maioria analistas de sistemas e jornalistas. Num tempo em que a sociedade civil brasileira demonstra crescente intolerância com a corrupção e o desperdício de recursos públicos, o índice de transparência tornou-se alvo de disputa dos governos - os mais bem avaliados já estão utilizando o indicador em campanhas eleitorais. É o caso de Pernambuco, cujo site levou o terceiro lugar - com nota 6,9 numa escala de zero a 10 -, atrás apenas dos portais do governo federal e de São Paulo. "Vamos capitalizar o bom desempenho de Pernambuco no ranking durante a campanha de reeleição do governador Eduardo Campos", diz Edson Barbosa, marqueteiro de Campos.


Desde o lançamento do índice, uma romaria de técnicos estaduais tem batido à porta do Contas Abertas, em Brasília. O objetivo é obter dicas para melhorar os portais. Segundo colocado, com nota 7, o governo de São Paulo enviou dois representantes. "Nossa meta é ser o primeiro colocado do ranking na próxima avaliação", diz Mauro Ricardo, secretário paulista da Fazenda. Depois de São Paulo, cujo portal, entre outras melhorias, passará a permitir o download de dados, estados como Ceará, Acre e Espírito Santo também buscaram e receberam recomendações da ONG. "Essa é uma bela competição, em que o principal ganhador é o contribuinte, gerador de toda a riqueza gasta pelo Estado," diz Castello Branco. Para bancar a empreitada, a ONG não recebe dinheiro de governos. Vive com 50 000 reais por mês, basicamente conseguidos com a prestação de serviços para um punhado de clientes privados. Um exemplo: desde 2007 acompanha o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para a Confederação Nacional da Indústria. "O Contas Abertas tem nos ajudado a monitorar de perto o ritmo de execução dos investimentos federais", diz José Augusto Fernandes, diretor executivo da CNI. Além dos serviços pagos, a entidade ajuda gratuitamente a imprensa a garimpar dados explosivos nas entranhas do Sistema Integrado de Avaliação Financeira do governo federal. Foi o caso da revelação da existência de 43 ONGs que recebem verbas do governo e as repassam ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, objeto de uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo em 2009. Agora, o Contas Abertas acumula a atividade investigativa com a expansão do índice de transparência, que até o final de agosto deverá classificar também os portais das finanças das capitais dos estados e, a partir de 2011, de outros municípios. "Se tivermos condições financeiras, divulgaremos mais de 24 000 avaliações até o fim de 2013", diz Castello Branco.

O governo federal - que teve seu Portal da Transparência classificado em primeiro lugar, com a nota 7,6 - afirma estar empenhado em aperfeiçoar a prestação de contas. "O índice deu uma bela sacudida na administração pública, incentivando os governos a traduzir suas contas em linguagem acessível ao cidadão", diz Jorge Hage, ministro-chefe da Controladoria Geral da União. "De agora em diante, vamos publicar em nosso site os investimentos da Copa do Mundo e da Olimpíada." Mostrar as contas é uma iniciativa bem-vinda. Espera-se que seja acompanhada por ações para gastar bem o dinheiro público.

Acompanhe tudo sobre:Edição 0974[]

Mais de Revista Exame

O plano da nova Sabesp: empresa corre para investir R$ 68 bilhões até 2029

Com três filhos, nove netos e três bisnetos, esta amapaense de 76 anos abriu sua primeira startup

De volta ao conselho de administração do Grupo RBS, Nelson Sirotsky fala sobre o futuro da mídia

Novos conceitos: como este engenheiro carioca entendeu que nunca é tarde para começar um negócio

Mais na Exame