Revista Exame

Será que a cachorrinha do iG morde?

Depois de muito latir e de atrair 100 milhões de dólares de investimentos, a cachorrinha do iG quer ser a nova força da internet brasileira. Dará certo?

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 11 de outubro de 2011 às 17h21.

São Paulo - Quer tentar o sucesso na Internet? Pegue uma bela mulher. Uma Gisele Bündchen, digamos. Aí adicione à receita uma cachorrinha fofa que atende pelo nome Micky. Para construir uma marca, chame logo o Nizan Guanaes, um dos mais bem-sucedidos publicitários brasileiros, e uma equipe de jornalistas comandada por um colega que gosta de usar boné, Matinas Suzuki Jr.</p>

Do lado tecnológico, engrosse a fileira com profissionais de peso como Aleksandar Mandic ou Demi Getschko, que construíram as primeiras redes da Internet brasileira. Acrescente investidores como os fundos GP Investimentos e Opportunity. Para dar uma pitada final, dois grupos estrangeiros: a UBS (Union des Banques Suisses) e o TH Lee.Putnam Internet Partners, que acabam de pôr 100 milhões de dólares no negócio.

Resultado: o iG, Internet Group do Brasil, avaliado em 675 milhões de dólares pelos investidores. Mais conhecido pelos moradores do Rio de Janeiro e de São Paulo, que foram bombardeados por outdoors, campanhas promocionais e passeatas, o iG invadiu o mercado oferecendo acesso gratuito à Internet. Mas a empresa sabe muito bem que não basta ser de graça para ter graça. Não perdeu tempo ao atrair para dentro da nova empresa gente que provou, lá fora, ser capaz de congelar a atenção: mulher, cachorro, publicidade e conteúdo.

Dará certo?

Desde o surgimento do iG, há cinco meses, o mercado tem sido unânime em várias opiniões. Primeira: os profissionais que foram para lá são competentes. Além dos já mencionados, ainda há importantes nomes da imprensa brasileira, como Ancelmo Goes, Tutty Vasques ou Marcos Sá Corrêa, reunidos no site No. (O No., leia-se "no ponto", é uma revista eletrônica que copiou o visual e a linha da Salon - uma vedete do Vale do Silício.)

O segundo ponto de unanimidade em relação ao iG: seus maiores investidores, o fundo GP Investimentos, liderado por Jorge Paulo Lemann, e o Opportunity, do banqueiro baiano Daniel Dantas, têm habilidade para criar empresas competitivas, que conquistam participação de mercado. "Eles são muito profissionais para entrar em roubada. Se estão lá, é porque esse negócio deve ser bom", diz um ex-executivo do iG.


Eis o terceiro consenso do mercado, que tem movido boatos em todas as direções: o modelo de negócios do iG nunca será rentável. Desde o lançamento da empresa, sua proposta está sendo questionada por todos, inclusive pelos empresários que também apostaram no acesso gratuito.

"Não consigo ver como esse modelo vai ser lucrativo", diz um acionista de um dos maiores portais da América Latina. "Você quer a minha opinião sobre o modelo de receita do iG? Mas ele tem algum?", diz o gestor de um fundo de capital de risco que já investiu em dez projetos de Internet bem diferentes do iG. No cenário internacional, outros fatos ajudaram a reforçar essas previsões. O Freeserve, líder de acesso gratuito na Inglaterra, acumulou prejuízos no ano passado e recentemente foi colocado à venda.

Tudo indica que, nestes primeiros meses de vida, o iG já esteja apagando mais incêndios do que esperava. Os boatos e as más-línguas também são mostras de que a empresa foi bem-sucedida ao chamar atenção para a sua nova marca. Mas o mesmo chamariz atraiu dúvidas.

O mercado como um todo recuou com as sucessivas quedas na valorização das ações de empresas ponto-com nos Estados Unidos. A liquidez dos investidores secou e eles estão agora olhando de perto os gastos das empresas. Cada novo usuário que se conquista traz custo. Mantê-lo, então, é muito mais caro ainda. Diante disso, todos se perguntam até onde o caixa do iG, reforçado agora pelos investidores externos, vai agüentar promover seu principal serviço - que é grátis.

Lembre-se de que a idéia do acesso gratuito é aceita no Brasil. O problema é quem o dá. Os outros importantes portais de acesso gratuito, o BOL e o Terra Livre, estão sendo encarados como ações protetoras de serviços pagos controlados por seus investidores, respectivamente UOL (dos grupos Folha e Abril) e Terra (do grupo espanhol Telefónica).

Outros encaram o acesso gratuito como um serviço de valor agregado das telefônicas. Afinal, elas estão enchendo os cofres com a receita dos impulsos gastos pelas pessoas penduradas na Internet. Apesar de Telemar e Tele Centro Sul terem comprado uma participação do iG - e de sempre haver a possibilidade de elas assumirem o serviço de acesso -, o portal afirma não acreditar no repasse de dinheiro das telefônicas.


O modelo de receita do iG é puramente baseado na venda de espaço publicitário e serviços. "O iG tem um modelo igual ao da televisão na década de 50", diz Nizan Guanaes, presidente do site. Mas, como muitos sabem que do lado dos serviços o comércio online ainda é pífio no Brasil, todos os olhos se voltam para a receita publicitária

. No ano passado, segundo dados da Forrester Research, os anunciantes gastaram cerca de 30 milhões de dólares na mídia online brasileira. Boa parte desse dinheiro foi para as mãos de portais de peso, como UOL, Terra, ZipNet ou Globo. Até a chegada do iG, as fatias mais gordas desse bolo estavam nas mãos do UOL, com cerca de 10 milhões de dólares, e do Terra, com outros 5 milhões de dólares.

A Forrester estima que este ano as receitas com a venda de publicidade atinjam 69 milhões de dólares. Desde o lançamento do iG, a empresa conseguiu faturar 14 milhões de dólares em receita publicitária e serviços. Mas, mesmo que o cachorrinho do iG morda todo o resto do bolo sozinho, o mercado acha que as contas podem ficar apertadas para manter, a longo prazo, a infra-estrutura necessária ao acesso grátis.

Outro detalhe: as pupilas dos 2,1 milhões de usuários cadastrados no portal até agora perceberam que os maiores anunciantes do iG são o Shoptime, o Submarino e o Americanas.com. Esses sites são crias dos mesmos investidores do iG: o GP Investimentos e Opportunity. "Parece que o dinheiro está apenas mudando de bolso, mas continua nas mãos do mesmo dono", diz o analista de um fundo que não investiu em nenhum portal concorrente do iG.

Todas essas dúvidas parecem nem passar perto do prédio de dez andares da Rua Amauri, em São Paulo, onde está localizada a sede do portal. Para os executivos do iG, a empresa está indo muito bem, obrigado. "Atingimos em cinco meses todas as metas previstas para o final do ano", diz João Augusto Valente, vice-presidente financeiro do site.


Metas, que metas? De faturamento publicitário: os 14 milhões de dólares que fizeram em cinco meses representam quase metade do que todos os sites juntos faturaram no ano passado. De audiência: o iG conquistou 10 milhões de páginas visitadas por dia, que em breve serão auditadas.

"Já estamos no retrovisor do Terra", diz Mandic, vice-presidente de novos negócios. Outra meta, que para o mercado virou um mito, é o controle dos gastos. Até agora, 80 milhões de dólares foram comprometidos para a construção do portal. Desse total, os gastos de marketing representaram cerca de 10 milhões de dólares.

"Não somos quem mais torra dinheiro para promover o site. No ranking brasileiro estamos em quarto lugar", diz André de Carvalho, diretor comercial do iG. De acordo com dados do Monitor Ibope, referentes aos três primeiros meses deste ano, o ranking de gastos publicitários é liderado pelo Terra, seguido respectivamente por UOL e America Online.

Apesar dos nomes lustrosos, a folha de pagamento do iG também não é tão gorda quanto parece. "A única coisa gorda aqui sou eu", diz Guanaes. Dos 185 funcionários, a maioria é composta por jovens que vão trabalhar de mochila e boné e usam gírias do tipo "e aí, mano?".

Os profissionais mais caros da empresa, responsáveis por uma boa parte da audiência do site, estão no No. E o No. é uma empresa separada, com estrutura societária (em que o Opportunity é sócio majoritário) e gestão independentes. "Eles são nossos parceiros e temos um acordo de exclusividade", diz Matinas Suzuki Jr., vice-presidente de conteúdo.


De todas as metas, a mais comemorada pelo iG foi ter conseguido atravessar, em menos de seis meses, a primeira rodada de investimentos. "É o dia mais feliz da minha vida", disse Guanaes em entrevista a EXAME na sexta-feira 16 de junho, dia que antecedeu o fechamento do negócio com os investidores estrangeiros.

A percepção otimista em relação ao futuro não vem somente dos resultados de curto prazo, mas do que o iG traçou como objetivo. "Queremos ser a Internet para as massas. Pretendo construir e fazer essa marca crescer em todo o Brasil", diz Guanaes. A empresa oferece conexão de Internet em 18 capitais e mais de 59 cidades brasileiras. E pretende chegar a muito mais computadores. É aí que reside um desafio cujo sucesso poderá depender de um equilíbrio entre a tecnologia e o glamour publicitário.

Do lado da tecnologia, o iG terá de manter as máquinas funcionando para garantir os produtos que usam e precisam de bases de dados, banda larga, conteúdo para Internet móvel. Afinal, trata-se de uma empresa de Internet. Uma das questões técnicas é o princípio do livre acesso, garantido no tipo de conexão dada pela empresa.

Para acessar a Internet pelo iG, não é necessário nem ao menos preencher um cadastro. A senha fornecida é genérica e igual para todos. Aquilo que para alguns representa uma vulnerabilidade, porque não há como saber quem entra e quem sai, para o iG é fundamental. A idéia é deixar o usuário o mais livre e confortável possível, sem atrelá-lo a nenhum programa de acesso. Depois que o usuário estiver lá dentro, o iG quer fisgá-lo com conteúdo e serviços, e só aí incentivar o preenchimento do cadastro.

Outros portais de acesso gratuito não funcionam da mesma maneira. Eles exigem que o usuário use um programa que só é fornecido depois de o cadastro ser devidamente preenchido. Os dados podem ser usados posteriormente em campanhas publicitárias dirigidas pelo perfil do usuário. "Com esse processo, conseguimos fazer com que o usuário fique intimamente ligado ao portal", diz Victor Ribeiro, diretor do BOL.


Parece que o iG aposta mais em outras formas de ganhar dinheiro, como a venda de serviços de licenciamento de produtos (pizzas, flores e cachorrinhos de pelúcia) com a marca iG. Ou de conteúdo para banda larga. Em um mês, deve ser lançado o BbiG (broadband iG), em que a Rede Bandeirantes, também sócia do iG, exercerá o principal papel para produzir as imagens em movimento que serão veiculadas pelo portal. Mas a maior aposta do iG é a comercialização de conteúdo e serviços voltados para Internet móvel, batizados de LiG.

Não há dúvida de que a construção de uma forte marca antecedeu a confecção de todos esses produtos. O iG priorizou o uso de um ícone (a cachorrinha) para atrair audiência. Guanaes sabe que a credibilidade da marca iG só se sustenta com a qualidade do serviço. O que conta a seu favor é a capacidade de explorar algo que ele conhece: o mercado publicitário.

Nesse quesito, ele tem um arsenal de ferramentas - maior que seu caixa - para explorar o que as agências e os anunciantes não estão enxergando. "Ninguém ainda descobriu onde está o maior potencial de mídia da Web", diz Antônio Rosa, presidente da Associação de Mídia Interativa (AMI). Se o iG conseguir fazer isso, poderá ampliar a receita publicitária online e ganhar tempo na corrida a longo prazo.

O mercado brasileiro está cheio de receios diante do iG porque já viu muitas empresas que se "embrenharam na mata chamada Internet" (palavras do próprio jornalista Ancelmo Goes) se perderem lá dentro.

Só depois de o iG atravessar essa mata saberemos se o seu papel será oferecer a primeira experiência online a um maior número de pessoas ou ser um verdadeiro fenômeno de audiência, marca e marketing, fazendo com que os internautas permaneçam no site. A primeira experiência, as pessoas até esquecem, mas a melhor, nunca.

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