Revista Exame

Ruim para os americanos, bom para nós

Enquanto a seca dizima a lavoura americana, o Brasil colhe uma supersafra e os produtores brasileiros — especialmente de milho — faturam como nunca

Colheita de milho no Rio Grande do Sul: será possível repetir o sucesso da soja? (Delfim Martins/EXAME.com)

Colheita de milho no Rio Grande do Sul: será possível repetir o sucesso da soja? (Delfim Martins/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 17 de agosto de 2012 às 11h56.

São Paulo - O departamento de agricultura dos Estados Unidos tem a fama de ser um órgão conservador. Por isso, ninguém duvidou quando ele previu, no início deste ano, que a colheita americana seria recorde na atual safra. O país colheria 376 milhões de toneladas — algo como 45% da produção mundial.

Hoje, já se sabe que a previsão é furada. O Meio-Oeste dos Estados Unidos, onde se concentra a produção de grãos, arde com a pior seca dos últimos 50 anos. Sofrem os produtores de trigo, soja e, principalmente, milho. Estima-se que as perdas no milho já cheguem a 70 milhões de toneladas.

Os mais pessimistas falam que a quebra de safra pode superar 100 milhões de toneladas — o que significaria falta do cereal para suprir a demanda interna. A instabilidade no campo já pressiona os preços na bolsa de Chicago, que baliza a cotação de produtos agrícolas em nível internacional.

Neste ano, o preço do milho e da soja acumula alta semelhante, em torno de 40%. Nem a chuva fraca que começou a cair no final de julho deu refresco às cotações. Em mea­dos do mês, depois de se reunir com o presidente Barack Obama para tratar da seca, Tom Vilsack, secretário de Agricultura, definiu a gravidade da situação: “Se soubesse uma oração da chuva ou uma dança da chuva, eu as faria”.

O único sopro de alívio no mercado vem do Brasil. Graças ao clima tropical, o país planta duas safras de milho por ano. Neste ano, a safra de verão sofreu com a estiagem, mas a chamada “safrinha” (de inverno), beneficiada pelas chuvas, é uma supersafrinha. O país está colhendo 35 milhões de toneladas de milho.

Somando a safra e a safrinha, o atual calendário agrícola pode fechar com uma colheita de 70 milhões de toneladas — alta de 21% em relação ao recorde de 2007. A reboque, sobem as previsões de exportação. O Brasil poderá embarcar 15 milhões de toneladas de milho, 55% mais que em 2011, e faturar alto: o valor exportado pode chegar a 4 bilhões de dólares, o dobro do ano passado.

Produtores já conseguem 35 reais por saca destinada à exportação — um extra de 40% em relação aos melhores preços do mercado interno, que também estão em alta. No embalo da festa da colheita, há quem diga que chegou a hora de alcançarmos no milho o que já conquistamos na soja.


“O Brasil, que planta milho o ano inteiro, já pode ocupar um papel de destaque no mercado internacional”, diz Alysson Paolinelli, ex-ministro da Agricultura e presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho.

De fato, neste momento, o país pode ajudar a cobrir a falta do milho dos Estados Unidos. Tanto é assim que a americana Smithfield, maior processadora de carne suína do mundo, anunciou que vai fazer uma inédita importação de milho brasileiro para garantir a alimentação de seus rebanhos.

A notícia, claro, é música para os ouvidos dos produtores brasileiros, especialmente os que têm produtividade alta e capaci­dade de ampliar a produção. Veja o exemplo da Coamo, a maior cooperativa agrícola da América do Sul, com sede em Campo Mourão, no oeste do Paraná.

Na última década, a adoção de novas técnicas de plantio e de novas variedades de sementes permitiu que os cooperados elevassem a produtividade do milho em mais de 30%. A Coamo chega a colher 10 toneladas por hectare — o equivalente à média americana. Hoje, tem 2,5 milhões de toneladas de milho para vender.

Vai exportar 600 000 toneladas porque tem contratos no mercado ­interno. “O produtor está ganhando muito mais do que esperava”, diz Aroldo Gallassini, presidente da Coamo. “Muitos produtores que já compraram sementes de soja estão querendo trocá-las pelas de milho.”

Mesmo quem ficar “preso” à soja poderá se dar bem. Nesse caso, os ganhos como consequência da seca americana só virão na próxima safra se os preços, como previsto, se mantiverem em alta. É que, diferentemente do milho, a soja é plantada numa única safra — e ela foi vendida antes da alta de preços.

O que está em jogo, agora, é a preparação da próxima safra. Muitos produtores de soja estão prevendo uma produção recorde em 2013. A euforia é tal que os temores agora dizem respeito à capacidade do país de escoar a próxima colheita.

Os produtores de milho do Mato Grosso já vivem esse problema. Dobraram a produção da safrinha, mas não conseguem escoá-la. Hoje, há montes de grãos na beira das estradas à espera de caminhões.  


Como o mercado sempre tem duas pontas — vendedora e compradora —, a alegria de uns é a tristeza de outros. A alta do preço está provocando um forte impacto nos custos de produção das carnes. Só em julho, a saca de milho subiu uma média de 30% no mercado interno.

Como o grão responde por mais de 60% dos custos de produção de frangos e suínos, os criadores já amargam perdas na rentabilidade. Na Região Sul, pequenos e médios produtores operam até no prejuízo. O custo de produção de 1 quilo de carne suína está em 2,20 reais, mas o mesmo quilo é vendido a 1,60 real — prejuízo de 60 centavos para cada quilo.

No frango, o prejuízo é de 50 centavos. Por isso, a estimativa é que haverá fortes reajustes de preços no segundo semestre. Analistas do mercado estimam que só o frango congelado terá alta de 20%.

“Os produtores de milho no Brasil até podem comemorar por hora”, diz José Antônio Fay, presidente da BRF, a maior produtora e exportadora brasileira de carnes processadas. “Mas toda a cadeia de alimentos no mundo está em alerta.”

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