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Mondeléz acredita na personalização de produtos para crescer, diz CEO

O belga Dirk van de Put, CEO global da Mondeléz, diz que o futuro na indústria de alimentos é produzir sob medida

"Acreditamos muito em diversidade e inclusão. Por quê? Porque criam uma empresa melhor" (Mike Blake/Reuters)

"Acreditamos muito em diversidade e inclusão. Por quê? Porque criam uma empresa melhor" (Mike Blake/Reuters)

DG

Denyse Godoy

Publicado em 3 de dezembro de 2020 às 05h33.

Última atualização em 5 de dezembro de 2020 às 16h09.

Na pandemia, a indústria de alimentos teve de atender à demanda do consumidor por comidas reconfortantes ao mesmo tempo que continuava a buscar opções mais saudáveis — um conceito que abriga muito mais definições do que o senso comum conhece. O difícil ano de 2020 mostrou para o setor que é urgente mudar a maneira como opera. Em vez de ter grandes fábricas que produzem o mesmo alimento para o mundo inteiro, as multinacionais entendem que precisam cada vez mais regionalizar e customizar a comida.

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A americana Mondeléz, constituída em 2012 da cisão das marcas de alimentos da Kraft, entendeu que esse é um dos maiores desafios que o setor enfrenta hoje. Com crescentes investimentos em tecnologia, a dona de marcas como Lacta, Belvita, Oreo, Halls e Trident quer se preparar para esse novo mercado. “Uma das maneiras é dar mais flexibilidade aos negócios locais”, diz Dirk van de Put, presidente mundial da companhia, que tem duas fábricas no Brasil.

Leia a seguir trechos da entrevista que o executivo concedeu à EXAME.

Em maior ou menor grau, parece que todos tivemos mudanças no padrão alimentar durante a pandemia. Corremos para estocar alimentos, passamos a comer mais em casa — cozinhando ou pedindo delivery —, emagrecemos ou engordamos. Quais foram as alterações mais notadas pela indústria?

Houve dois grandes fenômenos, de forma geral. Por um lado, as pessoas estão mais ansiosas, passando mais tempo em casa com a família. Se querem se sentir melhor, fazer um lanchinho acalma a ansiedade. Teve essa alimentação por estresse, se podemos chamar assim. Por outro lado, os consumidores também estão mais preocupados com a própria saúde, porque não sabem como podem ser atingidos pela doença. Então, querem manter seus indicadores de saúde controlados e fortalecer seu sistema imunológico.

Ou seja, há muita gente tentando comer mais saudavelmente também. E, às vezes, os dois fenômenos ocorrem ao mesmo tempo em uma família. Outra grande tendência que identificamos foi o crescimento global das compras online, o que vai gerar uma transformação imensa na indústria. Grosso modo, eu diria que nossas vendas online dobraram de 3% para 6% do total. Na China, dez anos atrás, foi com a primeira crise da Sars que as vendas pela internet ganharam força. Agora, aproximadamente 20% de nossas vendas no país são realizadas por ­comércio eletrônico.

No Brasil, não existe o hábito de comprar alimentos online. Somente agora os consumidores estão conhecendo melhor essa opção, e a comercialização de alimentos frescos ou in natura (exceto refeições prontas) é incipiente. Como funciona na China?

Na China e também na Europa, onde 8% de nossas vendas são feitas por comércio eletrônico, existem basicamente dois modelos. O principal é o que a gente chama de “clique e retire”. O cliente entra no site, escolhe o produto e retira por conta própria em algum lugar. Pode ser numa loja, por exemplo, mas o consumidor não precisa entrar no estabelecimento, só encosta o carro e pega a sacola.

Nos Estados Unidos, o Walmart está promovendo essa modalidade muito fortemente. No caso de uma varejista eletrônica pura, como a Amazon, a entrega é feita diretamente na casa do cliente. Tem também os entregadores de última milha, como os chamamos. São pessoas comuns que são acionadas pelo cliente, vão até a loja, fazem a compra e a levam para o consumidor.

Na China, existe tanta demanda online que a pequena entrega virou um grande negócio. Por exemplo, o consumidor pode acionar alguém para comprar um café fresquinho na cafeteria e entregar em sua casa em 15 minutos. Esses são os dois principais modelos usados hoje. Entre as novas tendências, tem o B2B online. Em vez de se abastecer num atacadista, o pequeno comerciante compra direto no site da indústria e recebe na loja.

É uma modalidade que está estourando na China. Outra é a venda direta da indústria ao consumidor, sem varejista de nenhum tipo como intermediário. Não é muito grande ainda porque é caro. Na China, o Alibaba — uma mistura de Amazon, PayPal e Facebook — funciona como uma espécie de shopping center virtual. Tem uma loja Mondeléz onde o consumidor compra nossos produtos.

Fábrica de chocolates da Mondeléz: no futuro, cada consumidor poderá escolher o sabor, o tamanho e o formato que mais agradam (Leo Caldas/Exame)

Com tantas novidades, onde a Mondeléz está concentrando seus investimentos?

Primeiro, nas nossas marcas, tentando comunicar seus valores aos consumidores. O biscoito Oreo, por exemplo, tem um espírito de família, de diversão. Temos falado muito, então, de como manter a leveza em casa nestes tempos difíceis. Nos Estados Unidos, que enfrentam problemas como o racismo e estão tão divididos, fizemos um grande esforço de comunicação valorizando o senso de comunidade.

No mundo todo faz muito sentido posicionar as marcas dessa maneira. Este é o principal foco de nossa estratégia: ter certeza de que nossas marcas se mantêm muito perto dos consumidores nessas circunstâncias. Outra frente é a inovação — na verdade, menos inovação. Estamos tentando fazer um exercício de aproveitar as grandes oportunidades que temos de fato. No momento, isso significa focar novos sabores e formatos em vez de diferentes categorias de chocolates e biscoitos.

Uma das áreas em que precisamos investir é a do comércio eletrônico, fortemente baseado em dados, que exige um modelo de negócios diferente: é preciso garantir que, se surge um momento na internet para vender, o produto esteja lá. E, finalmente, pretendemos tornar a infraestrutura da empresa mais digital.

Pensando nessas transformações econômicas recentes, vem à cabeça a famosa frase atribuída ao empreendedor americano Henry Ford, que no começo do século passado criou a montagem em série de automóveis: “Se tivesse perguntado a meus clientes o que eles queriam em termos de transporte, teriam respondido que desejavam cavalos mais rápidos”. Por muito tempo, eram as empresas que decidiam o que o consumidor tinha de querer comprar. Mas agora, com o imenso poder que as redes sociais puseram nas mãos do consumidor, parece que o jogo virou e as empresas estão tendo de correr para atender aos desejos dos clientes. Como a indústria de alimentos está lidando com essa realidade?

Esse é um dos maiores desafios que o setor enfrenta. Viemos de um momento em que o consumidor só podia comprar dentro do sortimento que o mercado do bairro oferecia, e agora as opções aumentaram 100 vezes. Como ter certeza de que uma marca continua relevante para o consumidor com o portfólio que tem? Passamos do modelo de dez ou 20 anos atrás, de fazer o mesmo produto em larga escala e tentar vender a todo mundo, para um modelo de fazer mais produtos em escala menor.

É uma transição muito difícil, porque vai contra tudo o que aprendemos: ter grandes fábricas, grandes linhas de produção, grandes displays nas lojas com o mesmo produto. Um dos jeitos de tentar lidar com isso é assegurar que estamos fazendo o melhor para nosso negócio local. No modelo antigo, a gente pensava: vamos fazer o mesmo biscoito Oreo para todo mundo, no mesmo tipo de pacote, no mesmo tamanho.

Mas, agora, a unidade do Brasil decide o que fazer com o Oreo de acordo com o que o consumidor quer. Há mais flexibilidade. Outra coisa que é preciso fazer é começar a rodar o negócio em escala menor. Estamos comprando pequenas empresas que vêm se saindo superbem porque oferecem uma coisa completamente nova ao consumidor. Fazem do próprio jeito um produto diferente, em um pacote diferente, com uma estratégia de marketing diferente e com uma cultura diferente da Mondeléz.

Não queremos estragar isso, então ficamos nos bastidores e ajudamos essas empresas a crescer da maneira delas. Todas essas pequenas empresas são Mondeléz, não existe apenas uma Mondeléz que represente tudo. Outra solução é a venda direta ao consumidor. Mandando diretamente da fábrica à casa do cliente, podemos oferecer uma variedade maior de produtos.

A última solução que vejo é a individualização, o consumidor escolhendo seu biscoito, salgadinho ou chocolate com sabor, tamanho e embalagem personalizados, da mesma forma como compra um café na Starbucks. Existem 1.900 maneiras de preparar um café na Starbucks, e cada um quer do seu jeito. Em alimentos, esse dia vai chegar, e estamos nos preparando para isso.

Sobre a alimentação saudável: grandes indústrias vêm tentando oferecer mais opções. Mas às vezes esse esforço não parece genuíno. A Mondeléz, por exemplo, fabrica o biscoito Belvita, que tem apelo saudável, mas é rico em gordura e açúcar. De que maneira a indústria pode realmente atender a esse desejo do consumidor?

Uma grande descoberta em andamento para a empresa é: o que significa saudável para o consumidor? É um conceito que abriga muita diversidade. O que é saudável para mim pode não ser para você ou para outra pessoa.

A definição de saudável se tornou muito complexa. Há quatro grandes tipos. Um é o que você mencionou, que leva em conta a composição nutricional.

Por esse critério, uma barra de nozes com mel não é saudável porque é muito calórica. A segunda diz respeito à origem: é orgânico, veio de um produtor local? A terceira é de funcionalidade — o consumidor espera obter algum efeito do alimento. A última é sobre a sustentabilidade para o planeta. Caso o produto use óleo de palma produzido em áreas devastadas, não é considerado saudável. A indústria tenta entender a diferença entre as grandes tendências para desenvolver os produtos.

O senhor disse que as marcas da Mondeléz vêm tentando se mostrar próximas do consumidor nas circunstâncias que ele está vivendo, como o racismo. Como e em que medida as marcas devem se posicionar nessas questões?

Essa é outra grande questão do momento para as empresas. Há princípios a que uma companhia precisa se ater. Temos de ter nossos valores, defender alguma coisa. As empresas e as marcas. Nós representamos a sociedade. Uma marca tem voz, capaci­dade de se comunicar, então pode dizer certas coisas. O consumidor sente se uma marca tem propósito, razão de existir, e hoje em dia quer que a marca defenda alguma causa.

Toda empresa pode tomar a direção que quiser, mas, na Mondeléz especialmente, queremos fazer a coisa certa. Não quer dizer que teremos posições políticas, mas que defendemos algumas coisas em que acreditamos muito. Acreditamos muito em diversidade e inclusão. Por quê? Porque criam uma empresa melhor. Se, na empresa, eu me sento ao redor de uma mesa com mais dez homens brancos, vamos todos concordar.

Em um grupo totalmente diverso teremos outras opiniões, porque cada membro terá vivido uma experiência diferente. Com essas diferenças, tomaremos decisões melhores e faremos produtos melhores. Queremos nossos colaboradores 100% à vontade para ser quem são. Acho que estamos nos saindo bem, mas ainda há trabalho a fazer. No mundo lá fora, podemos exercitar o propósito de nossas marcas.

Veja o exemplo de nossa marca de chocolates Cadbury. Quando o senhor Cadbury começou o negócio [no Reino Unido em 1824], queria uma empresa que cuidasse muito bem de seus trabalhadores. Ele criou uma empresa basicamente para dar emprego, e não para vender alguma coisa. Voltando para as origens, então, o propósito da Cadbury é a generosidade. Na Inglaterra, os idosos estão ficando cada vez mais solitários.

Há pesquisas que mostram que centenas de milhares de pessoas ficam uma semana inteira sem falar com ninguém. Fizemos uma propaganda da Cadbury convidando o consumidor a doar seu tempo conversando com um idoso. Cerca de 900.000 pessoas aderiram. Se um consumidor entender o propósito da marca e o que ela defende, vai usar essa informação para decidir se compra ou não.


(Publicidade/Exame)

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