Revista Exame

Para Nelson Tanure, quanto pior, melhor

Com um notável apetite para brigas, Nelson Tanure fez fortuna comprando empresas em dificuldades. Após período em silêncio, ele voltou a fazer barulho

Nelson Tanure: ele pode ganhar mais de 380 milhões de reais com a HRT (Germano Lüders/EXAME/Exame)

Nelson Tanure: ele pode ganhar mais de 380 milhões de reais com a HRT (Germano Lüders/EXAME/Exame)

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Da Redação

Publicado em 3 de fevereiro de 2014 às 13h19.

Última atualização em 18 de março de 2019 às 13h40.

São Paulo - Ao longo de 2013, a petroleira HRT presenteou os acionistas com uma sucessão de más notícias. Em duas áreas de exploração tidas como promissoras, na bacia amazônica e na Namíbia, a empresa só encontrou gás. Nenhuma gota de petróleo. Quatro diretores se demitiram em maio.

Em novembro, a situação ficou ainda pior quando a empresa anunciou seu maior prejuízo, de 724 milhões de reais no terceiro trimestre, e um dos maiores acionistas, a gestora americana Southeastern Asset Management, vendeu todas as ações — tudo isso fez com que as ações perdessem 81% do valor em 2013.

Enquanto a HRT derretia, o empresário Nelson Tanure, especialista em comprar empresas em dificuldades, esperava em silêncio uma oportunidade. No fim do ano, Tanure soube que a companhia planejava mudanças estatutárias em uma assembleia de acionistas convocada para o início de janeiro.

Uma das ideias era excluir do estatuto uma cláusula que obrigava quem acumulasse mais de 20% do capital a fazer uma oferta de compra aos minoritários (a chamada poison pill). O objetivo dos acionistas era atrair gente de peso para diluir o papel de Marcio Mello, fundador da HRT que, com apenas 1,7% das ações, seguia mandando na empresa.

Para Tanure, era a combinação perfeita. Ações valendo centavos e a possibilidade de ganhar poder sem precisar gastar a fortuna necessária para comprar todo o negócio. Faltava encontrar um aliado com influência na gestão da HRT. E não foi difícil.

O próprio Marcio Mello era o alvo óbvio. O fundador da HRT vivia às turras com os seis membros independentes do conselho de administração, que questionavam cada atitude sua, incluindo um pacote de 10 milhões de reais em indenização que Mello ganhou ao se demitir da presidência da HRT, em maio.

Outra pedra no sapato de Mello era o fundo americano Discovery — que, dono de 17% das ações e com dois conselheiros, tentava aumentar seu poder. Tanure mostrou a Mello que, caso se aliasse a ele, poderia tirar os inimigos do caminho.

Em novembro, o empresário começou a comprar ações da HRT. Após um investimento da ordem de 70 milhões de reais, ele já tem 19% do capital da empresa e é o maior acionista. A pessoas próximas Tanure (que não deu entrevista a EXAME) se diz interessado no setor de petróleo no longo prazo.

Seus inimigos desconfiam que seu real interesse seja fazer uma jogada rápida e vender as ações assim que possível. Desde que ele começou a comprar ações da petroleira, o valor de mercado subiu 86%. “Se tudo der errado, o patrimônio da HRT hoje é maior do que ela vale em bolsa. É esse o número que o atraiu”, diz um executivo da Docas Investimentos, empresa de Tanure.

O patrimônio líquido da HRT é de 2,4 bilhões de reais, mas ela vale em bolsa apenas 375 milhões. Se vender a preço de tabela os helicópteros, os imóveis e as bacias de gás, Tanure poderá lucrar mais de 380 milhões de reais com a HRT.


Até agora, seu plano tem sido um sucesso e tanto. O primeiro golpe da dupla Tanure-Mello foi dado em dezembro, quando uma reunião “urgente” do conselho foi convocada para afastar dois conselheiros fiscais e dois membros do conselho de administração, todos indicados pela Discovery, acusados de conflito de interesses por trabalhar em empresas concorrentes sem o conhecimento da HRT.

O atual presidente do conselho, John Willot, foi indicado por Mello. O e-mail convocando a reunião foi enviado por ele na véspera, e quatro conselheiros não conseguiram chegar a tempo ao país e outro, que estava no Brasil, não pôde votar por ser um dos acusados. A reunião foi dominada pelos quatro representantes de Mello.

Para tornar o golpe fatal, Willot tinha em mãos três pareceres de advogados demonstrando que, com base nas informações enviadas pela empresa, havia conflito de interesses. Em sua defesa, os conselheiros dizem que trabalham em companhias de energia que não concorrem com a HRT.

A CVM questionou o afastamento dos membros do conselho fiscal por considerar que essa não é uma atribuição do conselho de administração. Três dias depois da manobra, os seis membros independentes do conselho renunciaram. A eleição dos novos conselheiros será em março. Hoje, o conselho da HRT é tocado pelos quatro representantes de Mello, incluindo o próprio.

A Discovery, claro, prepara seu revide — mas Tanure se antecipou e partiu para a segunda ofensiva contra os americanos. Ele foi à CVM e ao Ministério Público acusando a gestora de usar informação privilegiada para negociar ações.

Também iniciou uma arbitragem na câmara da BM&F Bovespa, em que acusa a gestora de ter ultrapassado os 20% do capital sem ter feito a oferta de ações aos demais acionistas. O novo conselho, curiosamente, tirou a derrubada da poison pill da pauta da assembleia de março.

O estatuto da HRT dá um prazo de 60 dias para que um acionista que ultrapasse os 20% faça sua oferta aos demais acionistas. Como a Discovery está sendo acusada, Tanure poderá argumentar que a gestora está impedida de votar na assembleia.

Com isso, teria espaço livre para fazer o que quiser na reunião de março. Ou seja, Mello e Tanure montariam um conselho do seu jeito. À Discovery restaria espernear.

O ataque à HRT é o capítulo mais recente da volta de Nelson Tanure aos holofotes. Esse retorno foi iniciado há seis meses, quando ele começou a acumular ações da GPC Participações, empresa carioca que tem negócios em áreas que vão da petroquímica à energia renovável. Controlada pelo clã Peixoto de Castro, o endividado grupo está em recuperação judicial.

Na surdina, Tanure comprou ações pertencentes a investidores portugueses. Gastou cerca de 62 milhões de reais e acumulou 35% de participação no capital. A família, assistindo ao avanço, estabeleceu em outubro uma cláusula nova no estatuto da empresa — qualquer grupo de acionistas que atingisse 40% do capital teria de fazer oferta aos demais.


“É uma forma de impedir que ele leve a empresa a preço de banana”, diz um dos acionistas. Tanure não gostou, chamou o escritório Bocarte, Camargo, Costa e Silva e iniciou um processo judicial contra a GPC em dezembro. O grupo é controlado por nove irmãos, e Tanure procurou um deles para comprar suas ações, oferecendo um prêmio de 25%.

Outro irmão também é favorável ao avanço de Tanure. Os outros sete irmãos estrilaram. Desde agosto, as ações da GPC valorizaram 73%. Tanure é contrário ao plano da família, que pressupõe a venda de ativos para pagar dívidas.

O primeiro da lista é um terreno na região portuária do Rio avaliado em 150 milhões de reais. Tanure quer que o grupo invista o dinheiro na área petroquímica e deixe as dívidas para depois. A GPC não quis dar entrevista.

Jogo de risco

Tanure é um especialista em comprar empresas quebradas. Já ganhou muito dinheiro com isso: em 2008, pagou míseros 10 milhões de reais pela empresa de telefonia Intelig e assumiu dívidas de 130 milhões. Um ano depois, vendeu a Intelig para a italiana TIM por 650 milhões de reais. Mas seus fracassos também são famosos.

Em 2001, comprou os direitos das marcas Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil, títulos que viriam a sair de circulação. Os dois jornais estavam em dificuldades financeiras, mas tinham marcas de prestígio.

De acordo com sua tese jurídica, ele  não teria responsabilidade sobre os passivos fiscal e trabalhista do grupo, mas no ano passado o Superior Tribunal de Justiça determinou que ele teria de assumir a dívida de 1 bilhão de reais do JB com o falido Banco Econômico — Tanure está recorrendo.

No total, ele enfrenta 600 ações trabalhistas e fiscais dos tempos da investida em mídia. Como se vê por seus movimentos recentes, ele está querendo mesmo é brigar mais um pouco.

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