Revista Exame

Trump terá de convencer Congresso a apoiar seus planos polêmicos

Muitas das propostas que levaram o bilionário à vitória terão de ser aprovadas pelos mesmos congressistas que foram alvo de discurso virulento na posse

Família Trump em desfile da posse de Donald Trump como presidente dos EUA 20/01/2017 (Reuters)

Família Trump em desfile da posse de Donald Trump como presidente dos EUA 20/01/2017 (Reuters)

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Da Redação

Publicado em 28 de janeiro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 28 de janeiro de 2017 às 05h55.

São Paulo – Donald Trump recebeu 63 milhões de votos nas urnas, mas, para conseguir cumprir várias de suas promessas de campanha, o novo presidente americano vai precisar de outro tipo de voto: o dos deputados e senadores. Apesar de nominalmente pertencer ao Partido Republicano, que controla as duas Casas do Legislativo, Trump e seus colegas de partido têm visões opostas sobre o que deve ser feito em várias áreas.

Do corte de impostos à imigração, muitas das propostas que levaram o bilionário nova-iorquino à vitória terão de ser aprovadas pelos congressistas — os mesmos que foram alvo de um discurso virulento na posse. “As vitórias deles não foram suas vitórias. Os triunfos deles não foram seus triunfos. Enquanto eles comemoravam na capital de nosso país, havia muito pouco a comemorar para as famílias em dificuldades país afora”, disse Trump sobre os políticos tradicionais. A retórica beligerante contra a ordem estabelecida funcionou na campanha. Se a mesma atitude de confrontação vai dar resultados, ainda é uma incógnita.

Um relatório recente do banco Goldman Sachs divulgado a investidores analisou 28 das principais propostas de Trump. Segundo o levantamento, 14 dessas propostas, como a construção de um muro na fronteira com o México, precisam de dois terços dos votos no Congresso. Isso significa que o presidente também terá de conquistar o apoio do Partido Democrata. Antes de buscar o apoio da oposição, porém, Trump precisa da sustentação de sua própria base.

O corte de impostos é um dos poucos pontos em que Trump e seus companheiros de partido concordam. Mas a maneira de implementá-lo será uma das primeiras provas do que poderá ser um tenso relacionamento entre o novo presidente e sua base. A ideia de Paul Ryan, o líder republicano  e presidente da Câmara, é substituir o atual imposto de renda pago pelas empresas por uma espécie de imposto de valor agregado, que seria aplicado somente às vendas realizadas dentro dos Estados Unidos, isentando as exportações.

O plano inclui um “ajuste de fronteira”, ou seja, taxar as importações e dar crédito aos exportadores. O objetivo é oferecer incentivos às empresas para que produzam e gerem empregos e mantenham seus lucros dentro do país, e não em filiais abertas no exterior para explorar brechas legais.

A proposta está alinhada à ideia de Trump de favorecer a geração de empregos industriais nos Estados Unidos. No entanto, o presidente discorda de Ryan. “Toda vez que ouço o termo ‘ajuste de fronteira’, não amo [a ideia]”, disse ele ao The Wall Street Journal. “Normalmente, isso significa um mau negócio.” A proposta de Trump é diferente. Ele defende um corte simples e direto nas alíquotas pagas pelas empresas, dos atuais 35% para 15%. Além disso, quer reduzir a 10% o imposto cobrado das companhias que trouxerem de volta os mais de 2 trilhões de dólares em lucros guardados no exterior.

A questão é como cobrir o rombo que seria deixado no orçamento com esse plano. Questionado pelos senadores, Steven Mnuchin, o indicado para o Departamento do Tesouro, disse: “Queremos garantir que a reforma fiscal não aumente o déficit”. De acordo com a equipe de Trump, o aumento da atividade econômica seria mais que suficiente para compensar as perdas de arrecadação. Mas quatro instituições que analisaram os números estimaram o déficit entre 2,6 trilhões e mais de 10 trilhões de dólares.

Trump também ameaçou sobretaxar as empresas que levam a produção para outros países, mirando especialmente as montadoras — ideia rechaçada por muitos políticos republicanos. “Não vamos aumentar os impostos de importação”, diz Ryan, presidente da Câmara. O bate-boca entre os supostos aliados do Executivo e do Legislativo acontece num momento em que o presidente americano assume o governo com as mais baixas taxas de popularidade em 70 anos.

Os eleitores que tinham uma visão favorável de Trump eram 42% logo depois da eleição. Um dia antes da posse, o percentual caiu para 40%, segundo o instituto Gallup. É claro que pesquisas também mostravam o claro favoritismo de Hillary Clinton nas eleições presidenciais de novembro e erraram clamorosamente. Mas a tarefa de convencer deputados e senadores a votar com um presidente impopular certamente parece mais complicada.

Marco Rubio, senador derrotado nas primárias republicanas do ano passado, endureceu no questionamento de Rex Tillerson, ex-presidente da petroleira ExxonMobil indicado para o Departamento de Estado — mais um sinal de que alguns republicanos continuam querendo manter distância segura do novo presidente. Na visão de vários políticos em Washington, Trump teria muitos alvos fáceis, como os projetos de lei de infraestrutura, mas tem mirado objetivos complicados.

O fim do Obamacare

Uma de suas primeiras e principais metas é acabar com o Obamacare, como é conhecido o programa de Barack Obama que estendeu a cobertura de saúde a mais de 20 milhões de americanos. Como fazê-lo, entretanto, dependerá de uma delicada dança com o Congresso. Um dos primeiros atos de Trump depois de assumir foi a assinatura de uma ordem executiva enfraquecendo certas provisões da legislação de saúde. Canetadas, porém, não serão suficientes para acabar com o Obamacare.

Para “repelir e substituir” a lei em um só movimento, como prometeu o novo presidente, é necessário um acordo sobre um novo programa de cobertura de saúde. Muitos republicanos não querem simplesmente acabar com o sistema atual sem uma alternativa definida. Para aprovar mudanças profundas na legislação, os republicanos, que contam com maioria de apenas quatro votos no Senado, precisam apresentar um plano que conte com o apoio de pelo menos oito democratas.

As diferenças entre o que querem Trump e os republicanos do Congresso em relação ao Obamacare “não são tão grandes assim”, segundo Grace-Marie Turner, do centro de estudos conservador Galen Institute, especializado em saúde. Mas isso não quer dizer que a queda de braço será menos dura.

O discurso de posse de Trump foi marcado por conclamações populistas e desdém pelas instituições. Algumas das ideias delineadas pelo presidente — como impulsionar a economia com investimentos governamentais e bloquear acordos de livre comércio — são maldições para os republicanos tradicionais. “Alguns de nós vão pressionar para que voltemos às raízes: limites ao governo, liberdade econômica, responsabilidade individual e livre comércio”, deixou claro o senador republicano Jeff Flake.

Nos primeiros dias, pelo menos, essa pressão não se mostrou forte o suficiente. Uma vez na Casa Branca, Trump rapidamente retirou os Estados Unidos da Parceria Transpacífico, acordo de comércio entre países das Américas, Oceania e Ásia conhecido pela sigla em inglês TPP.

Assim como o candidato Trump, o presidente recém-empossado continua desafiando abertamente o credo de seu partido — e não há sinais de que isso vá mudar tão cedo. O incentivo para parte dos republicanos apoiar o presidente é não desagradar à sua base eleitoral. Por isso, não está descartado um realinhamento populista do partido nos próximos anos. Porém, há quem acredite que a retórica de campanha tem prazo de validade.

Justamente por não ser um político tradicional, Trump vai depender do apoio daqueles que o cercam, como o vice-presidente Mike Pence e Reince Preibus, chefe de gabinete, ambos veteranos de Washington. “Não acho que ele vá mudar o partido no que diz respeito às grandes questões”, disse ao jornal The New York Times Scott Walker, governador de Wisconsin. A conciliação das bravatas eleitorais com a realidade do governo será só mais um dos muitos espetáculos da política americana nos próximos anos.

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