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New York Times, a próxima vítima de Murdoch

Dono do Wall Street Journal, o magnata Rupert Murdoch parte para a realização de um sonho antigo - aniquilar o jornal mais importante do mundo, o New York Times

O magnata Rupert Murdoch (Andrew Cowie/AFP)

O magnata Rupert Murdoch (Andrew Cowie/AFP)

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Da Redação

Publicado em 25 de junho de 2012 às 13h42.

Por décadas, os dois maiores jornais do mundo mantiveram o que se pode chamar de coexistência pacífica em sua cidade natal. O New York Times e o Wall Street Journal brilhavam em seus respectivos espaços sem incomodar um ao outro.

O Journal se estabeleceu como aquilo que ficou conhecido como "segunda leitura" do dia - um jornal que complementava, com originalidade, a cobertura do dia a dia feita pelos jornais das grandes cidades americanas. Estava indo tudo bem até que entrou na história o invocado magnata australiano Rupert Murdoch, dono do conglomerado de mídia News Corp.

Em agosto de 2007, Murdoch comprou o Wall Street Journal por 5 bilhões de dólares. Quando estava prestes a concluir o negócio, o australiano enviou um bilhete a Arthur Sulzberger Jr., controlador do Times. "Que comece a batalha", escreveu Murdoch. Sulzberger achou graça do recado.

Num editorial publicado dias antes, o Times havia endossado a tese de que Murdoch acabaria com a celebrada independência dos jornalistas do Wall Street Journal, arrasando, assim, a reputação do jornal. Além disso, a ideia de que o Journal e o Times se tornariam inimigos desafiava a lógica reinante até então.

Se Murdoch quisesse ir à guerra total com Sulzberger, teria de transformar o melhor diário econômico do mundo num jornal de interesse geral - num novo New York Times, em suma. Murdoch, claro, não seria louco o bastante para fazer isso. Ou seria?

Como bem se sabe, não convém apostar contra o instinto belicoso de Rupert Murdoch. E, após mais de dois anos de preparação, a guerra entre os maiores jornais do mundo será deflagrada para valer em abril.

O dono da News Corp. vinha aumentando gradualmente a cobertura de temas em que o Journal não se destacava, como política e assuntos internacionais. Mas no dia 26 de abril a transformação mudará de patamar: o Wall Street Journal lançará um caderno diário de notícias da cidade de Nova York, num ataque direto e sem precedentes ao Times.

Isso mesmo: a partir de abril, o venerável jornalão de economia e negócios se dedicará à cobertura de homicídios, acidentes de trânsito e buracos de rua. O caderno terá até 16 páginas diárias. Num momento em que todos os jornais americanos cortam custos (o Times reduziu 18% de sua folha de pagamentos no ano passado), Murdoch investiu quase 100 milhões de dólares ao montar uma nova redação para o Journal e criar a seção de cidades.


Seu objetivo é conquistar uma fatia do bolo publicitário local, uma senhora fonte de receita para o Times. O Journal já fez acordos com grandes anunciantes, como os varejistas de luxo Bloomingdale's e Bergdorf Goodman. "Certo jornal de Nova York parou de cobrir a cidade como cobria", disse Murdoch em março. "Eu prometo - o Wall Street Journal não cometerá o mesmo erro."

De acordo com quem entende A cabeça de Murdoch, a transformação do Journal é motivada por dois componentes - um racional, outro nem tanto. O racional é aquilo que Murdoch e seus executivos consideram o esgotamento do modelo de "segunda leitura".

Na era pós-internet, afinal, as pessoas não vêm se mostrando muito dispostas a comprar nem mesmo um jornal todos os dias - o que dirá dois. A saída, seguindo esse raciocínio, é transformar a segunda leitura em primeira. E, para isso, é necessário passar a cobrir todos os assuntos típicos de um jornal diário.

A dúvida, porém, é se faz sentido econômico, em meio à maior crise da história do jornalismo impresso americano, investir tanto na criação de um concorrente para o New York Times. É aí que entra o que observadores consideram o lado irracional da transformação do Wall Street Journal: ela é impulsionada por uma antiga e crescente obsessão de Murdoch - aniquilar o jornal da família Sulzberger. "O Times é o melhor jornal do mundo.

Para assumir o lugar que ele considera seu de direito, Murdoch precisa ou comprá-lo ou destruí-lo", diz Michael Wolff, autor de O Dono da Mídia, uma biografia do empresário australiano. "Ele não vai descansar até conseguir." A estratégia do confronto está no DNA de Murdoch: suas "newspaper wars" na Inglaterra e nos Estados Unidos já se tornaram célebres. Para Murdoch, o jornalismo é um jogo de soma zero: a única forma de ganhar espaço é roubando leitores dos outros.

Na briga que se inicia agora, Murdoch e Sulzberger entram com armas desiguais. O australiano é dono de um conglomerado que fatura 30 bilhões de dólares por ano - e reúne um estúdio de cinema, um punhado de canais de TV, editoras de livros, dezenas de jornais e o site MySpace, entre muitos outros.

O Wall Street Journal representa apenas 3% do faturamento total da News Corp. Tamanha musculatura financeira permite a Murdoch tratar os jornais como sua paixão particular, um hobby sem muito compromisso com rentabilidade. Jornais como o Times de Londres e o New York Post são notórias e crônicas fontes de prejuízos para Murdoch.

A própria compra do Wall Street Journal foi um péssimo negócio para os acionistas da News Corp. Hoje, o jornal vale menos da metade dos 5 bilhões de dólares pagos em 2007. Estima-se que o diário tenha dado prejuízo de 80 milhões de dólares no ano passado, mas Murdoch, inabalado, segue investindo a fundo perdido.


O caso de Sulzberger é oposto. A New York Times Co. e seus controladores dependem quase exclusivamente da saúde financeira do Times, que não é das melhores. A empresa fatura 2,4 bilhões de dólares por ano - embora seja muito para um jornal, é menos que o faturamento mundial do filme Avatar, da Fox, estúdio de cinema de Murdoch.

Dos dois, portanto, Sulzberger é o que mais tem a perder com a guerra declarada por Murdoch - sobretudo porque o ataque da News Corp. acontece, não por acaso, num momento de fragilidade do Times. O jornal carrega uma dívida de quase 800 milhões de dólares, a circulação está em queda e a receita com publicidade caiu 24% em 2009.

Em março, o mercado financeiro foi tomado por boatos de que o mexicano Carlos Slim, maior acionista individual da New York Times Co. e homem mais rico do mundo, compraria o jornal - mas os boatos foram negados. Se o avanço de Murdoch diminuir a rentabilidade do Times, a pressão sobre o clã Sulzberger aumentará ainda mais, o que acabará ressuscitando os boatos de venda do jornal.

Mas, se o império de Murdoch não corre grandes riscos em sua nova empreitada, o mesmo não pode ser dito do Wall Street Journal. Na tentativa de expandir sua base de leitores, Murdoch pode deixar de lado justamente o que fez do velho Journal a potência que era - a meticulosa cobertura de temas financeiros e empresariais que deu origem a livros como Barbarians at the Gate, o clássico sobre a aquisição hostil da RJR Nabisco pelo fundo KKR.

Além disso, não custa lembrar que, apesar de todos os cortes recentes de pessoal, o desempenho da editoria de cidades do Times, principal alvo do ataque do Journal, tem sido invejável - o jornal derrubou o exgovernador de Nova York Eliot Spitzer e acaba de arruinar a carreira de seu sucessor, David Peterson, numa sufocante série de denúncias.

"Ao transformar o Journal num diário de interesse geral, Murdoch pode levar seus leitores a simplesmente escolher um jornal que já faz isso, e melhor que o Journal. O Times, por exemplo", diz Tunku Varadarajan, professor da New York University e exeditor do Wall Street Journal. Rupert Murdoch pode até saber fazer guerra como ninguém - mas ninguém faz jornal tão bem quanto os Sulzberger.

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