Revista Exame

Como empresas e governos podem seguir regras básicas sobre o uso de dados

Sem isso, o risco é a perda de inovações importantes e que solucionariam problemas comuns

Parlamento Europeu, em Bruxelas, na Bélgica: lei de dados digitais pioneira (Dursun Aydemir/Anadolu Agency/Getty Images)

Parlamento Europeu, em Bruxelas, na Bélgica: lei de dados digitais pioneira (Dursun Aydemir/Anadolu Agency/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 28 de abril de 2022 às 05h31.

Última atualização em 29 de abril de 2022 às 18h51.

Por: Josh Entsminger, Mark Esposito, Terence Tse e Olaf Groth

Embora a revolução digital esteja há décadas em andamento, ainda não existe uma ordem econômica digital mundial. Em vez disso, temos visões concorrentes do capitalismo digital, predominantemente articuladas pelos Estados Unidos, pela China e pela União Europeia, que vêm desenvolvendo seus modelos há muitos anos e cada vez mais exportando-os para as economias em desenvolvimento e emergentes. Na falta de um alinhamento mais global, o mundo pode perder soluções tecnológicas promissoras para problemas compartilhados.

A pergunta, claro, é que tipo de ordem digital alternativa é possível no mundo atual. Como a internet pode ser retomada para servir aos cidadãos, em vez de aos interesses políticos e econômicos dominantes? Não será fácil realinhar os incentivos que impulsionam a economia digital. Ainda assim, os esforços recentes de formulação de políticas refletem a demanda por novas formas de governança.

A OCDE, por exemplo, vem liderando um esforço para combater a arbitragem fiscal internacional — uma prática favorecida pelas grandes empresas americanas de tecnologia. Ao mesmo tempo, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tem escolhido críticos do setor para liderar instituições importantes, como a Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês), e instruído os reguladores para investigarem o problema do poder excessivo das plataformas nos mercados digitais.

De modo semelhante, o governo chinês introduziu uma nova Lei de Proteção de Informações Pessoais e está presidindo uma grande campanha antitruste interna para controlar o mercado digital em ebulição do país. E a União Europeia, após o marco obtido com seu Regulamento Geral de Proteção de Dados, vem avançando uma visão mais ampla baseada na ética para governar dados, mercados digitais e inteligência artificial (IA). Além disso, países como Espanha e Alemanha estão agora mirando diretamente o modelo de negócios de extração de dados.

Reguladores e autoridades governamentais do mundo todo estão imaginando como redefinir suas pautas de inteligência artificial e de dados, promover a próxima geração de atores digitais e moldar padrões globais para atender às suas respectivas visões. Mas, se o objetivo principal de cada uma dessas jurisdições é pôr freios em plataformas digitais superpoderosas, pode haver um terreno comum sobre o qual seria construída uma ordem digital global mais eficaz.

Com certeza, as autoridades digitais da UE e dos Estados Unidos não concordam em tudo. Contudo, elas compartilham uma visão de uma ordem digital mais aberta e colaborativa. Se vão se alinhar de modo efetivo por trás desse objetivo mais amplo, elas precisam entender o que estão enfrentando. Visões divergentes para a estrutura fundamental da internet global já criaram raízes profundas.

No “cada um por si” emergente, o isolamento informacional está em alta. Pessoas dentro de diferentes silos têm visões fundamentalmente diferentes sobre os fatos e, portanto, sobre o que constitui a verdade. Não há nem mesmo acordo sobre como proteger e coordenar os principais recursos da arquitetura digital, como o GPS. Cada jurisdição tem sua própria estrutura, seja o Sistema de Satélite de Navegação BeiDou da China, seja o Sistema de Satélite de Navegação Regional Indiano, seja o sistema Galileo da Europa.

Essa fragmentação na governança do poder digital e informacional foi acompanhada pelo crescente iliberalismo, com muitos países buscando um controle social mais amplo e explorando novos caminhos para distribuir propaganda. O custo de experimentar novos modos de autoritarismo digital caiu de modo significativo, porque as ferramentas básicas são amplamente disponíveis e simples de usar.

Plataformas como o Facebook estão na prática subsidiando o custo — sem querer, mas não necessariamente de modo inconsciente — de realizar campanhas de desinformação em escala. Construir a pilha de tecnologia (infraestrutura de software) necessária para criar um sistema totalitário de vigilância e controle social é hoje uma questão simples de reunir os aplicativos certos.

China em expansão: campanha antitruste interna para controlar o mercado digital (STR)

A ordem digital que vem surgindo na ausência de coordenação global levanta duas preocupações críticas. A primeira é o lado digital dos grandes desafios globais, como mudanças climáticas e pandemias, que existem independentemente de governos liberais ou não. Assim como os efeitos das mudanças climáticas serão vivenciados de modo desigual, as tecnologias necessárias para adaptação e mitigação climática — ou vigilância epidêmica — serão distribuídas de modo desigual.

A segunda questão é a incompatibilidade de visões concorrentes para futuras economias digitais. Muitas economias em desenvolvimento e emergentes ainda estão decidindo como expandir e governar suas capacidades digitais para que as novas tecnologias atendam suas estratégias mais amplas para alcançar crescimento econômico sustentável. Essas duas preocupações precisam ser tratadas em conjunto. Se as medidas para melhorar o acesso à tecnologia não levarem em conta as diferentes estratégias locais e nacionais de crescimento, poderão consolidar um futuro econômico digital indesejável, mesmo que prometam progresso em outras questões, como as mudanças climáticas.

Mark Zuckerberg, da Meta: poder comercial questionado por órgãos reguladores internacionais (Kevin Dietsch)

Abordar essas preocupações em conjunto está diretamente relacionado à busca dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de 2030. Seja em saúde pública, seja em educação, seja em mudanças climáticas, buscar o alinhamento global deve ter uma classificação mais alta na agenda de qualquer país do que assegurar ganhos geopolíticos limitados. Porém, sem dúvida os realistas devem reconhecer que a atual competição entre modelos de controle de dados, design de hardware e governança de plataforma será grande em qualquer negociação multilateral sobre esses problemas.

Diante disso, cada uma das três potências digitais pode sentar à mesa de olhos abertos. Criar uma ordem digital global mais estável e coerente não tem de significar a conquista do alinhamento total entre os três modelos. Mas deixar de refletir sobre como e onde esses pedidos digitais são incompatíveis pode resultar numa corrida para o fundo em vez de para o topo. O que importa no curto prazo é que haja certo grau de interoperabilidade em áreas que tocam em desafios globais.

Após dois anos convivendo com a covid-19, todas as principais potências e regiões devem reconhecer a importância de compartilhar livremente certos tipos de dados. Elas devem começar agora a identificar outras áreas em comum. Uma ordem digital nova e melhor é possível, mas não vai se fazer sozinha.

(Arte)

(Arte)

 

(Arte)

(Arte/Exame)

Acompanhe tudo sobre:Ciência de Dadosexame-ceoseguranca-digital

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025